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Wed, 21 Jun 2023 in Inter-Ação, Goiânia
Fatores de implementação da política de qualidade do ensino superior em moçambique: o caso do sinaqes
Resumo
A presente pesquisa orientou-se pelo objetivo de investigar os fatores de implementação do Sistema Nacional de Avaliação, Acreditação e Garantia de Qualidade – SINAQES em Moçambique, como política pública para o Ensino Superior. Procedeu-se a realização de uma Pesquisa Documental, baseando-se na análise de conteúdo de documentos oficiais. Identificou-se a instauração de um sistema educacional colonial, sua conversão para o período pós-independência, e a introdução da economia de mercado como determinantes contextuais relevantes, sob os quais o SINAQES é introduzido. Sua implementação encontrou-se em torno da articulação de diferentes atores: atores políticos, burocratas, especialistas, grupos de interesse e destinatários da iniciativa, sob um modelo que demonstrou concentrar-se numa concepção top-down.
Main Text
Introdução
Em grande parte do mundo moderno, e em processo de modernização, é amplamente assumida a relação positiva entre educação e desenvolvimento econômico, político e cultural (CHABBOTT; RAMIREZ, 2000). Nesta direção, a educação é associada como meio para encorajar mudanças em conhecimentos, habilidades, valores e atitudes que permitam a organização de sociedades civis democráticas, o avanço da justiça social e a construção das bases para maximizar a produção econômica (JOHNSTONE, 2005; LEICHT et al., 2018). Assim, sob um panorama "tecnonacionalista", a educação superior é colocada em uma posição ímpar na sociedade, em que as Instituições de Ensino Superior (IES) são consideradas alavancas para a capacidade de se estabelecer fluxos de aprendizagem, estabelecer novos paradigmas tecnológicos e desenvolver capacidades inovativas que atendam a projeção de soluções de problemas e a novas necessidades em escala local, nacional e global (NELSON; ROSENBERG, 1993; JÚNIOR; FARGONI, 2020; SANDSTRÖM et al., 2018).
Àvista disso, no que se refere à crescente demanda em torno da importância da educação superior, desde o final do século XX, novas políticas públicas, relacionadas ao desenvolvimento da qualidade da educação, vêm sendo integradas às políticas de muitos países. Sendo um novo desafio para o Ensino Superior, alicerçar-se sob o aumento do impacto dos padrões internacionais, a proposição de modelos de garantia da qualidade educacional, bem como a necessidade de transparência e responsabilidade pública (CHAIYA; AHMAD, 2021).
Diante da ênfase no cumprimento de processos e padrões de qualidade que são, muita das vezes, expressão de esforços em contextos europeu e norte-americano, a presente investigação chama a atenção para a realidade empírica de Moçambique. O país, localizado na África Austral, independente em 1975, tem a história de suas políticas de educação ligada à organização de uma sociedade marcada pela dominação colonial e reprodução da exploração. Entre as políticas públicas de educação firmadas nos últimos anos, identifica-se a criação do Sistema Nacional de Avaliação, Acreditação e Garantia de Qualidade no Ensino Superior (SINAQES). Criado em 2007, o SINAQES veio passando por esforços recentes, postulados por agentes governamentais, a fim de adequar sua atuação para atender objetivos políticos traçados para o país e garantir a qualidade do Ensino Superior que tem passado por crescente expansão.
Conforme salientado em Chaiya e Ahmad (2021), a expansão da educação superior revela que a garantia de sua qualidade tem se mostrado um problema particularmente cruel, envolvendo, assim, a formulação de políticas públicas. Trata-se de uma questão complexa, que engloba múltiplos elementos, por exemplo, crescimento econômico, fluxos de conhecimento, ambientes de trabalho acadêmico em rápida transformação, grupos de alunos com expectativas e necessidades em constante mudança, e questões que compõem agendas transversais de ação governamental.
Para adentrar no contexto moçambicano, no que tange à implementação desse Sistema, recorre-se à lente firmada na teoria e pesquisa sobre implementação de políticas públicas.
Partir de uma definição única e universal acerca do que é política pública é um desafio. Para o presente estudo, política pública refere-se a um curso de ações intencionais sob uma diretriz então elaborada para a solução de um problema público ou o alcance de um objetivo desejado pela sociedade (HILL; HUPE, 2002; SECCHI, 2010). A implementação, neste sentido, refere-se à operacionalização de uma decisão política, normalmente, estabelecida em uma lei, um programa, ou mesmo uma decisão judicial, constituindo-se em decisões e ações conduzidas a colocar determinada diretriz governamental em prática (FERREIRA; MEDEIROS, 2016; PALUMBO et al., 1984).
Para a presente discussão, é relevante salientar que, a política pública sendo uma diretriz elaborada para enfrentar um problema público, sua implementação tende a ser considerada como um processo de interação e negociação (BARRET; FUDGE, 1981), envolvendo múltiplos atores e agências (RUA, 2014; SOUZA, 2006). A política mostra-se ligada a fatores contextuais, que fundamentam os objetivos definidos como prioritários, cuja implementação, inevitavelmente, assume formas e formatos diversificados, em diferentes culturas e ambientes institucionais (HILL; HUPE, 2002).
À vista disso, em busca por identificar os fatores de implementação que influenciam determinada política, são adotadas três perspectivas: as abordagens (i) Top-down; (ii) Bottom-up; e (iii) híbrida. Na abordagem Top-down (cima para baixo) é identificada uma clara distinção entre formuladores e implementadores. A política é desenhada sob a articulação de atores que estão no topo, para então, sob uma concepção hierárquica, ser implementada por atores ou organizações responsáveis pela execução das diretrizes superiormente definidas (HILL; HUPE, 2002). O modelo Bottom-up vem trazer as demandas "de baixo para cima", onde a política se define com a participação dos atores envolvidos na produção dos bens e serviços da política pública. Trata-se de um processo de interação entre o contexto e dinâmica local e aqueles responsáveis pela implementação (SECCHI, 2010). E, finalmente, afastando-se de um modelo ideal e único de implementação, casos de políticas educacionais demonstram o uso misto das abordagens Top-down e Bottom-up, a fim de promover uma harmonia entre os governos e aqueles responsáveis pela entrega direta da política à sociedade, tanto no processo de implementação, quanto na identificação dos imperativos a serem priorizados (GAUS et al., 2018).
A presente investigação, neste sentido, tem como objetivo orientador caracterizar os fatores de implementação do SINAQES em Moçambique como política pública para o Ensino Superior. Espera-se que a investigação aumente o conhecimento sobre uma política pública de qualidade da educação superior em um contexto empírico, ainda sub-representado pela literatura, de implementação de políticas no contexto da educação. Além de contribuir para estímulos à aprendizagem política acerca da implementação de políticas de garantia de qualidade para o Ensino Superior.
Este artigo, para além desta introdução, está estruturado da seguinte maneira: segue-se os aspectos metodológicos que orientaram o alcance do objetivo da pesquisa, seguidos da apresentação dos resultados. Finalmente, as considerações finais são pontuadas, junto à limitação do estudo e oportunidades para pesquisas futuras.
Aspectos metodológicos
Este artigo utiliza o método de estudo de caso, orientado sob a abordagem qualitativa e de natureza descritiva, conforme fundamentado em Merriam (1998), tratando-se de uma descrição holística e intensiva de um fenômeno que ocorre num contexto delimitado. Considerando o SINAQES como objeto de análise, ressalta-se que a implementação é claramente definida em termos de uma relação com a política, conforme estabelecida em documentos oficiais (HILL; HUPE, 2002). Isto posto, o alcance do objetivo da investigação baseou-se na coleta de dados junto a fontes secundárias e oficiais, disponíveis publicamente, através da realização de Pesquisa Documental.
Alguns princípios de coleta e análise de dados são seguidos para a garantia da confiabilidade do estudo de caso. Na etapa de coleta de dados são utilizadas fontes variadas de evidência para a pesquisa. Portais de informação do governo, cobertura de notícias e estudos disponíveis na literatura, de modo a auxiliar a compreensão do significado do conteúdo reunido e permitir a triangulação dos dados. Com base na literatura de implementação de políticas, foram realizadas definições constitutivas referentes às categorias a serem consideradas para a operacionalização do estudo.
Para o tratamento dos dados, considerou-se o método de Análise de Conteúdo, conforme Bardin (2010), cuja técnica utilizada foi a de Análise Categorial, que consistiu na implementação de técnica que visou extrair, de maneira metódica, as informações que caracterizaram os documentos considerados na presente investigação.
Desse modo, foram considerados quatro categorias principais: (i) Fatores contextuais; (ii) Definição do problema; (iii) Atores da política; e (iv) Modelo de implementação. Mais especificamente, tais eixos analíticos estiverem assentados na proposição de que a essência conceitual de políticas públicas está na sua intenção de responder a um problema ou de promover um objetivo comum desejado pela sociedade (JANNUZZI, 2016; SECCHI, 2010). Sendo elas ligadas a fatores contextuais e implementadas sob uma série de ações por indivíduos (ou grupos), que são responsáveis pelo conjunto de objetivos definidos como prioritários nas decisões políticas (FREY, 2000; RUA, 2014; SECCHI, 2010), podendo tal implementação ocorrer conforme diferentes modelos (HILL; HUPE, 2002). Na Tabela 1, encontra-se cada categoria de análise e seus respectivos indicadores de categorização, cujo objetivo é orientar o desmembramento do conteúdo e seu reagrupamento conforme cada categoria.
Os dados foram tratados em direção a um processo de análise dedutiva, onde a análise categorial deu-se seguindo três fases principais: preparação (identificação das fontes de dados e exploração inicial do material); organização (desmembramento do conteúdo, sendo, posteriormente, realizado o reagrupamento analógico dos dados conforme cada categoria analítica); e relatório (compilação e descrição dos resultados).
Implementação do sinaqes: resultados e discussão
Fatores Contextuais
No que concerne ao contexto sob o qual o SINAQES é introduzido, observa-se como determinantes contextuais a serem destacados: (i) a instauração de um sistema educacional colonial no passado, que enraizou a manutenção das estruturas de exploração, sendo o Ensino Superior "guardião da presença colonial" (PREGUGY, 2012, p. 5); (ii) a conversão do sistema educacional para o período pós-independência, orientada, a princípio, pelo modelo Socialista; e (iii) a introdução da economia de mercado, que veio a permitir a criação de instituições educacionais não mais somente sob a tutela do Estado.
A grande preocupação das iniciativas voltadas para a educação, no período colonial, era a de "circunscrever o conhecimento dos moçambicanos para não poderem concorrer com os colonos" (CEC, 2003, p. 12). Tal sistema é compreendido a partir da primeira metade do século XIX até o final do século XX, sendo marcado por elementos de dominação, alienação e cristianização (BONDE, 2016; UACIQUETE, 2010).
Estatísticas referentes aos anos antes da independência moçambicana, revelam que apenas 17% da população em idade escolar era representada por estudantes negros nas escolas comerciais e industriais (CEC, 2003). No caso particular do Ensino Superior, esta estatística era de 0,9% (CEC, 2003), havendo, nesta fase, apenas uma IES - a Escola dos Estudos Gerais de Moçambique.
Tem-se que, independentemente do tipo de orientação que este tipo de educação foi adquirindo ao longo do tempo, e das transformações conseguintes, as diretrizes educacionais para Moçambique enquanto colônia, estiveram continuamente em torno da manutenção e do desenvolvimento do próprio sistema colonial. Indo ao encontro da formação de trabalhadores para a exploração rentável dos recursos coloniais, bem como para a fixação de bases da cultura do colonizador (UACIQUETE, 2010; GUIMARÃES, 1999).
Após a independência, o país adotou o Socialismo como doutrina política e econômica (1975 a 1986). Como marco característico dessa fase, no presente contexto de análise, destaca-se a aprovação da Política Nacional de Educação, legitimada pela lei do Sistema Nacional de Educação - Lei 4/83, de 23 de março de 1983 (ajustada mais tarde pela Lei 6/92, de 6 de maio de 1992). Como prerrogativas, são especificadas a introdução do ensino gratuito, obrigatório e laico, além dos objetivos de garantia do acesso ao conhecimento científico, e organização de quadros de formação para o desenvolvimento econômico, cultural e tecnológico do país (MOÇAMBIQUE, 1983; 1992).
Em 1990, o país adota uma nova Constituição da República, abrindo espaço para a liberalização da economia, representando a derrocada do projeto socialista. Mediante a introdução da economia de mercado, identifica-se a adoção de uma nova legislação - a Lei nº 1/93, a primeira sobre o Ensino Superior. Tal instrumento sinaliza o reconhecimento da importância e complexidade da educação superior que, portanto, seria passível de ser regulamentada. Assim, múltiplos fornecedores, incluindo as instituições privadas, teriam a possibilidade de participar na oferta de Ensino Superior.
No decorrer de dez anos, através de ações governamentais, o Ensino Superior é aludido como o motor para o desenvolvimento, e é criado, em 2000, o Ministério do Ensino Superior, Ciência e Tecnologia. O estabelecimento de processos de aprendizagem, com enfoque no estreitamento entre ciência e mercado, é posicionado como recurso fundamental na economia moderna (JÚNIOR; FARGONI, 2020). Nesta conjuntura, tem-se que as variações no desempenho das economias nacionais são explicadas pelas características distintivas entre a capacidade de inovação de cada país (NELSON; ROSENBERG, 1993). Ainda neste sentido, a Lei nº 1/93, referida anteriormente, é substituída pela Lei nº 5/2003, que visou, entre outras concepções, ao Controle da Qualidade. Nesta direção, em 2007, é aprovado o Decreto nº 63/2007, que cria o Sistema Nacional de Avaliação, Acreditação e Garantia de Qualidade do Ensino Superior – SINAQES.
O reconhecimento da complexificação do desenvolvimento do Ensino Superior e das ações governamentais para sua estruturação e competitividade, revelam ainda alterações nas diretrizes moçambicanas, de maneira a adequá-las ao surgimento de novas IES e aos objetivos políticos traçados pelo país. Alterações estas representadas desde a criação da Lei nº 27/2009, de 29 de setembro, diante da necessidade reconhecida de alterar a Lei nº 5/2003, até a realização de uma proposta de revisão do Decreto nº 63/2007, a fim de rever aspectos ligados à garantia da exequibilidade do sistema de qualidade e acreditação no país.
Definição do Problema
A partir dos elementos que delineiam o estabelecimento do SINAQES, é observável a presença de problemas que se posicionam em diferentes níveis. A princípio, apresenta-se como problema público a demanda por controle da crescente expansão das IES, aliada à adesão de padrões nacionais, regionais e globais de qualidade. Todavia, indo além, também é identificada a demanda por adaptação do próprio Sistema ao contexto nacional, no que tange seu objetivo e sua exequibilidade. Mais especificamente, é observado o problema na adesão e, consequente, efetividade do conjunto de normas, mecanismos e procedimentos executados.
No tocante à expansão das IES, dados governamentais indicam que o sistema de Ensino Superior em Moçambique teria evoluído, entre 1992 e 2021, de apenas 3 para 56 instituições. Um sistema inteiramente público passou a contar com a intervenção do setor privado, sendo, a princípio, concentrado na capital e, posteriormente, tendo instituições instaladas em todas as províncias do país. Começando com apenas 3.750 estudantes em 1990, o número de matrículas no Ensino Superior cresceu para 13.600 em 2000, atingindo 200.649 no último levantamento realizado em 2017 (MOÇAMBIQUE, 2018a).
Contudo, há aqueles que apontam que se trata a de uma "programada" desordem de crescimento e descumprimento de princípios da própria regulamentação, quer na versão de 1/93, quer nas outras versões subsequentes - como as Leis 5/2003 e 27/2009, e o Decreto 46/2018, onde se encontra os passos processuais e regulamentares da criação e funcionamento das IES (MARCELINO, 2014).
Observa-se que o avanço quantitativo do Ensino Superior, mostrou-se fundamentado no discurso de "necessidade irreversível" de maior colaboração de esforços nas ações de desenvolvimento do país (MOÇAMBIQUE, 2018a, p. 10). Segundo o Plano Estratégico para o Ensino Superior 2012-2020 (2012), é firmada como perspectiva perseguida, a instauração de ensino em expansão e de qualidade, sob uma governança eficiente, guiado pelo princípio da democracia, para então desenvolver conhecimentos que sejam objeto de reconhecimento nacional e internacional.
Além disso, os primeiros resultados disponíveis acerca da avaliação das IES, ainda considerando o número de 49 instituições que possuem autorização para funcionamento, apontaram que apenas 17 (35,69%) já haviam submetido cursos para a avaliação externa, isto é, etapa que consiste em visitas às IES e reuniões com entrevistas aos representantes das instituições e partes interessadas externas (MOÇAMBIQUE, 2018b).
Sob um plano estratégico voltado para o controle de qualidade, era previsto que até o ano 2020 seriam submetidos ao processo de avaliação externa 440 cursos. Contudo, entre os anos 2016 e 2017, apenas 66 cursos dos 800 cadastrados no sistema fizeram parte do processo de avaliação externa. Este número encontra-se abaixo das expectativas, tendo em conta que para alcançar a meta prevista em cada ano deveriam ser avaliados 88 cursos no mínimo (MOÇAMBIQUE, 2018b), mesmo que o plano de implementação do SINAQES faça alusão à obrigatoriedade.
Sendo, dos 66 cursos submetidos à avaliação, 60,6% (40 cursos) obtiveram nível satisfatório com reservas e acreditação condicional de 2 anos, enquanto 31,8% (21 cursos) não foram acreditados. Apenas 3% (2 cursos) tiveram bom desempenho com acreditação de 3 anos, e 4,5% (3 cursos) tiveram desempenho satisfatório com acreditação de 5 anos (MOÇAMBIQUE, 2018b).
Atores da Política
No que diz respeito aos atores da política, é identificada a centralidade de atuação do Conselho Nacional de Avaliação da Qualidade do Ensino Superior (CNAQ) - órgão criado legalmente a partir do Decreto 63/2007, atribuído no Art. 9 como órgão supervisor do referido Sistema. Conforme a estrutura designada para a efetivação do SINAQES, é verificada, sobretudo, a atividade de atores políticos, burocratas, especialistas, grupos de interesse e destinatários da iniciativa.
Quanto ao primeiro tipo de ator, é trazido à superfície o acontecimento de uma remodelação da estrutura de Governo de Moçambique, que levou à alteração do agente governamental sob o qual o CNAQ é vinculado. Após as eleições gerais de 2014, o Conselho, antes ligado ao Ministério da Educação, passa a estar sob a tutela do Ministério da Ciência, Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional (MCTESTP), atualmente denominado Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES). Ainda, como instituição interveniente do Sistema, destaca-se a mediação do Conselho Nacional do Ensino Superior, que se posiciona como órgão consultivo do Conselho de Ministros, órgão colegial sob a presidência do chefe do governo.
Para o exercício de agente implementador, é identificada a articulação de diferentes frentes que constitui a estrutura do Conselho: a diretoria de promoção do SINAQES; a de Avaliação Externa; a de Acreditação; a de Normação e Estatísticas; e um Departamento Administrativo e Financeiro. Ademais, o CNAQ é dotado de um Conselho Diretivo, atuante como órgão consultivo do Presidente da entidade, responsável por analisar seu funcionamento corrente, propor planos de atividades, elaborar relatórios, identificar metodologias para o tratamento de problemas, e pronunciar-se sobre assuntos agendados pelo presidente (MOÇAMBIQUE, 2007).
Além dos representantes do CNAQ, é possível destacar a atuação de burocratas, representados pela atuação do corpo técnico-administrativo relacionado às IES públicas, atuantes tanto para contribuir na garantia da qualidade das IES, como também no fornecimento de informações e dados necessários ao processo de avaliação externa. Além daqueles que constituem a estrutura de apoio do próprio CNAQ. Os burocratas referem-se àqueles atuantes dentro da burocracia pública. Burocracia que determina o curso da implementação de políticas e, conforme salientado em Ugwuanyi e Chukwuemeka (2013), preenche a lacuna entre a intenção legislativa e seu cumprimento. Neste sentido, reafirma a noção pela qual o sistema burocrático apresenta-se como mecanismo do processo de implementação.
Além disso, a execução das avaliações e do processo de acreditação passa pela atuação especialistas, que são apontados como participantes de comissões de avaliação externa. Este tipo de avaliação comporta a análise dos dados enviados pelas IES, a realização de visitas onde são ouvidos representantes da comunidade acadêmica, pesquisadores, e os membros dos órgãos de gestão da unidade e do curso e/ou programa a ser avaliado. Salienta-se que tais especialistas devem não apresentar ligação nos últimos cinco anos à instituição de ensino em questão e, sobretudo, são indicados pelo CNAQ (MOÇAMBIQUE, 2018b).
Outros atores, reconhecidos como grupos de interesse, são identificados. Entre eles, os empregadores dos discentes então graduados, e as ordens e organizações socioprofissionais. Os empregadores são posicionados como participantes do sistema, fornecendo e recebendo dados caracterizados como relevantes acerca do impacto dos graduados do Ensino Superior na atividade da empresa. As ordens e organizações sociopolíticas são caracterizadas como atores que colaboram com o ente implementador, podendo compor equipes de avaliação.
As IES, públicas e privadas, aparecem como coparticipantes da implementação do Sistema (MOÇAMBIQUE, 2007), uma vez que, como destinatários da política, são responsáveis pela realização da autoavaliação, etapa que antecede a realização das avaliações por membros externos à instituição. Nessa etapa, são operados normas e procedimentos pela própria IES, para que dados sobre seu desempenho sejam reunidos, organizados e consolidados através de relatório enviado, posteriormente, ao CNAQ.
Conforme lembrado por Ferreira e Medeiros (2016), os agentes institucionais do Ensino Superior tendem a ser amplamente responsáveis pela implementação de políticas complexas desenvolvidas entre diferentes níveis – federal, estadual e local. No contexto de análise, junto às IES, é identificada a participação de seus gestores, professores, pesquisadores e estudantes, que vêm a garantir internamente a qualidade dos serviços prestados ao público, bem como colaborar com o processo de avaliação.
Ademais, entende-se alguns aspectos como deveres das instituições de educação. Entre eles, destaca-se o pagamento regular de quotas fixadas pela sua participação no SINAQES (MOÇAMBIQUE, 2007). Estes encargos são fixados e revisados pelo CNAQ, conforme as dotações específicas e inscritas em respectivos orçamentos, no que tange à realização da autoavaliação. Quanto à avaliação externa, pode ser cofinanciada pelo Estado, por outras organizações financeiras e pelas IES.
Por fim, além das IES, a sociedade civil aparece como um intermediário do Sistema, que é referido como um destinatário da política. É enfatizada a sua participação com o entendimento, ainda vago, de que "sem a Sociedade Civil, sistema nenhum se organiza e harmoniza" (MOÇAMBIQUE, 2012, p. 7). Também se nota que a sociedade seria o ator que viabilizaria diálogos e a partilha de dados sobre o funcionamento do Ensino Superior.
Modelo de Implementação
Ao considerar os instrumentos que conceberam e buscaram firmar o SINAQES, como via de governança e regulamentação do Ensino Superior, identifica-se que o governo se apresenta como o ator proeminente da formulação das iniciativas e mudanças que virão a orientar a condução do Sistema. Neste sentido, observa-se um forte status legal e de autoridade dado ao CNAQ, sob a tutela do MCTES, tendo sua atuação ancorada na formulação de diversificados aparatos normativos expedidos pelo governo como via para a construção das bases que fundamentam as condições sob as quais o Sistema opera.
Observa-se que as políticas que orientam o Ensino Superior são formuladas pelo governo, para então serem executadas pelas demais instituições tuteladas ao poder executivo, entre elas o CNAQ. Partindo do Conselho para os destinatários da política, num movimento centro para baixo. De forma geral, o MCTES se coloca como o agente responsável por promover a formulação de políticas, estratégias e planos.
Desse modo, observa-se que a implementação do SINAQES segue, como ponto-chave, uma linguagem normativa em torno da organização e de atribuições ao seu agente responsável, em que uma abordagem de cima para baixo demonstra oferecer um mecanismo estruturado legalmente, a fim de aumentar a conformidade da execução das diretrizes estabelecidas em nível superior, neste caso, pelo governo, e reduzir possíveis resistências.
Em consonância com outros atores participantes, e identificados na seção anterior, mostra-se a presença de uma estrutura tradicional de governança, que revela uma separação entre política, administração, coordenação e controle por intermédio de uma autoridade e hierarquia (BARRET, 2004), mais precisamente sob a burocracia racional weberiana (GAUS et al., 2018). Nesta direção, identifica-se um fluxo Top-down, como ideal normativo para se colocar a política em prática. Assim, a política deve ser executada pelos seus agentes em conformidade com as definições estabelecidas em nível superior.
Ainda, destaca-se nas linhas de orientação estratégica do CNAQ, a associação do sucesso do processo de desenvolvimento da instituição a garantir a estabilidade dos recursos humanos. Aspecto que fundamenta a adoção de estratégias voltadas para a atratividade e manutenção de funcionários qualificados na instituição. Conforme Sabatier (1986), outra condição em torno de uma implementação dentro das concepções assumidas por um modelo Top-down, é a seleção de agentes de implementação habilidosos para executar as proposições abarcadas pela política para que seus objetivos sejam atingidos.
Não se pode ignorar, para a presente discussão, verificar as dimensões da qualidade características do SINAQES. São levados em consideração, como aspectos da qualidade: a declaração, formulação e divulgação da Missão da IES; a estrutura de gestão e seus mecanismos de gestão da qualidade e prestação de contas; a qualificação, o desempenho e as condições de trabalho do corpo docente; a admissão, retenção e desistências de discentes; as qualificações e especializações do corpo técnico; o impacto social e econômico da produção científica e recursos financeiros; e adequação da infraestrutura. Conforme salientado por Gaus et al. (2018), o advento do racionalismo econômico tem sido encarado um modelo eficaz para a concretização de políticas, trazendo a centralidade no papel do governo de avaliar o trabalho e a produtividade dos acadêmicos.
Considerações finais
A presente pesquisa orientou-se pelo objetivo de investigar os fatores de implementação do SINAQES em Moçambique como política pública para o Ensino Superior. Sob quatro eixos de análise principais: fatores contextuais; definição do problema; atores da política; e modelo de implementação, identificou-se como determinantes contextuais, no que concerne ao contexto sob o qual o SINAQES é introduzido, a instauração de um sistema educacional colonial, que contribui para a manutenção das estruturas dominantes e de exploração. Além, da conversão do sistema educacional para o período pós-independência, caracterizado, a princípio, por um projeto socialista, no qual foram introduzidas as diretrizes que constituíram a Política Nacional de Educação e a Lei do Sistema Nacional de Educação. Mediante à consolidação da derrocada do projeto socialista, tem-se que a introdução da economia de mercado como fator contextual determinante para o objeto analisado, uma vez que se apresenta como marco para a introdução das instituições privadas na oferta do Ensino Superior no país.
A implementação do SINAQES se dá sob via legalmente estruturada que elenca a participação de diferentes atores, contudo, destaca o papel de um ator centralizador, sob tutela do governo, como o implementador e supervisor da implementação do Sistema – o CNAQ. Tal atuação, acaba trazendo à superfície uma separação entre formulador e implementador, além da forte presença de uma linguagem normativa, que vem a promover o cumprimento das diretrizes formuladas pelo governo e implementadas pelo CNAQ, bem como reduzir a resistência dos destinatários da política, trazendo aspectos que delineiam o modelo de implementação top-down.
Esses aspectos reunidos vêm a representar um fluxo de retroalimentação para a definição do problema que fundamenta a implementação do SINAQES, uma vez que, além do objetivo de controlar a crescente expansão das IES, manifestam desafios quanto à adesão aos sistemas de avaliação e efetividade do conjunto de normas e procedimentos executados, representado por um número bem abaixo das expectativas de IES e cursos avaliados, mesmo sob a alusão de obrigatoriedade como princípio do Sistema.
Esse aspecto abre caminhos para, além de se dar atenção ao conteúdo da política em termos dos imperativos contemplados e a realização de reformas, a necessidade de considerar o modelo de implementação sobre o qual o SINAQES é constituído. Ainda nessa direção, tem-se que o baixo número de instituições e cursos avaliados, apesar da implementação do SINAQES, permite chamar a atenção para aspectos que estejam associados à capacidade de governança do Estado Moçambicano em garantir a implementação efetiva das normatizações legais, indo além da prevalência de interesses, sobretudo, os privados.
A maior inclusão de interesses dos diversos setores envolvidos na organização e funcionamento do Ensino Superior pode ser um caminho para a melhoria da implementação da iniciativa, considerando a participação de professores, técnicos, alunos, familiares e a sociedade civil, de maneira que a formulação de decisões sobre a política de qualidade da educação superior por parte dos atores políticos consiga conciliar imperativos que serão alcançados somente a partir de um fluxo de baixo para cima, aproximando estes atores "de baixo" também da etapa de formulação.
Uma limitação da pesquisa foi a forma de coletar os dados, por meio de fontes secundárias. A coleta de dados primários, junto aos envolvidos na execução do SINAQES permitiria considerar outros aspectos que caracterizam sua implementação, de forma mais enriquecedora. Por conseguinte, pesquisas futuras podem encontrar novos resultados mediante maior exploração da execução do SINAQES, indo além do conteúdo da política, com enfoque em seu processo de implementação, trazendo à superfície questões comportamentais.
Resumo
Main Text
Introdução
Aspectos metodológicos
Implementação do sinaqes: resultados e discussão
Fatores Contextuais
Definição do Problema
Atores da Política
Modelo de Implementação
Considerações finais