v. 48 n. 2 (2023): A herança da obra A miséria do mundo de Pierre Bourdieu 30 anos após sua publicação
Em novembro de 1989, Michel Rocard, então primeiro ministro de François Miterrand (1981-1995), afirmava que a França não poderia mais “acolher toda a miséria do mundo”1. Fortes tensões políticas atravessavam os debates políticos sobre a recepção de imigrantes no país. Alguns anos após esta fala, em 1993, Bourdieu, um sociólogo ainda pouco conhecido do grande público, afirmava que “a França havia se tornado uma constelação de microcosmos fechados, dentro dos quais todos ruminavam sobre sua miséria”. É neste contexto que em março de 1993, “(...) algumas semanas antes das eleições legislativas na França, é publicada a Obra La Misère du monde, empreendimento coletivo concebido por Bourdieu explicitamente como uma intervenção no campo político” (CHAMPAGNE, 2017, p. 271). Este livro de quase mil páginas, prossegue o autor, e contendo mais de 60 entrevistas realizadas em ambientes onde impera o sofrimento, propõe dar voz àqueles que não são ouvidos no espaço público, àqueles que são retratados através do filtro difuso da mídia ou dos levantamentos estatísticos. As entrevistas comentadas descortinam os sofrimentos socialmente engendrados pelo neoliberalismo, muitas vezes, inaudíveis e invisíveis para os dirigentes políticos.