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Wed, 21 Jun 2023 in Inter-Ação, Goiânia
As ciências agrárias: entre a educação, economia e meio ambiente
Resumo
Este artigo fundamenta teoricamente as variáveis que envolvem o ensino e atuação das Ciências Agrárias, isto é, as questões de ordem ambiental, social, cultural e econômica. Na educação Superior, unir esses segmentos é um desafio pela necessidade de promover o ensino que equilibre as práticas produtivas agrícolas (tradicionais e sustentáveis). Assim, este estudo objetiva refletir sobre a movimentação das Ciências Agrárias diante de frentes que impactam positivamente ou não o desenvolvimento socioambiental. Em caráter de revisão narrativa da literatura, os estudos científicos foram encontrados nas bases Bielefeld Academic Search Engine (BASE), Bases de Dados da Pesquisa Agropecuária (BDPA), Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertação (BDTD), Banco de Dados Bibliográficos/USP (Dedalus), SciELO e Google Acadêmico. A partir da análise, reforça-se que a atuação do profissional agrário deve ir além dos atributos técnicos, considerando que a forma de produção agrícola adotada incide nos setores sociais.
Main Text
Introdução
Devido aos problemas ambientais, a sustentabilidade se tornou um assunto crucial do desenvolvimento social e econômico. Por esta razão, as ideias e teorias relacionadas a esse assunto merecem uma maior atenção na educação.
As problemáticas ambientais são desafiadoras e requerem ações urgentes e eficientes. Por conseguinte, torna-se fundamental aprofundar essa discussão nas Instituições de Ensino Superior (IES), pois, conforme apontam Micangeli et al. (2014), as IES são inflexíveis, enraizadas em tradições e técnicas antigas, resistentes a se engajarem na (re)criação de conhecimento para a ação e inadequadas para lidar com o surgimento dos problemas presentes.
Na educação superior, chamam atenção as Ciências Agrárias pela sua inserção em um ambiente de desafios agrícolas e alimentares, os quais demandam abordagens integradas e uma perspectiva mais sustentável. Essas ciências têm a missão de reconhecer o senso mais amplo de propósito agrícola, que se coloca além da mera produção de commodities e inclui questões de meio ambiente, comunidade e justiça.
Inter-Ação, Goiânia, v.47, n.l, p. 155-1 70, jan./abr. 2022. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5216/ia.v47i1.71438>.
A compreensão mais ampla do contexto agrícola exige o estudo das relações entre a agricultura, o meio ambiente global e a sociedade. Nessa seara, o estudo discute pontos essenciais - e até opostos - para entendimento do cenário econômico e político, e como eles interferem na educação agrária e na contribuição à sociedade.
Em termos metodológicos, a pesquisa se apresenta como revisão de literatura do tipo narrativa. Conforme explicam Rother (2007) e Zanardo et al. (2017), esse tipo de revisão aborda amplamente determinado assunto ou tema, podendo ser organizada a partir da seleção de materiais científicos, os quais são interpretados e analisadas sob o olhar qualitativo do pesquisador.
Dessa forma, o levantamento mapeou estudos científicos publicados nos periódicos de 1996 a 2021, ocorrendo entre maio de 2020 a dezembro de 2021. A adoção do ano de 1996 como ponto de partida das buscas justifica-se por ter sido o ano em que Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS), que acompanhava e verificava a implantação das atividades recomendadas na Agenda 21 (documento aprovado quando da Conferência do Rio de Janeiro de 1992), reafirmou a importância da educação como pilar fundamental do desenvolvimento sustentável (SARAIVA et al, 2021).
No mapeamento, foram utilizadas as seguintes palavras-chave: Ciências Agrárias, Economia Verde, Desenvolvimento Sustentável, Educação, Sociedade, Universidade, Ensino Superior e Educação Ambiental. As bases de dados utilizadas foram: Bielefeld Academic Search Engine (BASE), Bases de Dados da Pesquisa Agropecuária (BDPA); Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertação (BDTD); Banco de Dados Bibliográficos, da Universidade de São Paulo (USP) - Dedalus e Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Google Acadêmico. A escolha dessas bases se justifica pela recuperação de produções gerais e específicas (Ciências Agrárias e em Ciências Humanas). Ressalta-se que, com base no critério de inclusão, foram analisados dissertações, teses e artigos, nacionais e internacionais, disponíveis na íntegra e que abordassem a temática do estudo.
Assim, as sessões de estudo discutem a agroecologia, que se apresenta como uma questão crucial, por fornecer uma estrutura inovadora e com maior potencial de inovação para um futuro sustentável na agricultura (TOMICH, 2011). Além disso, abordase a Economia Verde que, diante da crise financeira de 2008, surgiu como uma resposta aos problemas ambientais, econômicos e sociais, abrangendo uma ampla gama de estratégias, desde a introdução de tecnologias limpas até a promoção de energia e eficiências materiais, levantando até questões sobre a viabilidade de atual sistema econômico dominante, o capitalismo (AFFOLDERBACH, 2020). Outrossim, discute-se as práticas socioambientais no Ensino Superior, pela capacidade de possibilitarem a conscientização ambiental.
Considerar esses pontos na educação agrária é necessário, pois o ensino não ocorre em distanciamento dos aspectos sociais. Destarte, a pesquisa apresenta a preocupação de o ensino superior não atingir o potencial para melhorar a prática em direção à sustentabilidade.
Ciências agrárias: entre a universidade, sociedade e a economia
Um dos principais desafios a serem enfrentados pelas universidades é o de formar profissionais - não somente o das Ciências Agrárias - com um perfil sintonizado com as demandas sociais. Em meio a esse dilema, esbarra-se na necessidade de reformular a estrutura da formação do profissional, no sentido de avançar para solidificação do conhecimento teórico-prático em uma visão sistêmica e comprometida.
Hoje, temos uma realidade em que as “tecnologias portadoras de futuro”, a exemplo da biotecnologia e a competição capitalista, fizeram com que a inovação ocupasse um lugar determinante no desenvolvimento econômico dos países (PONCE RANCEL, 2016). As transformações, que ocorreram como consequência desse processo tecnológico, promoveram novos valores e mudanças nas estruturas formativas, pois as instituições de ensino necessitaram se manter sintonizadas às exigências do mercado e da sociedade.
As universidades, cujas estruturas devem responder a diferentes necessidades sociais, desempenham um papel fundamental na geração de riqueza com base na inovação. O processo de aprendizagem e os novos conhecimentos “combinam” os conhecimentos existentes para gerar novas competências. Esses processos de mudança no papel das instituições, temperados aos novos cenários, representam os processos de transformação social.
Díaz Rodrigues (1996) declara que, antes de perguntar que tipo de universidade se busca alcançar, é preciso decidir sobre a natureza da sociedade a ser construída. Essa declaração calha com o seguinte questionamento: a sociedade a ser construída possibilita o desenvolvimento e a integração do complexo ensino superior-conhecimento-ciência-tecnologia-sociedade-inovação? Importante refletir a respeito disso para manter o aumento dos níveis de produção e reduzir o impacto negativo sobre o meio ambiente.
Para um ensino contextualizado de Ciências Agrárias, o objetivo poderia ser alcançado através da utilização de estratégias menos ambiciosas, a partir de melhorias dos conteúdos das disciplinas tradicionais, tornando possível a ancoragem entre aspectos tecnológicos e sociais (econômicos, políticos, culturais). Logo, seria possível a promoção da conscientização dos estudantes para a problemática social, tornando-os socialmente responsáveis para contribuírem para a garantia da preservação dos agroecossistemas e fornecimento de alimentos - a proposta também é contribuir para uma sociedade mais saudável no aspecto da saúde.
Para Neves e Neves (2011), a educação superior, ao assumir o desafio do desenvolvimento das ciências e tecnologias, deve privilegiar a educação básica e priorizar a atualização dos processos de aprendizagem, para, então, ter graduandos com a visão sensível à realidade e geradores de sua transformação. Os mesmos autores ainda afirmam que a educação superior deve evoluir para um modelo em que professores e acadêmicos difundam estudos a partir de novos saberes e novas tecnologias de ensino e aprendizagem.
Um dos pontos sensíveis da educação superior é a universidade fortalecer o ensinar a pensar, exercitar o bom senso e libertar a imaginação criativa. Para tanto, faz-se necessário conceber as grades curriculares a partir do que o aluno deve saber, e não a partir do que o professor sabe. De certa forma, isso “obrigaria” os docentes a estarem em permanente renovação de teorias, técnicas ou processos de ensino, e estreitariam a relação com os saberes produzidos dentro e fora do contexto universitário (FALKEMBACH, 2006).
O ensino das Ciências Agrárias deve transmitir e instigar a busca de soluções técnicas, gerenciais e organizacionais, com sensibilidade às particularidades de cada localidade. Por isso, a ordem é formar profissionais para enfrentamento dos novos desafios com uma visão mais humanística e menos tecnocrática.
Os desafios são o de garantir alimento à sociedade e preservar os recursos naturais. Assim, a ciência, tecnologia e inovação devem garantir a autossuficiência alimentar, antecipar e mitigar os efeitos das mudanças climáticas e outros fenômenos naturais, para preservar os ecossistemas únicos às gerações futuras e usar os recursos naturais limitados disponíveis de forma sustentável.
Na busca pelas Ciências Agrárias, que corresponda aos anseios socioambientais, o ponto principal é o cuidado com a “transformação das florestas nativas” para atender às necessidades criadas pela sociedade. Por isso, mais do que nunca, é necessário o fortalecimento da Educação Ambiental no ensino superior, pois as universidades precisam “entregar” à sociedade profissionais que pensem além da lógica do desenvolvimento econômico.
A educação ambiental no ensino superior
Guerra e Figueiredo (2014) discutem que a Ambientalização Curricular (AC) no Ensino superior é a inclusão de conhecimento, valores éticos, sociais e ambientais ao currículo, como forma de propor uma educação voltada para sustentabilidade. Esses mesmos autores apontam que o Projeto pedagógico do curso (PPC) e o plano de ensino dos cursos devem permitir o entendimento do meio ambiente e sua complexidade e, assim, integrar a ordem ambiental na formação e atuação profissional.
No Brasil, o currículo ambientalizado segue a meta do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global1, uma reforma da educação global para a sustentabilidade. Como uma reforma é um desafio, pois, qualquer que seja a política educacional, requer esforço de converter os interesses individuais em coletivos. Por conseguinte, a AC é um esforço para criar, através das práticas educacionais, a possibilidade de um futuro mais sustentável.
Desde a década de 1990, o Brasil tem discutido sobre a reconfiguração das políticas educacionais, para a institucionalização da EA no sistema educacional. Em 1998, o Ministério da Educação lançou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), com seis temas transversais, dentre quais o “Meio Ambiente”. Em 1999, foi decretada a Lei n° 9.795, instituindo a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA).
A resolução n° 02/2012 estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (DCNEA), incluindo os requisitos legais e operacionais para a integração transversal da educação ambiental em diferentes níveis e formas de ensino. Ao tocante ao ensino superior, essa Resolução aponta:
Art. 10. As instituições de Educação Superior devem promover sua gestão e suas ações de ensino, pesquisa e extensão orientadas pelos princípios e objetivos da Educação Ambiental. [...] Art. 20. As Diretrizes Curriculares Nacionais e as normas para os cursos e programas da Educação Superior devem, na sua necessária atualização, prescrever o adequado para essa formação (BRASIL, 2012).
Apesar desse chamamento à comunidade acadêmica para a inserção da educação ambiental no currículo, existem dificuldades que vão da compreensão à organização:
Não basta constar apenas nos documentos o compromisso com a questão ambiental; também fazer-se necessária a mobilização de recursos humanos, materiais e organizacionais para sua implementação nas instituições de ensino superior. [...] Conhecer os fatores geradores de dificuldades (barreiras) para a abordagem socioambiental [...]. Uma dessas dificuldades residiu no aspecto da concepção de Educação Ambiental na universidade, pois, se observou um entendimento polissêmico dos termos, a existência de lacunas conceituais, além de concepções fragmentadas e visão utilitarista das questões ambientais (GOMES et al., 2020, p. 77018).
Em regra, o recomendado é que a EA esteja presente em todas as disciplinas acadêmicas. Mas, quando se nota um movimento para isso, também se percebe uma espécie de inserção obrigatória. Assim, a construção do processo transversal do conhecimento se fragiliza; e as práticas de ensino tentam ser críticas, mas não se tornam.
Por um caminho tangível, a EA deveria ser encarada pelo seu caráter interdisciplinar, na medida em que é nutrida e enriquecida por teorias, métodos e conhecimentos pertencentes a diferentes disciplinas. Como instrumento a serviço do Desenvolvimento Sustentável, a EA oferece uma nova visão de mundo por conciliar a proteção ambiental, o crescimento econômico e progresso social, promovendo a garantia de que haja uma distribuição equitativa entre os bens da Terra e os avanços sociais e tecnológicos entre a população.
No ensino superior, uma das áreas que está diretamente ligada ao ser humano e à natureza são as Ciências Agrárias. Spazziani (2013) aborda que o avanço na agricultura, a exemplo do desenvolvimento de plantas, controle de pragas e correção do solo, foi possível devido às estratégias do homem, mas esse conhecimento não foi capaz de evitar as crises econômicas e ambientais. A mesma autora discute que, por muito tempo, cultivou-se a ideia de que a ciência era uma verdade absoluta e detentora de domínio sob a natureza. Como reflexo, a humanidade foi crescendo em uma relação agressiva com a natureza. Hoje, um cenário de mudança é possível mediante o fortalecimento da educação.
Por uma educação das Ciências Agrárias, que perpasse a ideia de obter êxito na produção, as intervenções da Extensão Rural se assemelham à proposta da EA ao socializar e multiplicar o conhecimento universitário para o campo.
A visão tradicional de educação impõe aos profissionais como: agrônomo, veterinário, engenheiro florestal ou zootecnista “estender” ou ensinar conhecimentos para que o pequeno produtor rural produza mais e melhor. Esta visão educativa que predomina nas atividades extensionistas tem sido questionada pela educação ambiental que se insere na perspectiva crítica. A EA crítica nas atividades extensionistas [...] assume aspecto amplo e a capacitação técnica dos camponeses se encontra solidária com outras dimensões que vão além da técnica. [...] Portanto, a educação ambiental crítica se qualifica no contexto curricular dos cursos de formação na área das ciências agrárias [...] equacionando os conteúdos técnicos aos socioambientais e econômicos extrapolando os conteúdos curriculares tradicionais (SPAZZIANI, 2013, p. 02-03).
O aprofundamento dessa abordagem nas Ciências Agrárias responderia às necessidades rurais, garantindo respeito ao meio ambiente e a consequente condição de vida às futuras gerações. Mudar a educação, não só a do ensino superior, é pensar na qualidade futura da sociedade - e, mesmo pensando no coletivo, encontra dificuldade. De acordo com as Nações Unidas, o Desenvolvimento Sustentável é uma das tarefas mais complexas do século 21, pois requer uma reforma nas formas de pensar e agir, bem como um repensar de intervenções pedagógicas.
Estamos diante de situação que exige da universidade a abertura de suas portas para o comprometimento com a justiça e o desenvolvimento humano, ambiental e social. Isso será alcançado na medida em que o currículo universitário puder oferecer ao discente a possibilidade de compreender a realidade socioambiental e, assim, atuar decisivamente na resolução dos conflitos que nela ocorrem.
Portanto, a curricularização vai além da simples inclusão de conteúdo ambiental no ensino; envolve uma metodologia que conduza o estudante a compreender plenamente as repercussões de suas ações na qualidade de vida da Terra. Essa compreensão parte da lógica de ser socialmente responsável, incorporar as externalidades das cadeias produtivas e os modelos econômicos.
No quesito econômico, discute-se sobre Economia Verde, sobretudo pela premissa de que não deve ser uma “forma de mascarar a continuidade do mesmo modelo baseado na exploração dos recursos naturais, centralização e controle dos lucros e socialização dos prejuízos sociais e passivos ambientais” (HENDGES, 2015, on-line).
Economia verde: crescimento econômico e qualidade ambiental
O termo Economia Verde (EV) ganhou visibilidade nas discussões sobre políticas públicas ambientais, principalmente com os problemas provenientes com o avanço da sociedade industrial, nas décadas de 1960 e 1970 (ALVES, 2013). O seu primeiro aparecimento consta no texto Blueprint for a Green Economy (1989), que consistia em uma “proposta verde para o Departamento de Meio Ambiente da Inglaterra” (CARDOSO, 2014, on-line).
Santana (2020) explica que, até 1986, o mundo conhecia quatro formas de desenvolvimento: o econômico, o social, o cultural e o político. Entretanto, no ano seguinte, em 1987, com a apresentação do Relatório “Nosso Futuro Comum”, pela CMMAD, o termo sustentabilidade ambiental se tornou conhecido, consistindo no desenvolvimento capaz de alinhar o bem-estar e o social.
Ao final da década de 1990, com a popularização da modernização ecológica, a atenção se voltou para o aumento da sustentabilidade ambiental como a proposta de crescimento da atividade econômica, isto é, desenvolver o capitalismo global e a consequente inovação tecnológica para a produção (MILANEZ, 2009).
Em 2008, no contexto da crise econômica global, a EV se tornou ainda mais expressiva, por conta da “Iniciativa Economia Verde (IEV)”, uma proposta do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas - PNUMA (ALMEIDA, 2012). Como resultado dessa iniciativa, foi organizado o relatório “Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza” em 2011, que seria um documento com orientações para a condução de um desenvolvimento mais sustentável e uma economia mais verde, destinado ao comitê preparatório da Conferência Rio+20 (UNMÜßIG, 2012).
Ehresman e Okereke (2014) argumentam que a EV possui o potencial de transformação sob três linhas discerníveis: (i) a capacidade de induzir mudanças na estrutura e prática do capitalismo global; (ii) contínua progressão da atividade corporativa em direção à responsabilidade social e empregos verdes; (iii) caracterização da relação homem-natureza, como forma de controlar os excessos do impacto econômico sobre o ambiente e a sociedade.
Para o PNUMA (2021), a Economia verde é inclusiva por melhorar o bem-estar humano e desenvolver a igualdade social, ao mesmo tempo que diminui os danos e as perdas ambientais, caracterizando-se como alternativa para a sistema econômico dominante. Contudo, é preciso apontar que “para equivaler ao desenvolvimento sustentável, a economia verde não pode ser pontual e empresarial [...] Teria que ser implementada por meio de políticas que garantam os direitos e as funções ecossistêmicas interligadas” (SAWYER, 2011, p. 36).
Misoczky e Böhm (2012) refletem que, com a urgência das metas globais para o meio ambiente, justiça e desenvolvimento humano, passou a ecoar com mais força o discurso da acelerada investida do capital sobre a natureza. Em outras palavras, os autores analisam que o chamado “Capitalismo verde” tem sido apontado como estratégia para a mercantilização e financeirização da natureza, intensificando a penetração do capitalismo sobre o meio ambiente. E advertem que “nessa fase ecológica do capitalismo, o capital é tomado como medida da degradação ambiental que ele mesmo produz. Acabamos, assim, presos em uma espécie de armadilha tautológica” (Idib., 2012, p. 548).
Ser ou não ser uma ação positiva para natureza e a sociedade, Oliveira et al. (2013) esclarecem que o maior desafio para alcançar a EV não é devido à falta de soluções técnicas, para tornar as cidades verdes, e sim desenvolver os mecanismos de governança para movimentar a economia por um caminho certo, com benefícios para a sociedade como um todo, particularmente aos pobres e aos mais vulneráveis.
Nessa esteira de discussões, resta entendido que a EV aparenta ser um projeto oriundo de grupos hegemônicos (capital privado, chefes de Estados). E na contramão, surge a Agroecologia, que também é entendida como uma estratégia de organização do território e da produção econômica, mas, diferentemente da EV, tem mais apoio dos movimentos populares por exercer menor impacto negativo ao meio ambiente.
Agroecologia: na relação entre o ambiente e a sociedade
Na década de 1990, a agroecologia ganha evidência como uma proposta que integrou o conceito de preservação ambiental e resgate do valor social do trabalho no campo (OLIVEIRA JUNIOR et al, 2014). A abordagem agroecológica inclui a gestão ecológica de recursos naturais, busca o fortalecimento do potencial transformador dos territórios e a consequente contribuição para a manutenção da sustentabilidade social e da biodiversidade (SEVILLA GUZMÁN, 2001).
A agroecologia aborda ainda as várias formas de transição para sistemas industriais agroalimentares sustentáveis por meio das seguintes dimensões: ecológica, social, econômica, cultural, política e ética (CAPORAL; COSTABEBER, 2004). Ressalta-se que, apesar de a dimensão ecológica ser bem destacada, a agroecologia não se restringe à promoção e implantação de técnicas agrícolas, devendo ser pensada sob a dinâmica da relação de poder que circunda a superioridade do ambiente urbano sobre o rural, a participação nas tomadas de decisões e as mudanças nas formas de produção e consumo (ALENCAR, 2018).
Com o avanço industrial e tecnológico, as matérias-primas se tornaram escassas e caras, e o espaço rural passou por modificação, como a própria expansão do urbano sobre o rural (GARCIA, 2010; KRÜGER, 2001; SANTOS et al., 2020). Diante disso, esbarrouse na crise da modernidade, com evidências de que a transformação da sociedade rural em sociedade urbana elevaria o nível da poluição e a destruição dos recursos naturais (SANTIAGO, 2014).
Com essa crise, a abordagem agroecológica se apresentou como uma resposta à lógica do neoliberalismo (GERVAZIO et al., 2016). A crise impulsionou a participação e a interação entre o ambiente e os atores sociais, em função de a reivindicação de poder nos processos de tomada de decisão afetarem a sociedade rural, de forma direta e indireta (LIMA, 2019).
Com a agroecologia, foi possível a alternância de um modelo agrícola fechado e mecanicista para um modelo de ecossistema dinâmico, plural e participativo. Com isso, a agroecologia se tornou a promoção de mecanismo de participação na agricultura para alterar o percurso das relações de poder do desenvolvimento rural, para que os próprios atores locais se tornassem participantes nos processos de organização e implementação de políticas e atividade agrícolas (AZEVEDO; NETTO, 2015).
Entretanto, para aumentar a participação e alcançar a transformação social é importante a existência da interação entre as instituições e agentes envolvidos como forma de mobilização coletiva. É oportuno destacar que, antes de os problemas se tornarem insustentáveis (poluição ambiental, desemprego etc.), os atores locais buscam gerenciar seus recursos para sanarem os desequilíbrios sociais, econômicos e demográficos (CUENIN, 2017).
Conforme dispõe o Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR), instituído no ano de 2020, faz-se necessário ainda que a agroecologia permaneça ligada à concepção de saneamento ambiental rural e de movimentos sociais, para que não perca o seu potencial transformador socioambiental. Sob essa perspectiva, para o alcance do desenvolvimento sustentável, não cabe apenas a mudança na forma de produzir, mas pensar e propor alternativas que contemplem tanto o ambiental quanto o social (CAPORAL, 2009).
Com o desenvolvimento industrial e o impacto no meio ambiente, surgiu a necessidade de buscar sistemas de produção e de consumo que efetivassem a participação dos atores sociais, como forma de promoção do desenvolvimento econômico sustentável (CASSARINO, 2012). A participação social é compreendia como a “força motriz que permite agregar parceiros que, ao serem empoderados, possam qualificar o processo de mudança, que afetam a qualidade de Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), vida das pessoas e da sociedade como um todo” (KLEBA; WENDAUSEN, 2009, p, 734). Na vinculação dessa concepção ao uso dos recursos naturais, a sustentabilidade na agricultura está estritamente ligada às relações sociais e aos processos ecológicos.
O conceito Desenvolvimento Sustentável foi reconhecido pela Conferência Eco-92, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, cujo objetivo era prover apoio financeiro e tecnológico aos países em desenvolvimento, para alcançarem o desenvolvimento sustentável, com a redução dos padrões de consumo, principalmente de combustíveis fósseis (SENADO FEDERAL, 2012).
Nesse sentido, o desenvolvimento baseado no crescimento econômico ilimitado esbarra na Proposta do Decrescimento econômico, caracterizado como uma “alternativa para um processo econômico que evite a degradação dos recursos naturais planetários privilegiando, ao mesmo tempo, o desenvolvimento humano” (ARMADA, 2017, p. 264). O Decrescimento é uma forma de questionamento contra o desenvolvimento que avança em detrimento à preservação e conservação dos recursos naturais (SILVA, 2012).
O fortalecimento de um modelo de desenvolvimento transformador implica em mudanças e na implantação de estratégias de poder social a partir da coletividade, cuja ação deve se estender para além do ecológico, isto é, compreender a esfera política, social, cultural e econômica (FREY, 2001). Nessa seara, entra-se na questão do Empoderamento Social, que consiste na “participação de todos os membros da sociedade em uma fulgente perseguição pelo bem-estar coletivo e pela qualidade de vida” (WÜST; MARCANTÔNIO, 2014, p. 02).
Pela perspectiva agroecológica é tangível a transformação social se os direitos socioambientais forem atendidos.
Conclusão
Considerando a contextualidade e a transdisciplinaridade, verifica-se que o ensino das Ciências Agrárias precisa equilibrar os conhecimentos de produção, para possibilitar a apreciação das diversas situações e finalidades da agricultura. No entanto, para o alcance dessa competência, é necessário integrar o conhecimento, habilidades e atitudes, para facilitar a aprendizagem e o despertar para o processo social.
A urgência da atual crise climática enfatiza a necessidade de universitários - e futuros profissionais -, qualificados e equipados com conhecimentos e habilidades relevantes para enfrentar problemas ambientais e sociais, como consumo de materiais, degradação ambiental e desigualdade em todas as escalas espaciais.
Por fim, conforme explicitado através de cada sessão, o profissional agrário deve ter noção da agricultura para além da técnica, considerando que a forma de produção tende a impactar todos os segmentos sociais.
Resumo
Main Text
Introdução
Ciências agrárias: entre a universidade, sociedade e a economia
A educação ambiental no ensino superior
Economia verde: crescimento econômico e qualidade ambiental
Agroecologia: na relação entre o ambiente e a sociedade
Conclusão