DOI: 10.1590/1809-6891v19e-49880
RECURSOS PESQUEIROS E ENGENHARIA DE PESCA


AVALIAÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE A DIVERSIDADE DE PEIXES, CRUSTÁCEOS E MOLUSCOS NAS ÁGUAS MARINHAS DO ESTADO DO MARANHÃO, COSTA NORDESTE DO BRASIL

KNOWLEDGE ASSESSMENT OF THE DIVERSITY OF FISH, CRUSTACEANS AND MOLLUSCS IN THE MARINE WATERS OF MARANHÃO STATE, NORTHEAST COAST OF BRAZIL


Rayssa de Lima Cardoso1*
Adriana do Nascimento Cavalcante2
Hetty Salvino Torres2
Karla Bittencourt Nunes2
Cássia Fernanda Chagas Ferreira2
Raimunda Nonata Fortes Carvalho-Neta2


1Universidade Estadual Paulista - UNESP, Instituto de Ciência e Tecnologia, Sorocaba, SP, Brasil.
2Universidade Estadual do Maranhão, São Luis, MA, Brasil.
*Autora para correspondência - rayssalc22@gmail.com


Resumo
Neste estudo objetivou-se produzir uma síntese do conhecimento sobre o número de espécies, a quantidade de especialistas e de guias de identificação de três táxons marinhos da costa maranhense: peixes, moluscos e crustáceos. Para esta pesquisa foram utilizadas métricas de classificação do estado de conhecimento: riqueza de espécies, número de espécies exóticas, quantidade de guias de identificação e especialistas. Foram pesquisadas as principais bases de dados de periódicos científicos em um período compreendido entre de 1990 e 2015. O estado de conhecimento de cada grupo taxonômico marinho variou de um a cinco, sendo cinco = muito bem conhecido e um = desconhecido. O táxon "peixe" está representado por 303 espécies e o grupo crustáceos por 205 espécies, tendo os dois um estado de conhecimento igual a três. O grupo de moluscos contabilizou 81 espécies, sendo classificado como dois na escala de estado de conhecimento. O número de espécies marinhas registradas ressalta a importância de políticas públicas e incentivos nacionais que visem o aumento de estudos na área de diversidade, tanto para o desenvolvimento de medidas de conservação e manutenção biológica, como para o conhecimento dos recursos naturais da região.
Palavras-chave: biodiversidade; espécies; estado de conhecimento; Maranhão.

Abstract
This study aimed to synthetize the knowledge on the number of species, the number of experts and identification guides of three marine taxa of the coast of Maranhão State: fish, mollusks, and crustaceans. For this research, metrics were used to classify the state of knowledge: species richness, number of exotic species, number of identification guides and specialists. The main databases of scientific journals were searched between 1990 and 2015. The state of knowledge of each marine taxonomic group ranged from one to five, five = very well-known and one = unknown. The "fish" taxon is represented by 303 species and the group crustaceans by 205 species, both having a knowledge state equal to three. The group of mollusks counted 81 species, being classified as two in the state of knowledge scale. The number of marine species recorded highlights the importance of public policies and national incentives aimed at increasing studies in the area of ​​diversity, both for the development of biological conservation and maintenance measures and for the understanding of the natural resources of the region.
Keywords: biodiversity; Maranhão; species; state of knowledge.


Recebido em: 20 de outubro de 2017.
Aceito em: 16 de maio de 2018.


Introdução



A diversidade biológica do Brasil, em termos de fauna e flora, é altamente heterogênea e um dos elementos mais característicos do país. Sua riqueza biológica juntamente à de países como Madagascar e Indonésia, já foi reconhecida como "megadiversa", termo que evidencia o quanto esses países são referências em patrimônio biológico(1-2). E de acordo com as últimas publicações oficiais do Governo Federal brasileiro, a diversidade do país é a maior do planeta, abrigando mais de 117.000 espécies faunística e mais de 46.000 espécies de plantas, algas e fungos(3).

Vale ressaltar que as abundâncias de taxa descritas tanto para o Brasil quanto para o mundo não são exatas, e isso ocorre principalmente pela dificuldade de se inventariar grandes extensões territoriais e atender às particularidades existentes nos ambientes, sejam eles terrestre ou aquático. Em relação ao conhecimento da diversidade biológica mundial, o último levantamento desenvolvido durou cerca de dez anos (2000-2010) e ficou conhecido como o Censo da Vida Marinha (4). A pesquisa foi constituída por uma equipe de 2.700 pesquisadores de diferentes nacionalidades e resultou na descrição de 1.200 novas espécies, juntamente com a estimativa de 230 mil novas espécies de plantas, invertebrados, peixes e outros vertebrados marinhos.

Costello et al.(4), através do Censo da Vida Marinha, estimaram que podem existir entre 1.000.000 a 1.400.000 espécies marinhas no planeta Terra a serem identificadas. Essas estimativas servem para alertar o quanto da nossa biodiversidade ainda é subestimada. Destaca-se assim o desafio dos pesquisadores brasileiros que atuam nas grandes áreas da biodiversidade, de diminuírem as lacunas existentes no conhecimento da riqueza biológica através do conhecimento científico, gerando o desenvolvimento do país(5).

Nesse contexto, o Estado do Maranhão, situado na Costa Nordeste do Brasil, ganha destaque ecológico no cenário nacional(6-8). Geograficamente localizado em uma área transicional sob a influência de três grandes domínios biogeográficos, o bioma da Amazônia, Caatinga e Cerrado, o Maranhão aparece como uma das áreas brasileiras de maior diversidade animal e vegetal(8-10). Contudo, apesar dessa posição, não há pesquisas que apresentem uma síntese acerca do que se conhece da biodiversidade na região, principalmente dos recursos pesqueiros(7,11-12). Assim, no presente estudo objetivou-se produzir uma síntese do conhecimento sobre o número de espécies de três táxons marinhos da costa maranhense: peixes, moluscos e crustáceos. Para isso, além das buscas por espécies descritas para região, utilizou-se duas métricas relacionadas à análise de conhecimento existente sobre diversidade: a quantidade de especialistas locais e a existência de guias de identificação especializados nos grupos taxonômicos regionais, partindo da hipótese de que a quantidade de espécies descritas para uma região está relacionada diretamente à quantidade de pesquisadores especializados e ainda à disponibilidade de guias de identificação específicos para as espécies locais. Dessa forma, as informações sobre o conhecimento da riqueza animal marinha da porção oriental da Amazônia Brasileira (Maranhão), constitui uma contribuição acerca da biodiversidade brasileira, subsidiando a definição de ações prioritárias para a sua conservação.


Material e Métodos



A presente síntese do conhecimento científico foi produzida com base em uma ampla revisão de trabalhos publicados em periódicos especializados, livros e bases de dados online, como: Scielo (Scientific Eletronic Library Online), Portal de Periódicos Capes, Science Direct, Web of Science, Scopus, FishBase, considerando um período compreendido entre de 1990 e 2015. A busca nas plataformas se deu por meio das palavras-chave: peixe(s), pisce, fish, crustáceo(s), crustacea, molusco(s), mollusca. Nesta pesquisa, somente as espécies do ambiente marinho foram contabilizadas (durante a formulação da lista de espécies de crustáceos maranhenses, considerou-se tanto macrocrustáceos quanto microcrustáceos).

Além das diversas combinações e filtros para a contabilização da quantidade de espécies, buscou-se a identificação de espécies exóticas, como indicador de distúrbios antrópicos nos ecossistemas; identificação de espécies endêmicas, baseando-se na singularidade da biota; a identificação de guias ou chaves de identificação taxonômicas feitas por autores do Maranhão e/ou para espécies da região, determinando um melhor conhecimento e diferenciação da biodiversidade local; e, por fim, a quantificação de especialistas, como um indicativo de recursos humanos especializados, aptos para melhorar o conhecimento da diversidade biológica.

Segundo Bouchet(13); Boero(14); Costello et al.(4;15) e Lewinsohn e Prado(5), as métricas aqui mencionadas complementam o levantamento numérico de espécies, auxiliando nas forçantes que atuam no estado de conhecimento acerca da diversidade. A elaboração de chaves de identificação que contemplem as peculiaridades dos táxons regionais, por exemplo, aumenta a possibilidade da identificação e diferenciação de espécies tipicamente maranhenses. Além disso, uma maior quantidade de especialistas contribui ativamente para produção de dados científicos dos diferentes taxa aqui analisados.

Definidas as métricas, o estado de conhecimento de cada grupo taxonômico marinho do Maranhão foi classificado de acordo com uma adaptação da metodologia proposta por Costello et al.(4). Nesse contexto, considerou-se uma escala variando de um a cinco, sendo cinco = muito bem conhecido, com mais de 80% de espécies descritas do total descrito nacionalmente, guias de identificação com menos de 20 anos e vários especialistas em taxonomia; quatro = bem conhecido: mais 50% de espécies descritas, vários guias de identificação, mais de cinco especialistas taxonômicos; três = pouco conhecido, com menos de 50% das espécies descritas, poucos guias de identificação (antigos, incompletos ou nenhum) e um a cinco especialistas na região; dois = muito pouco conhecido, apenas algumas espécies registradas, não há guias de identificação, sem especialistas; um = desconhecido, não há espécies registradas, não há guias de identificação, nenhum especialista taxonômico.

Para o levantamento da quantidade de especialistas que pesquisam os grupos de peixes, crustáceos e moluscos, foi feita uma busca no banco de currículos Lattes, do CNPq, aferindo-se o número de sistematas/taxonomistas que atuam no estado do Maranhão, além da inclusão de especialistas externos que contribuíram com trabalhos de alta relevância desses grupos taxonômicos para o estado. As buscas foram realizadas por grupo taxonômico selecionado, nas diversas combinações possíveis de nomes que pudessem representá-los, utilizando como filtros a titulação mínima de doutor, a vinculação a uma instituição brasileira e a atuação em Ciências Biológicas (Zoologia). Houve uma restrição temporal aos currículos que foram atualizados nos últimos 48 meses até 2015. Foram considerados como "sistematas" os pesquisadores que assim se autodenominaram ou que incluíam "Taxonomia" ou "Sistemática" em alguma de suas linhas de pesquisa, mesmo que não fosse a principal. Alguns pesquisadores foram computados para mais de um grupo taxonômico quando informaram possuir especialização no táxon ou apresentaram publicações relacionadas.

Realizou-se ainda uma análise de componente principal (ACP) de modo a explicar a estrutura e relações entre as variáveis analisadas: a diversidade estudada (riqueza total de espécies, espécies exóticas e endêmicas), nível do estado de conhecimento acerca dos grupos biológicos e número de especialistas identificados no estado do Maranhão. Os dados brutos foram estandardizados e, para verificação do grau de correlação, foi gerado um biplot entre os componentes um e dois, que ilustraram a distribuição das variáveis com padrões de associação, ou não, com a riqueza contabilizada. A análise estatística foi realizada no programa PAST 2.17(16) com nível de significância de α = 0,05(17).


Resultados



Os dados obtidos referentes à riqueza dos taxa de peixes, crustáceos e moluscos com ocorrência na costa do Estado do Maranhão revelaram baixo número de espécies e de especialistas (Tabela 1), quando comparados ao estado de conhecimento regional e nacional. A fauna marinha da costa do Maranhão mostrou-se bem inferior ao total de espécies registrado para o país.

Para os peixes, houve o registro de apenas uma espécie exótica, a Omobranchus punctatus (Valenciennes 1836) registrada por Lasso-Alcalá et al.(18), com distribuição associada ao movimento de navios entre os portos próximos à foz do rio Amazonas. Em geral, os Osteichthyes constituem o grupo com maior número de espécies descritas, com 296 taxa, enquanto que os Chondrichthyes contam com 37 espécies registradas para a costa maranhense.

Com relação ao número de especialistas em ictiofauna, registrou-se atuação de três, sendo que um destes tem maior produção, inclusive com publicação de chaves de identificação para peixes de água doce(19). Contabilizou-se, ainda, dois especialistas externos que contribuíram com dois importantes e pioneiros levantamentos ictiofaunísticos do Maranhão(20,21), sendo enquadrados na categoria de "especialistas externos". Vale destacar a contribuição de Rocha e Rosa(21) que documentaram de forma pioneira a diversidade de peixe no Parque Estadual Parcel Manuel Luiz (uma riqueza de 132 espécies). O estado de conhecimento do grupo dos peixes marinhos no Maranhão foi classificado como de nível três, em que menos de 50% das espécies são descritas, em relação ao total de espécies da costa brasileira; não há guias de identificação para peixes marinhos e três especialistas pesquisam o táxon na região.

Os crustáceos marinhos com ocorrência na costa do Maranhão representam 8,2% da riqueza nacional. A partir da lista de espécies gerada, identificou-se quatro delas como exóticas, entre elas duas espécies de craca Striatobalanus amaryllis (Darwin 1854) e Amphibalanus reticulatuss (Utinomi 1967); uma espécie de camarão Litopenaeus schmitti (Burkenroad 1936) e um siri Charybdis hellerii (Milne-Edwards 1867). Não houve registro de endemismo para o grupo Crustacea, o que deve ser atribuído principalmente à característica cosmopolita dos integrantes desse táxon.

No que se refere aos recursos humanos especializados no táxon "crustáceo", identificou-se cinco especialistas no estado do Maranhão. Contabilizou-se, ainda, dois especialistas externos que contribuíram significativamente para o conhecimento da fauna de crustáceos do estado, sendo enquadrados na categoria de "especialistas externos"(22). O estado de conhecimento do grupo Crustacea no Maranhão também foi classificado como de nível três.

Já a pesquisa para o grupo dos Mollusca registrou a ocorrência de 81 espécies na costa maranhense. Não há registro de espécies endêmicas e exóticas. No que diz respeito ao número de especialistas em moluscos, percebe-se uma certa complexidade na tentativa de categorizar os autores de trabalhos pioneiros realizados para o táxon na costa do Maranhão, uma vez que esses autores realizaram trabalhos únicos, que, no entanto, representam o pioneirismo no inventariamento da malacofauna maranhense, como Mattews et al.(23) e Oliveira e Mochel(24). Quanto aos guias de identificação disponíveis para moluscos, contabilizou-se apenas um guia, uma publicação recente, que se mostra incompleto por contemplar apenas 18 espécies e não apresentar chave para a identificação(25).

Desse modo, considerando os indicadores acima apresentados para o táxon "moluscos", o estado de conhecimento desse grupo foi classificado como dois, em que menos de 10% das espécies são descritas, não há guias de identificação de espécies e nem especialistas em sistemática/taxonomia.

A Análise de Componente Principal (ACP) revelou que os eixos 1 e 2 explicaram 100% da variabilidade dos dados, indicando um valor máximo de correlação entre as variáveis plotadas. Em que o eixo 1 foi responsável por 76,166% do valor, ou seja, as variáveis estiveram mais correlatas neste eixo e consequentemente, contribuíram mais para o cálculo dos escores. Já o eixo 2 contribuiu com 23,834% (Figura 1) dos valores de "loadings" e as métricas estabelecidas para peixes, crustáceos e moluscos ficaram próximas ao círculo unitário, demonstrando que todas têm relevância dentro do conjunto amostral.

Do ponto de vista da conformidade dos dados, de acordo com o eixo das componentes, foi observada uma correlação positiva no eixo 1 com as variáveis "Riqueza Atual" e "Estado de conhecimento" junto ao grupo dos peixes. Apesar de estarem no eixo 1, as variáveis "Quantidade de Especialistas" e "Número de sp. Exóticas" apresentaram uma associação negativa agrupando-se ao grupo dos crustáceos (Figura 1). Isso se deve à robustez dos dados que o grupo "peixes" apresentou em termos numéricos.

Com relação ao eixo 2, o grupo molusco correlacionou-se negativamente com as outras métricas adotadas nesta análise, o que pode se atribuir ao baixo número encontrado na riqueza total (n=81), nenhuma espécie exótica identificada, menor número de especialistas (n=4) e de "estado de conhecimento" ter tido valor = 2, menor em relação aos grupos peixes e moluscos (Figura 1).


Discussão



Este levantamento sinaliza que houve um aumento do conhecimento da ictiofauna na costa norte do Brasil, uma vez que Camargo e Isaac(26) estimaram somente 191 espécies de peixes para as reentrâncias paraenses e maranhenses. Em nível nacional, a última listagem nacional de espécies de peixes marinhos foi elaborada por Menezes et al.(27) quando contabilizaram 139 espécies de peixes cartilaginosos marinhos e 1155 espécies de Osteichthyes em todo o Brasil.

Percebe-se que grande parte das espécies identificadas para o estado do Maranhão são espécies costeiras, com registro obtido a partir da frota comercial artesanal do estado ou a partir de inventários realizados em estuários localizados na Ilha do Maranhão, como os estudos pioneiros realizados no estuário do Rio Paciência por Silva-Júnior et al.(28), em estuários da Ilha dos Caranguejos por Carvalho-Neta e Castro(29) e por Pinheiro Júnior et al.(30) em estuários do Rio Anil. Outra grande contribuição ao estudo da biodiversidade íctica na costa do maranhão é proveniente de estudos relacionados às áreas de influência de empreendimentos instalados na região e que demandaram avaliação de impacto ambiental, resultando em valiosas contribuições ao conhecimento, como Castro et al(31). Por outro lado, são escassos os inventários da ictiofauna demersal e do talude e que poderiam elevar a riqueza da ictiofauna maranhense.

Considerando a extensão do litoral maranhense de 640km e as condições fisiográficas e geográficas que contribuem positivamente para a existência de ambientes favoráveis ao desenvolvimento de uma grande diversidade de peixes(32,33), a riqueza estimada na presente revisão é considerada baixa, mas é também uma tentativa pioneira e necessita de aprofundamentos.

Camargo e Isaac(26) atribuem esse cenário ao número reduzido de sistematas atuando na região Norte do Brasil. Marques e Lamas(34), em um levantamento sobre o panorama atual da sistemática no Brasil, identificaram 542 pesquisadores, dos quais 10,5% atualmente na região Norte e 12,4% para o Nordeste. Na costa Norte, essa diferença é reflexo do pequeno número de pesquisadores trabalhando com a sistemática, biologia e ecologia de peixes marinhos.

Quanto aos crustáceos, a identificação de espécies exóticas no estado do Maranhão denota de uma estreita relação com a problemática de bioinvasão portuária, considerada a segunda maior causa de perda de diversidade biológica e que causa inúmeras mudanças na estrutura dos ecossistemas(35-37). Por serem considerados organismos cosmopolitas e se distribuírem tanto em ambiente marinho como dulcícola, esse grupo constitui um importante recurso pesqueiro das escalas regionais a mundiais, com a comercialização em larga escala de camarões, lagostas, caranguejos e siris.

Em todo o mundo já foram descritas aproximadamente 68.200 espécies de crustáceos, no Brasil foram reconhecidas mais de 4000 espécies(3). Entretanto, segundo Martin e Davis(38) "nenhum grupo de plantas ou de animais no planeta apresenta a amplitude de diversidade morfológica observada entre os crustáceos", evidenciando o desafio de registrar ou alcançar um número, aproximado, das espécies existentes em determinadas regiões do planeta.

A composição taxonômica do grupo Mollusca mostrou-se relacionada principalmente às zonas de manguezais e, como descrito por Aveline(39) e Barroso e Matthews-Cascon(40), os moluscos destacam-se dentre os grupos mais representativos do ecossistema manguezal com várias famílias pertencentes às classes Gastropoda e Bivalvia residentes nesse ambiente. A relação desses organismos com a vegetação de mangue é favorável na costa Norte do Brasil, pois, ao longo dos estados do Pará e Maranhão, os manguezais formam uma faixa extensa e contínua de cerca de 700 mil hectares, ou seja, quase 85% de todo manguezal brasileiro, seguido do curso de numerosos estuários e baías(41-43).

A falta de sistematas com produção regular esbarra na baixa produção bibliográfica para o táxon Mollusca com grandes lapsos temporais de produção. Nos estudos realizados por Mattews et al.(23) e Costa e Melo(44), 17 espécies tiveram um único registro de ocorrência nas décadas de 1970 e 1980, sendo que, para apenas uma espécie (Naticarius canrena), houve reamostragem recentemente(25). Por outro lado, há um crescimento na formação de especialistas em malacofauna continental, em função de muitas espécies apresentarem interesse médico-veterinário, sendo observado registro de novas espécies no estado do Maranhão(45). E há um crescimento da pesquisa e formação de recursos humanos em ostreicultura na costa do Maranhão, apesar da falta de especialistas em taxonomia/sistemática para o táxon Mollusca no estado do Maranhão.

Nos dados levantados, observa-se um aumento no quantitativo de profissionais ligados à temática de Taxonomia e Sistemática no Maranhão. Pois, avaliando a distribuição dos profissionais que se intitulavam sistematas em Zoologia no Brasil feita por Marques e Lamas(34), a grande maioria destes profissionais se concentrava na região Sudeste (51,7%) e Sul (21,6%), seguidos por Nordeste (12,4%) e Norte (10,5%) e Centro-Oeste (3,7%), sendo que o Maranhão tinha em 2006 apenas três sistematas na área de Zoologia.

A Análise de Componente Principal demonstrou que as variáveis selecionadas refletem o cenário da pesquisa zoológica taxonômica do Maranhão, no qual os grupos mais estudados são peixes e crustáceos, consequentemente são fornecidas maiores informações a respeito das métricas de diversidade estabelecidas (riqueza total de espécies, espécies exóticas e endêmicas), nível do estado de conhecimento (os valores variando de um a cinco) e o número de especialistas identificados no estado, diferentemente do táxon "molusco". Isso se atribuiu à robustez dos dados com que o grupo dos peixes e crustáceos apresentaram em termos numéricos.

Assim, podemos destacar outra ferramenta de melhoria no processo de formulação de conhecimento biológico: a formulação de revisões taxonômicas consistentes para a maioria dos táxons(34,46). Como uma revisão taxonômica é base para outros produtos taxonômicos, manuais adequados, chaves de identificação e catálogos poderiam refletir a diversidade biológica do Brasil. Assim, trabalhos de revisão de base e seus desdobramentos precisam ser incentivados para evitar a impropriedade de se utilizar manuais e chaves de outras regiões para tentar reconhecer espécies da fauna do estado do Maranhão, por exemplo.

Desse modo, ressalta-se a importância de políticas públicas e incentivos nacionais que visem a formação de profissionais atuantes e com titulações acadêmicas como mestrado, doutorado e pós-doutorado que publiquem trabalhos disseminando conhecimentos com seus resultados e contribuindo, assim, para o desenvolvimento de medidas de conservação, manutenção da biodiversidade, identificação e catalogação dos recursos pesqueiros.


Conclusão



A pesquisa revelou que o estado do Maranhão apresenta um "status" de conhecimento ascendente sobre a diversidade marinha dos principais grupos de recursos pesqueiros: peixes, crustáceos e moluscos. Todavia, muitas lacunas ainda dificultam as informações acerca da descrição de espécies que compõem a diversidade biológica da região.

A existência de poucos especialistas aptos a descrever a biodiversidade local, associado à ausência de guias/chaves de identificação regionais ou específicas de espécies maranhenses e a baixa identificação de espécies classificadas como exóticas e/ou endêmicas, reforçam que pesquisas com enfoque em taxonomia, sistemática, ecologia, distribuição biogeográfica, entre outros ramos, servem como descritores fundamentais da diversidade biológica.

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