A mestiçagem como conceito histórico

Uma descrição teórica

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5216/rth.v26i1.74687

Resumo

Além de um conceito central nas discussões sobre raça e identidade no Brasil, a mestiçagem ocupa um lugar privilegiado na tradição intelectual brasileira desde pelo menos meados do século XIX. Muitos intelectuais notaram a centralidade da mestiçagem e produziram investigações críticas sobre as implicações sociais do conceito, destacando sua função de escamotear a violência das relações raciais na história brasileira. Autores como o antropólogo Renato Ortiz e, mais recentemente, o sociólogo e ensaísta Jessé Souza denunciaram a permanência silenciosa dessa e de outras categorias com forte teor racial na tradição intelectual brasileira mesmo depois do declínio do racismo científico. No entanto, são poucos os trabalhos que se ocuparam em descrever o funcionamento desse conceito enquanto categoria analítica. Nesse artigo, buscamos descrever formalmente a mecânica do conceito de mestiçagem a partir de sua caracterização como conceito essencialmente histórico. Primeiramente definiremos a mestiçagem etimologicamente e semanticamente a partir de suas especificidades culturais e de suas diferenças em relação a outras categorias formais que designam o fenômeno do hibridismo, como miscigenação e hibridação. Em seguida, aproximamos a mestiçagem das ideias de origem e processualidade, que conferem a ela sua qualidade essencialmente histórica e que determinam seu funcionamento como categoria analítica ou conceito teórico. Por fim, discorremos brevemente sobre sua centralidade no pensamento histórico brasileiro, centralidade esta relacionada ao uso do conceito de mestiçagem para descrever fenômenos históricos ambíguos, paradoxais e dialéticos.

Biografia do Autor

Hugo R. Merlo, Universidade Adam Mickiewicz, Poznań, Polônia, hugormerlo@gmail.com

Currículo: http://lattes.cnpq.br/8394191827906179

Referências

ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/La Frontera: The New Mestiza. São Francisco: Aunt Lute, 1987.

ARANTES, Paulo. Sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira: dialética e dualidade segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

ARARIPE JUNIOR, Tristão de Alencar. Gregório de Matos. Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013.

BARBATO, Luis Fernando Tosta. Raça e mestiçagem nas revistas do IHGB: os temores e as esperanças. Intellèctus, ano XV, n. 2, p. 186-204, 2016.

BEVILACQUA, Clovis. Criminologia e Direito. Bahia: Livraria Magalhães, 1896.

BEVILACQUA, Clovis. Esboços e Fragmentos. Rio de Janeiro: Laemmert & Cia, 1899.

CALDAS, Pedro Spinola Pereira. Que significa pensar historicamente: Uma interpretação da teoria da história de Johann Gustav Droysen. 2005. Tese de doutorado em História Social da Cultura – 2005.

CASTRO, Tito Lívio de. A mulher e sociogenia: obra póstuma. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1893.

COMPAGNON, Antoine. Os cinco paradoxos da modernidade. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

COSTA, Sérgio. A Construção Sociológica da Raça no Brasil. Estudos Afro-Asiáticos, ano 24, n. 1, p. 35-61, 2002.

COSTA, Sérgio. A mestiçagem e seus contrários: etnicidade e nacionalidade no Brasil contemporâneo. Tempo Social. São Paulo 13 (1): 143-158, maio de 2001.

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico de língua portuguesa. 4 ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.

DAMATTA, Roberto. Digressão: A Fábula Das Três Raças Ou o Problema Do Racismo à Brasileira. In: DAMATTA, Roberto. Relativizando: Uma Introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.

DERRIDA, Jacques. La Différance In: BARTHES, Roland et al (orgs.) Théorie d’ensemble. Paris: Seuil, 1968.

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do patronato político brasileiro. Rio de Janeiro: Globo, 2001.

FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1998.

FOUCAULT, Michel. Nietzsche, Genealogy, History. In: BOUCHARD, D. F. (org.) Language, Counter-Memory, Practice: Selected Essays and Interviews. Ithaca: Cornell University Press, 1977.

FOUCAULT, Michel. Nietzsche, la généalogie, l'histoire. In: BACHELARD, S. et al (orgs.) Hommage à Jean Hyppolite. Paris: Presses Universitaires de France, 1971.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2003.

GONZAGA DUQUE, Luís. Revoluções Brasileiras (Resumos Históricos). 2ª edição. Rio de Janeiro: Laemmert & Cia, 1905.

GONZALEZ, Lelia & HASENBALG, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982.

GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

GUIMARÃES, Antonio Sérgio. Nacionalidade e Novas Identidades Raciais no Brasil: Uma Hipótese de Trabalho. In: SOUZA, Jessé (org.). Democracia Hoje. Brasilia: UnB, 2001.

GUMBRECHT, Hans Ulrich, Our Broad Present: Time and Contemporary Culture. Nova York: Columbia University Press, 2014.

GUMBRECHT, Hans Ulrich. History of Literature, Fragment of a Vanished Totality? New Literary History, Vol. 16, no. 3, pp. 467-479, 1985.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC Rio, 2006.

KOSELLECK, Reinhart. Introduction and Prefaces to the Geschichtliche Grundbegriffe. Contributions to the History of Concepts, v. 6, n. 1, pp. 1–37, 2011.

KUBIAK, Ewa. Cultural Metissage - The descriptive concept of hybrid phenomena on the peripheries of cultures. Art Inquiry: Recherches sur les arts. n. 16, p. 147-166, 2014.

LA CADENA, Marisol de. Indigenous Mestizos: The Politics of Race and Culture in Cuzco. Durham: Duke University Press, 2000.

LIONNET, Françoise. Autobiographical Voices: Race, Gender, Self-Portraiture. Ithaca: Cornell University Press, 1989.

MARTÍNEZ-ECHAZÁBAL, Lourdes. 1996. “O Culturalismo Dos Anos 30 No Brasil e Na America Latina: Deslocamento Retórico Ou Mudança Conceitual?” In Raça, Ciência e Sociedade, edited by Marcos Chor Maio and Ricardo Ventura Santos, 107–25. SciELO - Editora FIOCRUZ.

MARTÍNEZ-ECHAZÁBAL, Lourdes. O Culturalismo Dos Anos 30 No Brasil e Na America Latina: Deslocamento Retórico Ou Mudança Conceitual? In: MAIO, Marcos Chor & SANTOS, Ricardo Ventura (orgs.). Raça, Ciência e Sociedade. SciELO - Editora FIOCRUZ, 1996.

MARTINS JUNIOR, José Izidoro. História do direito nacional. Rio de Janeiro: Typographia da Empreza Democratica Editora, 1895.

MARTIUS, Karl Friedrich von. Como Se Deve Escrever a História Do Brasil. Revista de Historia de América, no. 42, p. 433–58, 1956.

MAYA, Alcides. Pelo Futuro. Porto Alegre: Franco & Irmão, 1897.

MIGNOLO, Walter D. The Geopolitics of Knowledge and the Colonial Difference. The South Atlantic Quarterly, vol. 101, n. 1, p. 57-96, 2002.

MORAES FILHO, A. J. M. As causas da extinção dos índios. In: Moraes Filho, A. J. M. (org.) Revista da exposição antropológica brasileira. Museu Nacional; Pinheiro & Cia: Rio de Janeiro, 1882

MORRIS-SUZUKI, Tessa. The past within us. London: Verso, 2005.

MOURA, Clóvis. As Injustiças de Clio: o negro na historiografia brasileira. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990.

MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis: Vozes, 1999.

NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

NOBRE, Marcos. Da “formação” às “redes”: Filosofia e cultura depois da modernização. Cadernos de Filosofia Alemã, n.19, p. 13-36, 2012

OLIVEIRA LIMA, Manoel de. Pernambuco: Seu desenvolvimento histórico. Leipzig: F. A. Brockhaus; Rio de Janeiro: Laemmert & Cia, 1895.

OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. O Mulato: um obstáculo epistemológico. Argumento: Revista Mensal de Cultura, vol. 1, n. 3, p. 65-73, 1973

OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. O muleto, um obstáculo epistemológico. Argumento, ano 1, n.3, p. 65-78, 1973.

ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.

PADILHA, Viriato. Curso de História do Brasil. Rio de Janeiro: Quaresma & Cia, 1898.

PRADO, Paulo. Retrato do Brasil - Ensaio sobre a tristeza brasileira. São Paulo: Duprat-Mayença, 1928.

RÜSEN, Jörn (Org.). Introduction: Historical Thinking as Intercultural Discourse. Western historical thinking . New York: Berghahn Books, 2002. p. 1–14.

SANTIAGO, Silviano. O entre-lugar do discurso latino-americano. In: Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. Kindle.

TAMM, Marek & OLIVIER, Laurent (orgs.). Rethinking Historical Time: New Approaches to Presentism. Londres: Bloomsbury, 2019.

TLFi: Trésor de la langue Française informatisé, 2021. “Métissage.” http://stella.atilf.fr/Dendien/scripts/tlfiv5/advanced.exe?8;s=4211405580;

VERÍSSIMO, José. As Populações Indígenas e Mestiças da Amazonia. Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Vol, 74, n. 2. Rio de Janeiro: Laemmert & Cia, 1887. pp. 295-390

WADE, Peter. Rethinking Mestizaje: Ideology and Lived Experience. Journal of Latin American Studies, n. 25, p. 239-257, 2005.

Wiktionary. 2020. “Miscegenation.” Last modified December 2020. https://en.wiktionary.org/wiki/miscegenation

Wiktionnaire. 2021. “Métis.” Last modified April 10. https://fr.wiktionary.org/wiki/m%C3%A9tis#fr

Wiktionnaire. 2021. “Métissage.” Last modified March 8. https://fr.wiktionary.org/wiki/m%C3%A9tissage

Downloads

Publicado

2023-07-27

Como Citar

MERLO, H. R. A mestiçagem como conceito histórico: Uma descrição teórica. Revista de Teoria da História, Goiânia, v. 26, n. 1, p. 100–119, 2023. DOI: 10.5216/rth.v26i1.74687. Disponível em: https://revistas.ufg.br/teoria/article/view/74687. Acesso em: 12 maio. 2024.