Qual é o conhecimento de enfermagem necessário para desenvolver a prática de enfermagem?

Autores

  • Tracy Heather Herdman NANDA Internacional

DOI:

https://doi.org/10.5216/ree.v13i2.14773

Resumo

Há alguns anos, uma enfermeira que eu admirava brincava comigo sobre cursos de pós-graduação. O que era um Diagnóstico de Enfermagem (ND), e por que precisamos deles? Não era suficiente saber que uma criança tinha síndrome do desconforto respiratório? Por que adicionar mais outra camada de bobagens? Por que gastar meu tempo pensando em teorias e outras coisas ridículas que não tinham contexto na prática clínica? Até hoje, ouço comentários como esses vindos de profissionais de enfermagem.

O quê, então, é o conhecimento da prática de enfermagem? Geralmente, enfermeiros não questionam a necessidade de que a medicina investigue doenças e seus tratamentos - ainda que muitos citem como irrelevantes as pesquisas realizadas sobre as respostas humanas e o tratamento dessas respostas para alcançar resultados relevantes para a enfermagem. Quando deixamos de ensinar, ler ou realizar investigação crítica sobre o conhecimento de enfermagem e de como afeta os pacientes – ele acaba tornando-se uma mera reflexão, informação que é "bom saber se você tiver tempo". É isso que a enfermagem é – algo bom de saber-se, mas não um campo prático realmente necessário? Por que muitas vezes os estudantes de enfermagem e enfermeiros em prática sentem que precisam seguir as ordens do médico e depois, se der tempo, "fazer enfermagem"? Acredito que esta realidade clínica ocorre principalmente porque nós, como um todo coletivo, não educamos realmente os profissionais de enfermagem, nossos colegas ou nossos pacientes sobre a disciplina de enfermagem.

Currículos de enfermagem enfatizam fortemente fisiopatologia e farmacologia - isso é enfermagem? Estas disciplinas fornecem conteúdo importante para a prática de enfermagem. Mas será que eles definem a enfermagem? Acredito que não – enfermeiros precisam entender esses campos relacionados, mas precisamos nos concentrar em respostas humanas. O que é dor?  Como ela se manifesta ao longo da vida, cenário, etiologia, gênero ou cultura? Como podemos diferenciar dor aguda, dor crônica e conforto prejudicado? De que forma uma determinada condição médica impacta na resposta humana a dor ou conforto? O que diferencia a dor associada a uma fratura óssea daquela dor experimentada com neuropatia diabética? Será que nós realmente compreendemos os conceitos – ou simplesmente nos apressamos a fornecer tratamento farmacológico para um sintoma que estamos observando? Essa medicação é realmente a melhor forma de intervenção - ou é simplesmente a mais fácil? O que fazemos pelo paciente que não tolera a medicação, ou não a deseja? Como a etiologia da dor, os mecanismos de enfrentamento e histórico do paciente, tem impacto em sua resposta à dor? Se não compreendemos como a dor aguda ou o conforto prejudicado diferem da dor crônica, como sabemos o que realmente estamos tratando? Qual a melhor forma de podermos alcançar um resultado positivo do paciente? Eu acredito que nós não podemos.

Imagine um currículo concebido em torno de conceitos fundamentais do conhecimento de enfermagem. Ao invés de módulos sobre insuficiência cardíaca congestiva ou fraturas ósseas, poderíamos ter módulos sobre a dor, distúrbios do sono, estilo de vida sedentário, desobstrução ineficaz de vias aéreas, ou tensão devido aos cuidados. Ao invés de aglomerar conteúdo em torno de diagnósticos médicos, poderíamos usar os Diagnósticos de Enfermagem - conceitos de importância para a prática de enfermagem - e concentrar conteúdo em torno a eles, incluindo os respectivos diagnósticos médicos, psicossociais, culturais e de respostas fisiológicas, tratamentos farmacológicos e resultados desejados.

Isso exigiria que muitos enfermeiros reformulassem seus conceitos de Diagnósticos de Enfermagem. Alguma literatura recente indica que os Diagnósticos de Enfermagem foram desenvolvidos para documentar o registro de enfermagem no Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP). A verdade é que os Diagnósticos de Enfermagem foram (e são) desenvolvidos para fornecer uma linguagem que descreva o conhecimento e a prática da enfermagemnão como uma ferramenta de documentação, mas sim como uma ferramenta que descreva o que está sendo tratado de uma forma concisa, em linguagem internacionalmente compreendida para conduzir a intervenção e o resultado. Assim como os diagnósticos médicos são usados na medicina, os Diagnósticos de Enfermagem, se corretamente desenvolvidos em termos de conceitos que podem ser definidos, estudados, ensinados e aplicados na prática, podem descrever o que os enfermeiros sabem, conduzem o que fazem e que resultados alcançam.

Duvido que alguém sugira que deveria ser permitido a um médico que crie um diagnóstico médico na cabeceira do leito de um paciente, e comece a usá-lo clinicamente - no entanto, há quem ainda defenda essa prática em enfermagem. Bastaria criar um rótulo e teríamos um Diagnóstico de Enfermagem. Mas o que significa isso? O que sabemos sobre esse conceito? Como faço para ensiná-lo, pesquisá-lo, mensurá-lo ou compartilhá-lo com outras disciplinas e pacientes? Como podemos ser tão desinteressados em compreender o conhecimento fundamental de nossa disciplina? Como podemos permitir que o que funcione melhor em um sistema de computador conduza a prática de enfermagem, que nos diga a forma como nós, como disciplina, devemos desenvolver a ciência sob os rótulos?

Os Diagnósticos de Enfermagem são simples ferramentas para documentação? Infelizmente, é isso que eles se tornam quando negligenciamos ensinar os conceitos – realmente entender esses fenômenos da prática de enfermagem e seus conteúdos subjacentes. Os Diagnósticos de Enfermagem não foram feitos simplesmente para serem termos criados para descrever uma condição de forma aleatória. Rótulos de diagnóstico de enfermagem devem descrever um conceito (incluindo conceitos de promoção da saúde, não apenas "problemas"), que seja claro e uniformemente definido e apoiado por pesquisas de enfermagem e literatura prática, identificado por sinais/sintomas que podem ser obtidos durante a avaliação de enfermagem, avaliação do histórico do paciente/familiar, exames de diagnóstico e realização de diversos instrumentos de triagem. Os conceitos devem ser bem pesquisados, bem desenvolvidos e difundidos internacionalmente.

O que teria que mudar para que os alunos aprendam sobre a prática de enfermagem, como ela suplementa e se inter-relaciona com a prática de outras disciplinas da saúde? Teríamos de ensinar enfermagem - a ciência do diagnosticar e tratar as respostas humanas aos problemas de saúde reais ou potenciais ou processos de vida - e na maioria dos casos, reestruturar completamente a forma como praticamos a enfermagem. Estamos prontos para esse desafio? Acredito que temos de fazer essas mudanças rapidamente, antes que percamos o que realmente significa ser um profissional de enfermagem.


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Biografia do Autor

Tracy Heather Herdman, NANDA Internacional

PhD. RN. Diretora Executiva, NANDA Internacional; Professora Visitante da Escola de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil: E-mail: thherdman@gmail.com.

Publicado

30/06/2011

Edição

Seção

Editorial