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Grau de cumprimento das boas práticas de fabricação e perfil microbiológico de linguiças frescas mistas

Resumo

Boas Práticas de Fabricação nas agroindústrias são necessárias para controlar a multiplicação de microrganismos e prevenir a ocorrência de doenças veiculadas por alimentos. Dentre os diversos alimentos que podem ser contaminados pela manipulação intensiva, destacam-se os produtos cárneos, como a linguiça frescal. Com base no exposto, objetivou-se avaliar o nível de contaminação de linguiças frescais produzidas no município de Alegrete (RS) no âmbito da fiscalização do SIM/SISBI entre 2014 e 2016 e correlacionar ao atendimento das Boas Práticas de Fabricação (questionários, orientações e treinamentos). Amostras regulares foram coletadas em 10 estabelecimentos da cidade e testadas para coliformes termotolerantes, Clostridium sulfito redutor, Staphylococcus coagulase positiva e Salmonella spp. A quantificação microbiana de coliformes termotolerantes, Clostridium sulfito redutor, Staphylococcus coagulase positiva e Salmonella spp. diminuiu significativamente, indicando que as intervenções contribuíram para melhorar o perfil microbiológico da linguiça frescal produzida na cidade.

Palavras-chave:
Salmonella spp; Clostridium sulfito redutor; Staphylococcus coagulase positiva; coliformes termotolerantes; contaminação

Abstract

Good manufacturing practices in production facilities are necessary to control microbiological growth and prevent foodborne illnesses. Among the various foods that can be contaminated by intensive handling, meat products such as fresh sausages stand out. With this in mind, the aim of this study was to establish a microbiological profile of the fresh sausages produced in the municipality of Alegrete-RS, Brazil, as part of the SIM/SISBI inspection between 2014 and 2016 and to promote and evaluate the producing establishments in terms of compliance with good manufacturing practices. Samples were regularly taken from 10 businesses in the city and tested for thermotolerant coliform bacteria, sulphitereducing Clostridium, coagulase-positive Staphylococcus and Salmonella spp. In addition, the adequacy of good manufacturing practices was assessed and measures in the form of questionnaires, guidelines and training to improve the production chain were implemented in these companies. Over the years, significant improvements in compliance with good manufacturing practices have been observed in the production units. The microbial count of thermotolerant coliforms, sulphite-reducing Clostridium, coagulase-positive Staphylococcus and Salmonella spp. decreased significantly, indicating that the interventions contributed to improving the microbiological profile of the fresh sausage produced in the community.

Keywords:
Salmonella spp; sulphite-reducing Clostridium; coagulase-positive Staphylococcus; thermotolerant coliform bacteria; contamination

1 Introdução

A qualidade microbiológica dos alimentos está diretamente relacionada com a higiene do ambiente industrial, das matérias-primas, do pessoal e das superfícies das linhas de produção (11 Lehto M, Kuisma R, Määttä J, Kymäläinen H-R, Mäki M. Hygienic level and surface contamination in fresh-cut vegetable production plants. Food Control. 2011;22(3-4):469-475. http://doi.org/10.1016/j.foodcont.2010.09.029
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,22 Lopes LC, Prestes CF, Mendes LG, De Paula M, Augusto MMM, Da Cruz WS. Boas práticas de fabricação: treinamento aplicado aos manipuladores de alimentos de restaurante universitário. Brazilian Journal of Development. 2020;6(7):49282-49289. http://doi.org.br/10.34117/bjdv6n7-540
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). Se essa qualidade não for garantida, os alimentos podem apresentar microrganismos patogênicos causadores de doenças transmitidas por alimentos (DTA), podendo afetar a saúde dos consumidores (33 Melo ES, Amorim WR, Pinheiro REE, Corrêa PGN, Carvalho SMR, Santos ARSS, Barros DS, Oliveira ETAC, Mendes CA, Sousa FV. Doenças transmitidas por alimentos e principais agentes bacterianos envolvidos em surtos no Brasil: revisão. PubVet. 2018; 10:1-9. https://doi.org/10.31533/pubvet.v12n10a191.1-9
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). Estas doenças são causadas por vários microrganismos e suas toxinas após o consumo de água e/ou alimentos contaminados e levam a grandes problemas de saúde pública e perdas econômicas significativas (44 World Health Organization - WHO. Initiative to estimate the global burden of foodborne diseases: information and publications. Fourth formal meeting of the Foodborne Disease Burden Epidemiology Reference Group (FERG); 2014. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/159844/9789241507950_eng.pdf
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,55 Pal M, Ayele Y. Emerging Role of Foodborne Viruses in Public Health. Biomedical Research International. 2020; 5:1-4.).

No Brasil, entre 2013 e 2022, os principais patógenos causadores de DTA foram Escherichia coli (32,3%), Salmonella spp (10,9%), Staphylococcus aureus (10,8%) e Bacillus cereus (6,5%). As manifestações da DTA no organismo dependem do patógeno e podem variar de sintomas leves a graves, como a morte (66 Brazil. Ministry of Health. Outbreaks of Waterborne and Foodborne Diseases Report - 2023 from: < https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/dtha/publicacoes/surtos-de-doencas-de-transmissao-hidrica-ealimentar-no-brasil-informe-2023>
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).

Os alimentos que podem ser fonte de contaminação com microrganismos patogênicos incluem as carnes curadas devido ao seu manuseio intensivo (77 Pavelquesi SLS, Gomes BIBJ, Franca SR, Silva ICR, Orsi DC. Qualidade microbiológica de linguiças de frango do tipo frescal comercializadas no Distrito Federal, Brasil. Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal. 2021; 15(1):1-12.). “Carnes curadas” são todos os produtos elaborados a partir de carnes ou órgãos comestíveis, curados, condimentados, cozidos, defumados e secos e que contenham tripa animal ou artificial (66 Brazil. Ministry of Health. Outbreaks of Waterborne and Foodborne Diseases Report - 2023 from: < https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/dtha/publicacoes/surtos-de-doencas-de-transmissao-hidrica-ealimentar-no-brasil-informe-2023>
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). A linguiça é o produto cárneo mais produzido no Brasil, feita de carne bovina, suína ou de aves, podendo ou não ser salgada, maturada, seca ou cozida (88 Carvalho CCP, Lopes Filho F, Hoffmann FL, Romanelli PF. Histórico e aspectos tecnológicos do processamento da linguiça cuiabana. Revista do Instituto Adolfo Lutz. 2010; 69(3):428-433.). Dentre os tipos de linguiça, a linguiça fresca se destaca pela grande aceitação entre os consumidores (88 Carvalho CCP, Lopes Filho F, Hoffmann FL, Romanelli PF. Histórico e aspectos tecnológicos do processamento da linguiça cuiabana. Revista do Instituto Adolfo Lutz. 2010; 69(3):428-433.

9 Araújo HL, Veiga SMOM, Silva D, Boas AFV, Silva MLR. Physical, chemical and microbiological characteristics of sausage processed with flour from barley malt bagasse. Research, Society and Development. 2021; 10(3):e22610312069. http://10.33448/rsd-v10i3.12069
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-1010 Corrêa LMM, Pereira JG, Pinto JPAN, Barcellos VC, Bersot LS. Behavior of Staphylococcus aureus and autochthone microbiota in fresh sausages added of sodium nitrite and stored under refrigeration. Ciência Rural. 2014; 44(10):1880-1885.).

Existe o risco de contaminação microbiológica nos embutidos frescos, uma vez que são submetidos a inúmeras manipulações durante o processamento e não são tratados termicamente. Como a produção exige diversas operações, aumenta a possibilidade de contaminação com diferentes tipos de microrganismos patogênicos ou nocivos, o que pode afetar a qualidade e segurança do produto (77 Pavelquesi SLS, Gomes BIBJ, Franca SR, Silva ICR, Orsi DC. Qualidade microbiológica de linguiças de frango do tipo frescal comercializadas no Distrito Federal, Brasil. Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal. 2021; 15(1):1-12.,88 Carvalho CCP, Lopes Filho F, Hoffmann FL, Romanelli PF. Histórico e aspectos tecnológicos do processamento da linguiça cuiabana. Revista do Instituto Adolfo Lutz. 2010; 69(3):428-433.,1111 Marques SC, Boari CA, Brcko CC, Nascimento AR, Piccol RH. Avaliação higiênico-sanitária de linguiças tipo frescal comercializadas nos municípios de Três Corações e Lavras-MG. Ciência Agrotécnica. 2006; 30(6):1120-1123.).

Nesse contexto, o apoio, a orientação, o controle e a fiscalização dos estabelecimentos que processam carnes curadas, como embutidos frescos, por parte dos órgãos públicos são essenciais para promover melhorias na cadeia produtiva e, principalmente, para garantir a segurança dos consumidores desse tipo do produto.

Com base no exposto o objetivo principal deste trabalho foi estabelecer um perfil microbiológico para a produção de embutidos frescos em um município, que estiveram sob controle do Serviço Municipal de Inspeção de Produtos de Origem Animal durante o período 2014-2016, promover e avaliar os estabelecimentos fabris quanto ao cumprimento das boas práticas de fabricação.

2 Materiais e métodos

2.1 Seleção dos estabelecimentos

O presente trabalho foi realizado na cidade de Alegrete, Rio Grande do Sul, Brasil, em colaboração com a Secretaria de Agricultura e Pecuária do Município, mais especificamente no Serviço Municipal de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SIM-POA) e nas unidades cadastradas deste serviço, que atualmente conta com 38 estabelecimentos. Dessas unidades produtivas cadastradas, dez foram selecionadas aleatoriamente (definidas por sorteio) para serem avaliadas.

Após a seleção dos estabelecimentos, os dados foram coletados por meio de pesquisas nas quais foi avaliada a adequação das boas práticas de fabricação por meio de questionários com checklists (Material suplementar) e análises microbiológicas de amostras de embutidos frescos entre 2014 e 2016.

2.2 Inspeções dos estabelecimentos

Os estabelecimentos foram avaliados em fiscalizações semestrais, por meio de questionário em forma de checklist baseado em boas práticas de fabricação. O checklist utilizado incluiu a avaliação de 18 pontos relativos às matérias-primas, produção, embalagem, armazenamento, transporte, limpeza e higiene do estabelecimento e dos funcionários. Após a aplicação dos questionários, os dados obtidos foram convertidos em percentual de adequação e classificados em excelente (100% a 90%), muito bom (89% a 80%), bom (79% a 70%), regular (69% a 60%) e ruim (menos de 59%). Para cada fiscalização foram implementadas medidas em forma de instruções aos colaboradores envolvidos no processo.

2.3 Análises microbiológicas

Amostras de embutidos frescos foram coletas uma vez por mês nas salas de produção e armazenamento dos estabelecimentos. As amostras foram coletadas de acordo com um esquema pré-determinado em que uma linguiça frescal foi selecionada aleatoriamente e uma porção dela foi cortada com facas previamente esterilizadas. No momento da amostragem, as amostras estavam com temperatura entre 0° e 7°C. Após a coleta, as amostras foram embaladas esterilmente, armazenadas em temperatura de 5 a 7°C em recipiente isotérmico com gelo e enviadas ao laboratório para análise.

Na chegada ao laboratório, as amostras foram separadas de sua origem e codificadas de “1” a “10” dependendo da unidade de produção e analisadas quanto à presença de Salmonella spp, quantificação de bactérias coliformes termotolerantes, Staphylococcus coagulase positiva e Clostridium sulfito redutor.

A análise de Salmonella spp. (presença ou ausência) foi realizada conforme método ISO 6579:2002 (1212 International Organization For Standardization - ISO 6579:2002. Microbiology of food and animal feeding stuffs - horizontal method for the detection of Salmonella spp. 4.ed. Geneva, 2002.). A enumeração de bactérias coliformes termotolerantes foi realizada conforme método AFNOR, Certificado nº 3M 01/02-09/89 (1313 AFNOR Validation 3M 01/02-09/89C- 3M Petrifilm Coliform Count Plate (CC) for the enumeration of thermotolerant coliforms reading all colonies in all human products, 1989.). Os Staphylococcus coagulase-positivos foram contados de acordo com o método ISO 6888-1:1999 (1414 International Organization and Standarization - ISO 6888-1. Microbiology of Food and Animal Feeding Stuffs. Horizontal of Method for the Enumeration of Coagulase Positive Staphylococcus (Staphylococcus aureus and Other species). Technique Using Baird-Parker Agar Medium, International Organization Standarization, Geneva, 1999.). Finalmente, o número Clostridium sulfito redutore foi determinado de acordo com o método ISO 15213:2003 (1515 International Organization and Standarization - ISO 15213:2003. Microbiology of food and animal feeding stuffs - Horizontal method for the enumeration of sulfitereducing bacteria growing under anaerobic conditions, 2003.).

2.4 Análise estatística

As diferenças entre os trimestres dos anos e entre os estabelecimentos quanto à presença de Salmonella nas amostras e quanto ao número de outros microrganismos, foram determinadas por meio de uma análise de variância (ANOVA, one-way ANOVA) seguida pelo teste de diferença mínima significativa de Fisher (teste LSD, p <0,05).

3 Resultados e discussão

3.1 Adequação das boas práticas de fabricação nos estabelecimentos

Melhorias significativas na adequação das boas práticas de fabricação foram observadas em todas os estabelecimentos ao longo dos anos (Tabela 1), possivelmente devido às medidas implementadas através de treinamento. Este resultado confirma o relatado no estudo de Lopes et al. (22 Lopes LC, Prestes CF, Mendes LG, De Paula M, Augusto MMM, Da Cruz WS. Boas práticas de fabricação: treinamento aplicado aos manipuladores de alimentos de restaurante universitário. Brazilian Journal of Development. 2020;6(7):49282-49289. http://doi.org.br/10.34117/bjdv6n7-540
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), que encontraram uma melhoria de mais de 60% no índice de boas práticas de fabricação após a implementação de treinamento para produtores de alimentos. Segundo Vidal-Martins et al. (1616 Vidal-Martins AMC, Bürger KP, Aguilar CEG, Gonçalves ACS, Grisólio APR, Rossi GAM. Implantação e avaliação do programa de boas práticas de manipulação em açougues do Município de São José do Rio Preto - SP. Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal. 2014; 8(2): 73-86. http://dx.doi.org/10.5935/19812965.20140022
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), a implementação de boas práticas de fabricação em estabelecimentos produtores de linguiças é difícil porque o monitoramento não é suficientemente rigoroso. Portanto, a formação dos trabalhadores nestes estabelecimentos era, em última análise, inadequada. Esse resultado vai ao encontro dos achados do presente estudo, pois não houve apenas fiscalização rigorosa, mas também orientação aos interessados.

Tabela 1
Classificação das instalações em termos de grau de adequação por trimestre para 2014, 2015 e 2016, Alegrete, RS, Brasil.

Outros possíveis fatores que levaram à aquisição destes dados foram os investimentos realizados no serviço de fiscalização neste período, com aquisição de consumíveis e obras que permitiram uma melhor formação do pessoal e medidas de fiscalização eficazes. Cabe destacar que a melhoria observada de 2014 para 2016 resulta em maiores benefícios de saúde pública para os consumidores que têm acesso a um produto com maior segurança alimentar.

3.2 Controle microbiológico das linguiças frescais

Também foram observadas melhorias nas análises microbiológicas, o que pode estar relacionado ao treinamento e comprometimento de toda a equipe na aplicação das boas práticas de fabricação. Esses resultados confirmam os achados de Senter et al. (1717 Senter L, Rossi EM, Sardiglia CU. Avaliação da qualidade microbiológica de salames artesanais e implantação de Boas Práticas de Fabricação em uma mini-indústria. Revista Higiene Alimentar, 2010; 24:186-187.), que constataram diminuição da contaminação de produtos cárneos após treinamento da equipe. Ao avaliar o número de Clostridium sulfito redutor (Tabela 2), constatou-se diminuição na contaminação das linguiças frescais da cidade de Alegrete na comparação entre 2014 e 2016. Porém, não houve diferenças significativas (p < 0,05) nas contagens bacterianas entre os trimestres e entre os 10 estabelecimentos estudados.

Tabela 2
Quantidade total de Clostridium sulfito redutor em linguiças frescais nos estabelecimentos por trimestre para 2014, 2015 e 2016, Alegrete, RS, Brasil.

Em estudo realizado com salsichas testadas, Montovani et al. (1818 Mantovani D, Corazza ML, Cardozo Filho L, Costa SC. Avaliação higiênico-sanitária de linguiças tipo frescal após inspeção sanitária realizada por órgãos federal, estadual e municipal na região noroeste do Paraná. Revista Saúde e Pesquisa. 2011; 4:357-362.) encontraram níveis Clostridium sulfito redutor dentro dos parâmetros da legislação que podemos correlacionar com os dados encontrados. Esses resultados podem estar associados aos seguintes fatores: Cumprimento das normas de controle e ações corretivas quando forem encontrados desvios no checklist.

A legislação brasileira vigente (Instrução Normativa - IN Nº 161, de 1º de julho de 2022, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, do Ministério da Saúde - MS do Brasil) não estabelece parâmetros para Clostridium perfringens em embutidos frescos, mas para produtos à base de carne cozida, curada ou não, fumada ou não, seca ou não, enchidos ou não, refrigerados ou não (mortadela, enchidos, presunto, morcela, patês, galantinas) um valor máximo de 103 (3 log. UFC.g-1) para Clostridium perfringens. Olhando para estes últimos parâmetros, apenas quatro amostras apresentaram valores acima do nível máximo permitido.

A contaminação de alimentos por Salmonella spp. é uma das principais causas de doenças no mundo, causada por alimentos contaminados, o que é prejudicial à saúde pública. De acordo com a legislação brasileira, a presença de Salmonella spp. em embutidos frescos não é permitida (66 Brazil. Ministry of Health. Outbreaks of Waterborne and Foodborne Diseases Report - 2023 from: < https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/dtha/publicacoes/surtos-de-doencas-de-transmissao-hidrica-ealimentar-no-brasil-informe-2023>
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). No entanto, a presença de Salmonella spp. foi detectada em algumas das amostras analisadas (Tabela 3). Este resultado é consistente com os resultados do estudo de Pavelquesi et al. (77 Pavelquesi SLS, Gomes BIBJ, Franca SR, Silva ICR, Orsi DC. Qualidade microbiológica de linguiças de frango do tipo frescal comercializadas no Distrito Federal, Brasil. Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal. 2021; 15(1):1-12.), que encontraram a presença do microrganismo em 25% das amostras de linguiças frescais de frango analisadas no Distrito Federal, e com o estudo de Cabral et al. (1919 Cabral CC, Conte-Junior CA, Silva JT, Paschoalin VMF. Salmonella spp. contamination in fresh pork and chicken sausages marketed in Niterói and Rio de Janeiro, Brazil. Journal Für Verbraucherschutz Und Lebensmittelsicherheit. 2014; 9(3):243-249.), que constataram a presença de Salmonella spp. em 26% dos embutidos frescos de frango e de porco analisados.

Tabela 3
Presença de Salmonella spp em linguiças frescais em estabelecimentos produtores por trimestre para 2014, 2015 e 2016, Alegrete, RS, Brasil.

Ao comparar as amostras quanto à presença ou ausência de Salmonella spp. nos trimestres e anos não houve diferenças significativas, demostrando que a contaminação não teve relação com o período estudado, mas houve diferença significativa (p < 0,05) entre os estabelecimentos de produção. Como pode ser observado na tabela 3, o local de produção “1” foi estatisticamente diferente dos demais, com exceção dos locais de produção “5” e “7”.

Esta contaminação pode estar relacionada com o fato desses estabelecimentos de produção de alimentos estarem menos alinhados com as boas práticas, o que exige um trabalho mais eficaz para melhorar as condições sanitárias e higiénicas. Souza et al. (2020 Souza M, Pinto FGS, Bona EAM, Moura AC. Qualidade higiênicosanitária e prevalência de sorovares de Salmonella em linguiças frescais produzidas artesanalmente e inspecionadas, comercializadas no oeste do Paraná, Brasil. Arquivos do Instituto Biológico. 2014;81 (2), 107-112.) constataram em seu estudo que 30% das amostras de linguiças frescas estavam contaminadas com Salmonella spp. Alberti e Nava (2121 Alberti J, Nava A. Avaliação higiênicossanitária de linguiças tipo frescal comercializadas a granel por supermercados e produzidas artesanalmente no município de Xaxim, SC. Unoesc & Ciência. 2014; 5(1):41-48.) encontraram 67%. Esses autores citaram a produção de matérias-primas contaminadas e/ou industrialização sem cuidados higiênicos como possíveis causas de contaminação. Estas também poderiam ser as causas da presença de Salmonella spp. nas amostras deste estudo, o que exige um controle mais efetivo dos estabelecimentos produtivos “1”, “5” e “7”.

O terceiro trimestre inclui os meses frios (julho, agosto) e este pode ter sido um dos fatores que causou esta diferença. Entre os estabelecimentos produtores, todas as amostras apresentaram coliformes termotolerantes, mas os estabelecimentos produtores “3”, “9” e “10” tiveram os menores valores e foram estatisticamente diferentes (p < 0,05) dos demais, com valores menores, o que pode ser verificado na Tabela 4.

Tabela 4
Número de coliformes termotolerantes em embutidos frescos nos estabelecimentos de produção por trimestre para 2014, 2015 e 2016, Alegrete, RS, Brasil.

Os coliformes termotolerantes são indicadores das condições higiênicas e sanitárias dos alimentos (2222 Damer JRS, Dill RE, Gusmão AA, Moresco TR. Contaminação de Carne Bovina Moída por Escherichia coli e Salmonella sp. Contexto Saúde. 2014; 14(26):20-27.). Neste estudo, ao comparar os trimestres do período de 2014 a 2016 (Tabela 4), foi encontrada diferença significativa (p < 0,05) entre o 3º trimestre e os demais trimestres, sendo os menores valores para esses microrganismos no terceiro trimestre.

Segundo Sirtoli e Comarella (2323 Sirtoli DB, Comarella L. O papel da vigilância sanitária na prevenção das doenças transmitidas por alimentos (DTA). Revista Saúde e Desenvolvimento. 2018; 12:197-209.), a contaminação dos alimentos está intimamente relacionada à má higiene das mãos, temperaturas inadequadas, contaminação cruzada e recontaminação. Dentre esses fatores, no presente estudo, podemos incluir a temperatura das áreas de produção, pois nos estabelecimentos “3”, “9” e “10” a temperatura ambiente nas áreas de produção manteve-se estável em valores inferiores ou iguais a 10° C devido aos sistemas de refrigeração industrial, o que também confirma os dados da Tabela 4, que mostram a influência da temperatura, onde nos trimestres mais frios diminuiu a contaminação por coliformes termotolerantes.

Os resultados sobre o número de Staphylococcus coagulase positiva podem ser observados na tabela 5.

Tabela 5
Número de Staphylococcus coagulase positiva em linguiças frescais em estabelecimentos de produção por trimestre para 2014, 2015 e 2016, Alegrete, RS, Brasil.

Nos estabelecimentos produtores “5”, “7” e “8”, o número de Staphylococcus coagulase positiva diferiu significativamente (p < 0,05) dos demais e foi menor que nos estabelecimentos produtores “1”, “3” e “4”. Considerando que os operadores são a principal fonte de Staphylococcus coagulase positiva, fatores como a alta rotatividade de funcionários e a falta de treinamento contínuo dos operadores nos estabelecimentos produtivos “1”, “3” e “4” poderiam estar relacionados a esses resultados.

Souza et al. (2020 Souza M, Pinto FGS, Bona EAM, Moura AC. Qualidade higiênicosanitária e prevalência de sorovares de Salmonella em linguiças frescais produzidas artesanalmente e inspecionadas, comercializadas no oeste do Paraná, Brasil. Arquivos do Instituto Biológico. 2014;81 (2), 107-112.), em estudo com embutidos frescos controlados e artesanais, demonstraram a presença de Staphylococcus coagulase positiva nas amostras analisadas, encontraram maior contaminação em embutidos artesanais e associaram isso à manipulação excessiva e à falta de controles higiênicos. Na presente pesquisa foram analisadas amostras de linguiças frescais controladas. Verificou-se que o número de Staphylococcus coagulase positiva foi maior em alguns estabelecimentos de produção (Tabela 5) do que nos demais, mas dentro dos limites estabelecidos pela legislação brasileira.

4 Conclusão

Os resultados obtidos mostram que a capacitação dos estabelecimentos produtores de embutidos cárneos, especialmente linguiças frescais em Alegrete, RS, Brasil, entre 2014 e 2016 trouxe grandes melhorias em termos de boas práticas de fabricação. Verificou-se que a contaminação com Clostridium sulfito redutor diminuiu. A legislação brasileira atual não estabelece parâmetros para Clostridium perfringens em linguiças frescais, mas para outros produtos um valor máximo de 103 (3 log.UFC.g-1) para Clostridium perfringens, se considerarmos estes últimos parâmetros, apenas quatro amostras possuem contagens acima do máximo permitido. Contudo, em alguns estabelecimentos de produção, níveis mais elevados de Staphylococcus coagulase-positiva e especialmente Salmonella spp. foram detectados mais do que outros, exigindo uma intervenção mais forte, reciclagem de pessoal e um controle mais eficaz de todas as fases de produção. Menores níveis de coliformes termotolerantes foram encontrados em câmaras frigoríficas e em estabelecimentos de produção com controle eficaz de temperatura, demonstrando a importância da adaptação da refrigeração ao ambiente de produção.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2023
  • Aceito
    05 Dez 2023
  • Publicado
    21 Dez 2023
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