Editorial

Autores

  • Ivone Garcia Barbosa

DOI:

https://doi.org/10.5216/ia.v33i2.6069

Resumo

                 E

ditorial

Esta edição da revista

Inter-Ação aborda uma temática essencial

para os educadores: a infância e sua educação. Hoje se reconhece a

necessidade de se debater a constituição das infâncias, de modo a não

apenas descrevê-la, mas historicizá-la. Isso significa desvelar os vários

determinantes – social, cultural, ideológica, político-econômica, das

relações interindividuais e coletivas, das concepções sobre os processos

biopsicossociais do desenvolvimento infantil – que atuam no sentido de

promover a educação de crianças desde a mais tenra idade. Aqui cabe

destacar a forma contraditória como a educação infantil ganhou espaço

nas reformas educacionais que ora se impõem ao Brasil e a todos os

outros países nos mais diversos continentes. Reconhecida como direito

constitucional desde 1988, a educação infantil foi reafirmada na formu

lação

do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e nos pressupostos

que sustentam o Plano Nacional de Educação (2001) Na Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional (1996), passou a ser considerada

oficialmente como primeira etapa educativa. Persiste, no entanto, um

tratamento desigual a este direito da criança, quer em nível regional,

quer entre as faixas etárias. Isso se revela na construção dos diferentes

espaços institucionais de atendimento, sendo observados o preconceito

e a marginalização com que são tratadas as pre-escolas e, sobretudo, as

creches brasileiras. Uma articulação necessária para superação dessa

secundarização da infância e sua educação, aparece no perfil dos vários

artigos selecionados para nosso Dossiê, abrangendo desde a criança e seu

desenvolvimento até o campo das políticas sociais e educacionais.

É com a intenção de provocar uma discussão de muitas facetas

que o Dossiê “Infância” abre espaço para diferentes estudiosos e pesquisadores

brasileiros elegerem e tratarem de questões que considerem

fundamentais no campo da infância e de sua educação. A discussão sobre

a educação infantil ganha contornos mais amplos ou mais particulares

nos vários artigos da revista. Estes mostram a urgência e a exigência de

conhecermos as políticas nacionais e internacionais que se voltaram e se

voltam ao atendimento das crianças e sua educação nos diferentes contextos.

Ademais, é preciso reconhecer os diversos conceitos que inauguram

e sustentam os diferentes projetos educativos para a infância.

No artigo “A educação das crianças pequenas como estratégia

para o “alívio” da pobreza”, de Rosânia Campos, pode-se compreender

através da análise documental sistemática as indicações dos organismos

internacionais – Banco Mundial, Unesco, Unicef, entre outros – às

ações a serem desenvolvidas nos países da América Latina, notando se

as concepções e a lógica com que se interseccionam as políticas e ações

de baixo custo dirigidas à criança e a família de baixa renda. Esse estudo

de Campos é reforçado pelas discussões de Lenildes Ribeiro Silva

no artigo “Unesco: Os quatro pilares da “educação pós-moderna”, que

trata criticamente das reformas no âmbito da educação básica à luz do

processo de reestruturação do capitalismo e do fenômeno da globalização,

mostrando os riscos de se promover a alienação e o pauperismo,

quando somente o discurso é libertador, enquanto as ações se voltam à

manutenção e ampliação da exploração e da desigualdade.

É justamente nesse campo que contribuem as reflexões de Wellington

Ferreira de Jesus no artigo “O financiamento da educação infantil

não é brincadeira de criança: entre ausência no Fundef e a insuficiência

do Fundeb?”. Realizando análise dos investimentos em educação infantil

no período 1996, o autor responde a algumas questões sobre o financiamento

da educação brasileira e a realidade do financiamento da educação

infantil com a aprovação do Fundeb. Considera, então, o distanciamento

entre o discurso e a realidade, reforçando a denúncia de diversos autores,

educadores e movimentos sociais quanto à exclusão da educação infantil

da divisão dos recursos educacionais ou da insuficiência dos recursos

quando esta divisão ocorre.

A defesa de uma política de Estado, e não unicamente de governos

isolados, que defenda a criança como um cidadão de direito plenos,

caracterizando a educação infantil como um bem público e não como

um mero serviço, encontra-se registrada no artigo “Das políticas contra

ditórias

de flexibilização e de centralização: reflexões sobre a história e

as políticas da educação infantil em Goiás”, de Ivone Garcia Barbosa.

Tendo por referência um conjunto de investigações realizadas no Estado

de Goiás, com o apoio do GEPIED/FE/UFG, a autora busca apreender

vários elementos históricos constitutivos da configuração das políticas

educacionais, que articula diretamente a educação de crianças menores de

seis anos em nível municipal às políticas sociais mais amplas. Apresenta

uma análise do paradoxo que se estabelece entre as práticas sociais e os

discursos políticos, no qual se observam contradições e antagonismos de

diversas ordens. Na promoção de políticas de descentralização, ocorre

uma redefinição das funções do Estado e a privatização das relações so

ciais

no interior do sistema público de ensino. Assim, a educação infantil

é propalada como forma de efetivação de uma política voltada para o

desenvolvimento político-social, mas, ao mesmo tempo, é classificada

como “problema”, havendo um movimento crescente de privatização e

filantropização do público na educação infantil.

Esse processo de reconhecimento da importância da educação

da infância é também marcada por disputas conceituais. Por essa razão,

queremos destacar as contribuições dos artigos “A afetividade no desenvolvimento

da criança: contribuições de Henri Wallon”, de Ana Rita Silva

Almeida; “A criatividade infantil na perspectiva de Lev Vigotski”, de

Geisa Nunes de Souza Mozzer e Fabrícia Teixeira Borges; “Letramento na

educação infantil: “Quem tem medo do lobo mau...”, de Regina Aparecida

Marques de Souza; “Pedagogização da infância: refletindo sobre poder

e regulação, de Aliandra Cristina Mesomo Lira. As cinco autoras, que

recortam seus artigos nos mais diferentes vieses conceituais, contribuem

no sentido de resgatarmos para o debate sobre a infância e sua educação

uma concepção de criança em pleno desenvolvimento e que precisa ser

respeitada como tal. Ademais, apontam para o debate sobre a formação

dos professores de educação infantil. Ao tratar do conceito de afetividade

no desenvolvimento da criança, segundo os pressupostos de Wallon,

Ana Almeida explicita sistematicamente a necessidade de novos estudos

sobre essa temática e enfatiza a importância do estudo da afetividade e

suas relações com a atividade intelectual para a formação do professor.

Esta aposta em uma revisão conceitual também pode ser observada nos

escritos de Geiza Mozzer e Fabrícia Borges, que abordam o processo

de desenvolvimento da criança pelo recorte da criatividade. Apontam

para a necessidade de estudar a criatividade infantil, numa perspectiva

histórico-cultural, superando a polarização entre as concepção inatista

e ambientalista da psicologia. Desse modo. conceituam a criatividade

com base na concepção vigotskiana e destacam a brincadeira como atividade

aprivilegiada em que podem se manifestar múltiplas formas de

expressão relacionadas com o caráter único e singular da criança, vista

como sujeito da ação criativa.

Estabelecendo, com apoio da leitura que faz da obra de Vigotski,

uma diferenciação entre alfabetização e letramento, Regina Souza retoma

a defesa de uma educação infantil em que se considere a criança como

valor sócio-histórico, que tem direitos, entre os quais está o de ler e se

expressar no mundo nas mais diversas formas de expressão e linguagens.

A autora traça, nessa direção, uma abordagem didático-pedagógica na

educação infantil, de modo a resgatar a dialeticidade do processo. Tal

compreensão do processo é, ainda que apoiada em outro referencial

teórico, manifesta por Aliandra Lira, cujo foco central está na práticas

educativas com crianças na educação infantil pública, em que a autora

reconhece investidas de pedagogização marcadas por prescrições disciplinares

e regulatórias, que se materializam por meio de técnicas que

tomam o corpo infantil como objeto.

O conjunto desse artigos se somam ao restante daqueles publicados

nas outras seções da revista, que nos convidam aos diversos

olhares sobre o processo educacional. Como se pode ver, este número

da

Inter-ação é muito especial. Convido a todos a partilhar dessa leitura

e a somar com aqueles que querem uma educação infantil de qualidade

e democrática.

           Dra. Ivone Garcia Barbosa

             Coordenadora do Dossiê

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Publicado

2009-04-27

Como Citar

BARBOSA, I. G. Editorial. Revista Inter-Ação, Goiânia, v. 33, n. 2, 2009. DOI: 10.5216/ia.v33i2.6069. Disponível em: https://revistas.ufg.br/interacao/article/view/6069. Acesso em: 2 maio. 2024.

Edição

Seção

Editorial