Prevenção e controle de infecção: como estamos? Quais avanços e desafios?

Autores

  • Anaclara Ferreira Veiga Tipple Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Enfermagem
  • Adenícia Custódia Silva e Souza Universidade Federal de Goiás, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem

DOI:

https://doi.org/10.5216/ree.v13i1.13697

Resumo

Falar em medidas de prevenção e controle de infecção, hoje, nos remete a considerar a expressiva publicação de protocolos tanto em nível internacional como nacional. Alguns se constituem em documentos amplos, como as duas versões dos manuais referentes às Precauções Padrão(1-2)que reúnem um conjunto de medidas que deve ser aplicado em todas as situações que envolvem o risco biológico e visa à proteção tanto do profissional como do usuário.  Outros são bem específicos e abordam temas como higienização das mãos, uso e manuseio de equipamentos de proteção individual, cuidados com ambiente, reprocessamento de artigos, dentre outros. Somam-se a esses documentos, as Resoluções de Diretoria Colegiada – RDC, informes técnicos, portarias ministeriais, documentos nos níveis estaduais, municipais, além daqueles institucionais.

No âmbito da saúde do trabalhador, verificamos avanços como os apresentados nas Normas Regulamentadoras, entre elas a NR32 do Ministério do Trabalho e Emprego que estabelece as diretrizes para a implementação de medidas de proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores dos serviços de saúde(3). Da mesma forma, com o findar do prazo estabelecido pela Portaria 939/2008(4), que dispõe sobre a obrigatoriedade do uso de dispositivos de segurança e expressa uma responsabilidade compartilhada sobre a saúde do trabalhador, esperamos um impacto na redução dos acidentes com exposição ocupacional a material biológico com perfuro-cortantes. Vale lembrar que, na prática, apesar disso, o uso dos dispositivos de segurança ainda não é uma realidade.

Um aspecto relevante na atualidade é a necessidade premente de uma nova Portaria que substitua a 2616 do Ministério da Saúde(5), a qual restringe o problema das infecções aos hospitais, não satisfazendo as necessidades da realidade de saúde atual brasileira que é vivenciada no Sistema Único de Saúde. Normas específicas para esses locais da assistência serão sempre necessárias, pois, por suas características, eles reúnem indivíduos de maior susceptibilidade para infecção, elo importante na cadeia infecciosa.

Entretanto, visando esse modelo de atenção é fundamental que seja considerada a importância de gestão do agravo infeccioso em todos os níveis de atenção à saúde. Os Centers for Diseases Control and Prevention ao atualizar as Precauções Padrão(2) incorpora essa necessidade, pois não mais utiliza o termo “infecção hospitalar”, mas aborda o problema como “infecções associadas aos cuidados em saúde”.

Outro documento aguardado é a RDC 034, que esteve em consulta pública há quase dois anos e regulamentará sobre o funcionamento de serviços que realizam o reprocessamento de produtos para a saúde em todo país. Nos serviços de saúde o reprocessamento é de responsabilidade do Centro de Material e Esterilização, que historicamente, tem sido subvalorizada, principalmente quanto à alocação de recursos e reconhecimento da sua equipe de trabalho.

Esses são exemplos de documentos que, embora extremamente necessários, enfrentam entraves técnicos, políticos entre outros. Contudo podemos considerar que há expressiva oferta de medidas de prevenção e controle de infecção e, certamente, se justificam pela magnitude que o problema das infecções representa, no contexto da saúde pública, com impactos direto e indireto sobre a vida das pessoas, além dos custos sociais.

Dessa forma, podemos afirmar que, não faltam evidências que sustentam medidas primárias de prevenção e controle de infecção e, também, meios de padronização e divulgação para sua implementação nas práticas em saúde. Porém as infecções hospitalares estão entre as cinco primeiras causas de morte em todo o mundo.

Por que esse problema permanece inalterado? Mesmo que nem toda infecção seja passível de ser prevenida, é preciso perseguir índices aceitáveis, pois a baixa adesão às medidas preventivas ainda se constitui um grande desafio. Entre as evidências que se apresentam para justificar a não adesão, existe um leque de motivos como a falta de estrutura física, de recursos materiais e humanos, questões organizacionais e administrativas, baixo nível de conhecimento, baixa percepção do risco, pressa, dentre outros. Tudo isso coloca os profissionais dos serviços de controle de infecção e de educação continuada em um dilema constante de como intervir, além da permanente sensação de frustração.

Poderíamos pensar sobre cada um deles, mas nos detemos em uma reflexão, apoiadas em estudo recente(6), que mostra que apesar da disponibilidade dos recursos necessários, do conhecimento revelado sobre a necessidade e outros fatores que poderiam ser considerados pró-adesão, medidas preventivas não foram adotadas.

Diante dessa realidade e buscando contribuir para o debate de soluções, discutimos a “atitude” do profissional, aqui colocada como “disposição interna para”, sem intenção de culpá-lo. Essa proposição nos remete a alguns aspectos bioéticos envolvidos no cuidado.

Nesse contexto, o usuário apresenta-se numa condição de dependência, necessitando de cuidados, dos quais tem direito. Este acredita que um profissional qualificado vai lhe oferecer o melhor que pode fazer por ele. Seu nível de informação, infelizmente, na maioria das vezes, não é suficiente para que tenha autonomia de recusar um cuidado que possa julgar inadequado (nesse caso um descuidado). A maioria não detém a informação quanto ao certo ou errado e, ainda, é refém da sua condição de vulnerabilidade. Mesmo quando se detém o conhecimento, muitas vezes, consideramos que ficar em silêncio é a melhor opção. Essa é uma situação muito comum na vivência de todos nós quando dependemos dos cuidados de outros profissionais.

Uma grande parte dos cuidados diários dispensados a uma pessoa internada é feita de forma individual/solitária, ou seja, apenas um profissional para realizar um cuidado. Assim todas as ações adequadas ou não, estão, exclusivamente, na dependência da sua consciência ética e profissional.

Nesse contexto, a adesão, quando todos os fatores pró-adesão se fizerem presentes, ainda vai depender do profissional, de sua atitude, disposição interna para adotar as medidas de segurança necessárias. Terá que fazer uma opção, higienizar ou não as mãos, utilizar ou não um equipamento de proteção. Essa decisão depende não apenas da formação profissional, mas, principalmente, de sua formação enquanto pessoa, seus princípios e seus valores.

Considerando uma prática na atualidade da utilização de check list, conhecido como “tolerância zero”, em que se utiliza um protocolo testado de medidas preventivas, que serve para a conferência de detalhes de um procedimento por um profissional, enquanto outro realiza o cuidado, observamos que os resultados desse processo parecem animadores. Falar dessa proposta é outra discussão, mas a ideia sugere que o profissional pode não cumprir o que está previsto no protocolo, mesmo tendo disponíveis todos os recursos necessários para os procedimentos. É justamente esse fato que nós precisamos estranhar e buscar entender o porquê.

Sem a ingenuidade de simplificar a questão, porque certamente vários aspectos interferem na atitude do profissional, acreditamos que seus valores éticos e morais têm influência na tomada de decisão que prioriza a sua segurança e a do paciente.

Esse fato nos remete ao nosso papel de educador na área da saúde. Quanto temos nos preocupado com esses valores no nosso processo de construção do conhecimento, no dia-a-dia da formação acadêmica? Quem sabe não temos priorizado outros aspectos da formação e pouco discutimos sobre autonomia, alteridade, beneficência, justiça e outros princípios que podem contribuir para formar pessoas melhores.

Avançamos no que se refere à produção científica e aos aspectos normalizadores e regulatórios da prevenção e controle de infecção. Entretanto, sua aplicação, na prática, depende, além de recursos organizacionais e estruturais, das pessoas que prestam o cuidado individualmente ou em equipe. Portanto, um grande desafio a ser enfrentado para avançar, na prevenção e controle de infecção, no nosso ponto de vista, é investir na formação do profissional cidadão.

 

REFERÊNCIAS

1. Garner JS. Guideline for isolation precautions in hospitals. The Hospital Infection Control Practices Advisory Committee. Infect Control Hosp Epidemiol. 1996;17(1):53-80.

2. Siegel JD, Rhinehart E, Jackson M, Chiarello L. 2007 Guideline for Isolation Precautions: Preventing Transmission of Infectious Agents in Healthcare Settings [Internet]. Washington: CDC; 2007 [cited 2011 mar 30]. Available from: http://www.cdc.gov/ncidod/dhqp/pdf/guidelines/Isolation2007.pdf.

3. Portaria n. 485 de 11 de novembro de 2005. Aprova a Norma Regulamentadora nº 32. Diário Oficial da União (Brasília). 2005 nov 16.

4. Portaria nº 939 de 18 de novembro de 2008. Estabelece cronograma para substituição de materiais perfuro-cortantes por outros com dispositivos de segurança; e acrescenta os subitens 32.2.4.16.1 e 32.2.4.16.2 à Norma Regulamentadora n.º 32. Diário Oficial da União (Brasília). 2008 nov 19.

5. Portaria n. 2.616 de 12 de maio de 1998. Dispõe sobre o Programa de Controle de Infecção Hospitalar. Diário Oficial da União (Brasília). 1998 mai 13.

6. Tipple AFV, Aguliari HT, Sousa ACS, Pereira MS, Mendonça ACC, Silveira C. Equipamentos de proteção em Centros de Material e Esterilização: disponibilidade, uso e fatores intervenientes à adesão. Cienc Cuid Saude. 2007;6(4):441-8.

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Biografia do Autor

Anaclara Ferreira Veiga Tipple, Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Enfermagem

Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Professora Associada, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa de Enfermagem em Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (NEPIH), Coordenadora da Rede Goiana de Pesquisa em Exposição de Profissionais da Área da Saúde a Material Biológico, Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG). Vice Presidente da Comissão de Controle de Infecção em Odontologia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Goiás. Goiânia, GO, Brasil. E-mail:anaclara@fen.ufg.br.

Adenícia Custódia Silva e Souza, Universidade Federal de Goiás, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem

Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Docente Colaborador, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Goiás. Membro do NEPIH, Membro da Rede Goiana de Pesquisa em Exposição de Profissionais da Área da Saúde a Material Biológico, FAPEG. Goiânia, GO, Brasil. E-mail:adenicia@fen.ufg.br.

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Publicado

31/03/2011

Como Citar

1.
Tipple AFV, Souza ACS e. Prevenção e controle de infecção: como estamos? Quais avanços e desafios?. Rev. Eletr. Enferm. [Internet]. 31º de março de 2011 [citado 28º de março de 2024];13(1):10-1. Disponível em: https://revistas.ufg.br/fen/article/view/13697

Edição

Seção

Editorial