GRATUIDADE, LITIGÂNCIA EXCESSIVA E GASLIGHTING: RESPONSABILIZAÇÃO PERVERSA DOS VULNERÁVEIS E RESTRIÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA
GRATUITY, EXCESSIVE LITIGANCE AND GASLIGHTING: PERVERSE RESPONSIBILITY OF VULNERABLES AND RESTRICTION OF ACCESS TO JUSTICE
Resumo
O presente trabalho propõe-se a analisar uma cruzada travada contra a gratuidade da justiça e seus critérios (ou da falta deles), sob a narrativa de que a “litigância sem risco” seria a causa da judicialização excessiva e do congestionamento dos processos judiciais, em mais um episódio – entre tantos – cujo roteiro coloca o excesso de gasto público e a vulnerabilidade no centro da discussão. Os Projetos de Lei 5900/2016 e 6160/2019, que tramitam na Câmara dos Deputados, defendem essa perspectiva. Para investigar a suposta correlação entre a gratuidade e a litigância excessiva, foram analisados os dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, de 2015 a 2019, a respeito das despesas do Poder Judiciário, dos percentuais de concessão de gratuidade e, também, acerca do perfil da litigiosidade no Brasil. Além disso, será traçado um paralelo entre o perfil da litigância e a média da renda da população brasileira, divulgados pelo IBGE, com destaque para o cenário de intensa desigualdade e suas implicações. A partir disso, valendo-se do método hipotético-dedutivo, o trabalho pretende refutar as falsas premissas sobre as quais os projetos de lei se debruçam, demonstrando que a relação entre litigância excessiva e gratuidade não se sustenta, e que tal discurso, na verdade, representa uma clara medida de Gaslighting político para eximir o Estado de sua responsabilidade frente aos direitos fundamentais e, ao mesmo tempo, responsabilizar o vulnerável pela sua própria vulnerabilidade, na contramão da perspectiva democrática do acesso à justiça.
Downloads
Referências
ANADEP. As 100 Regras de Brasília. Disponível em: https://anadep.org.br/wtksite/100-Regras-de-Brasilia-versao-reduzida.pdf, Acesso em: 27.12.2020.
BRASIL, Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 5900/2016. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2092728&ord=1>. Acesso em: 13/Set/2020
BRASIL, Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 6160/2019. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2230638>. Acesso em: 01/Fev/2021.
BRASIL, CNJ. 100 Maiores Litigantes. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/100_maiores_litigantes.pdf>. Acesso em: 27/Dez/2020.
BRASIL, CNJ. Diagnóstico das Custas Processuais praticadas pelos Tribunais. Disponível em: < https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/11/relatorio_custas_processuais2019.pdf>. Acesso em: 01/Fev/2021.
BRASIL, DPU. Resolução 134, de 7 de dezembro de 2016. Disponível em: < https://www.dpu.def.br/conselho-superior/resolucoes/37083-resolucao-n-134-de-07-de-dezembro-de-2016-fixa-o-valor-de-presuncao-de-necessidade-economica-para-fim-de-assistencia-juridica-integral-e-gratuita>. Acesso em: 27/Dez/2020.
BRASIL, IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 2019. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101709_informativo.pdf>, Acesso em: 27/Dez/2020.
BRASIL, IBGE. Síntese dos Indicadores Sociais 2020 – uma análise das condições de vida da população brasileira. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101760. Acesso em: 20/Nov/2020.
BRASIL, Planalto. Lei 1.060, de 5 de fevereiro de 1950. Estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L1060.htm#art17>, Acesso em: 23/Set/2020.
BRASIL, Planalto. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>, Acesso em: 23/Set/2020.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3943. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=9058261> , Acesso em: 13/Set/2020.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.
CARROLL, Lewis. Alice através do espelho. Belo Horizonte: Autêntica: 2017.
CASAS MAIA, Maurilio. Custos Vulnerabilis constitucional: o Estado Defensor entre o REsp nº 1.192.577-RS e a PEC nº 4/14. Revista Jurídica Consulex, Brasília, ano XVIII, nº 417, jun. 2014, p. 56, g.n.).
CASAS MAIA, Maurilio. A Defensoria Pública enquanto institucionalização constitucional da defesa dos vulneráveis frente à Ordem Jurídica e aos poderes públicos. In: COSTA-CORRÊA, André L. SILVIO, Solange Almeida Holanda. Sociedade e Estado: Do direito de defesa às garantias fundamentais do cidadão frente ao Estado. Porto Alegre: Paixão Editores, 2017, p. 145-166.
CASTELLS, Manuel. Ruptura. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
CHANG, Ha-Joo. 23 Coisas que não nos contaram sobre o capitalismo. São Paulo: Cultrix, 2013.
DA ROS, Luciano. O custo da justiça no Brasil. Revista Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil. v. 2, n.9. 2015
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Defensoria Pública. Critérios de atendimento. Disponível em: < http://www.defensoria.rs.def.br/criterios-de-atendimento>. Acesso em: 27/Dez/2020.
FATTORELLI, Maria Lúcia. Sistema da Dívida Pública: entenda como você é roubado. In
SOUZA, Jessé; VALIM, Rafael [Org.] Como resgatar o Brasil. São Paulo: Contracorrentes, 2018, pp.61-81.
GALANTER, Marc. Por que quem tem sai na frente: especulações sobre os limites da transformação do direito. Disponível em: < http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/25816>. Acesso em: 26/Set/2020
GONÇALVES FILHO, Edilson Santana; ROCHA, Jorge Bheron; CASAS MAIA, Maurílio. Custos Vulnerabilis: a Defensoria Pública e o equilíbrio nas relações politico-jurídicas dos vulneráveis. Belo Horizonte: CEI, 2020.
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento – a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora34, 2009.
KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
LA BOETIE, Etienne de. Discurso da Servidão Voluntária. São Paulo: Martin Claret, 2009.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: Condicionantes legítimas e ilegítimas. Salvador: Juspodivm, 2019.
MARCATO, Antônio Carlos. Algumas considerações sobre a crise da justiça. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 12, n. maio/ju 2012, p. 87-94, 2012.
MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem – Quando o Estado de Direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
NERI, Marcelo. A escalada da desigualdade - qual foi o impacto da crise sobre a distribuição da renda e a Pobreza? São Paulo: FGV, 2019.
ONU. PNUD. Relatório de Desenvolvimento Humano 2020. Disponível em: < http://hdr.undp.org/en/2020-report>, Acesso em: 20Dez.2020
SANDEL, Michael J. A tirania do mérito – o que aconteceu com o bem comum? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020.
SARKIS, Stephanie Moulton. O fenômeno Gaslighting: a estratégia de pessoas manipuladoras para distorcer a verdade e manter você sob controle. São Paulo: Cultrix, 2019.
SEN, Amartya; KLIKSBERG, Bernardo. As pessoas em primeiro lugar: a ética do desenvolvimento. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Epistemologia das ciências culturais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009.
SOUZA, Jessé. A elite do atraso. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2019.
SOUZA, Pedro H.G. Ferreira de. Uma história de desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil 1926-2013. São Paulo: Hucitec:Anpocs, 2018.
SOUZA, Renato. Equipe Econômica avalia rever benefício de gratuidade de justiça. Correio Braziliense, 16 de Agosto de 2020. Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2020/08/amp/4868817-ideia-e-rever-gratuidade-de-justica.html?__twitter_impression=true&s=08>. Acesso em: 13/Set/2020.
SOUZA SANTOS, Boaventura. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2011.
TARTUCE, Fernanda. Igualdade e vulnerabilidade no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
TIROLE, Jean. Economia do bem comum. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
WATANABE, Kazuo. Acesso à ordem jurídica justa. Belo Horizonte: DelRey, 2019.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Os Autores que publicam nesta revista concedem à Revista da Faculdade de Direito da UFG uma licença mundial, sem royalties, sujeita aos termos e condições da Licença Jurídica Creative Commons Atribuição 3.0 Brasil Creative Commons Attribution License
Os autores concedem à RFD UFG todos os direitos autorais sobre os artigos nela publicados, que os mantêm com exclusividade até o advento de domínio público sobre os mesmos.