DOI:
10.1590/1809-6891v19e-44099
MEDICINA VETERINÁRIA
CÉLULAS FETAIS BOVINAS DE CULTIVO PRIMÁRIO SUBMETIDAS A
DIFERENTES PRESSÕES NEGATIVAS ANTES DO CONGELAMENTO EM PALHETAS
FETAL BOVINE PRIMARY CULTURE CELLS SUBMITTED TO DIFFERENT NEGATIVE
PRESSURES BEFORE STRAW FREEZING
Diana de Matia Liposki1
Lain Uriel Ohlweiler1
Joana Claudia Mezzalira1
Cláudio Francisco Brogni1
Larissa Goulart Silva1
Alceu Mezzalira1*
Recebido em: 10 de novembro de 2016.
Aceito em:22 de fevereiro de 2018.
Introdução
Uma acelerada perda dos recursos genéticos animais vem ocorrendo em todo o mundo e, em função disso, muitos países têm incentivado ações para salvar espécies ameaçadas de extinção. Contudo, muitas dessas ações são inviáveis para a maioria das nações menos desenvolvidas(1). Assim, bancos genéticos baseados em células somáticas poderiam universalizar ações preservacionistas de maneira fácil e com custos bastante reduzidos(1). A metodologia permitiria transpor limitações produzidas por animais incapacitados de produzir gametas (castração, freemartinismo), ou em epizootias dramáticas que determinem o abate sanitário dos animais(2).
O emprego de células somáticas implica na necessidade de preservá-las até o momento da sua utilização. Em contraste com o que tem se observado no caso dos gametas de mamíferos, o congelamento de células somáticas pouco mudou nos últimos anos. A metodologia mais empregada utiliza o chamado Mr. Frosty (Nalgene(r)), equipamento que usa tubos criogênicos de 2,0 mL, mantidos em um recipiente que é transferido para ultra freezer (-80 °C), possibilitando uma curva de aproximadamente 1 °C/minuto, por 24 horas, após o que são armazenados em botijões criogênicos.
Pesquisas têm buscado aumentar a eficiência e a praticidade dos protocolos de criopreservação de células somáticas. Novas metodologias, como a vitrificação(3), variações na curva de congelamento e no tipo de crioprotetor(3-5), assim como a concentração de células(3,5) têm sido avaliadas. Distintos processamentos, tais como microencapsulação(6) e variados tipos de containers, tais como as palhetas(2), também foram testados. Dessa forma, existem novos conceitos que devem ser incorporados na metodologia de criopreservação de células, buscando ampliar a sobrevivência e a competência dessas células.
A submissão ao estresse controlado permite aumentar a criotolerância de diferentes estruturas, como gametas e embriões, e a pressão hidrostática é a forma mais empregada de estresse controlado. Todavia, o uso de pressão hidrostática nos sistemas biológicos é multifacetado. Células eucarióticas submetidas à pressão de até 100 MPa produzem uma resposta reversível similar às proteínas heat shock, sem afetar a viabilidade celular(7). Já células submetidas a pressões maiores, entre 100 e 200 Mpa, apresentam comportamento distinto, com indução de apoptose. Nosso grupo demonstrou que a pressão negativa é efetiva no aumento da criotolerância de blastocistos bovinos PIV, efeito que foi dependente do tempo entre a aplicação do estresse e a criopreservação(8). Entretanto, não existem estudos investigando o efeito gerado pela pressão negativa no desempenho pós-descongelamento de células somáticas, especialmente em palhetas.
Este estudo teve por objetivo avaliar a sobrevivência e a viabilidade de
células fetais bovinas de cultivo primário, submetidas a diferentes
pressões, imediatamente antes ou três horas antes de serem criopreservadas
em palhetas.
Material e métodos
O cultivo de células já previamente estabelecido em placas de Petri (100 mm), foi alocado nos tratamentos conforme os grupos experimentais, para que fossem submetidos à pressão negativa de 200, 500 ou 800 mbar, imediatamente antes do congelamento (tempo zero), ou três horas antes do congelamento (tempo 3h). Foram utilizados dois grupos controle: o primeiro composto por células frescas e o segundo por células congeladas, ambos sem a submissão à pressão negativa. Os critérios de viabilidade empregados foram a taxa de sobrevivência, o PDT e as curvas de crescimento após submissão aos tratamentos. As taxas de sobrevivência foram submetidas ao teste Qui quadrado, enquanto os dados de PDT e as curvas de crescimento foram submetidos à ANOVA e ao teste de Tukey. Todas as avaliações utilizaram o nível de significância de 5%.
Uma amostra de tecido foi retirada da orelha de uma bezerra natimorta, clone de uma vaca freemartin da raça Flamenga. Após desinfecção com álcool 70GL (30 segundos), os explantes foram mantidos em meio de cultivo D-MEM (Sigma, D-1152) com 10% de soro fetal bovino (Gibco 12484), 0,5 mg de penicilina (Sigma, S-1277), 0,5 mg estreptomicina (sigma, S-1277), 0,5 mg/mL anfotericina-B (Sigma, A-2411) por um minuto. Em seguida os explantes foram lavados por 30 segundos em D-PBS adicionado de 50 mg/mL de penicilina e 50 mg/mL de estreptomicina, colocados em meio de cultivo por um minuto e novamente lavados em D-PBS contendo 50 mg/mL anfotericina-B. Os explantes foram, então, lavados duas vezes em meio de cultivo por cinco minutos. O tecido cartilaginoso foi, então, isolado dos demais tecidos, sendo fatiado em peças de 1x4x4 mm de altura, comprimento e largura, respectivamente e cultivado em grupos de três explantes, em placas de petri de 35 mm. O cultivo foi realizado durante 10 dias a 38,5 °C, em atmosfera de 5% CO2 e umidade saturada. No décimo dia, os explantes foram removidos e as células proliferadas foram então tripsinizadas, homogeneizadas e semeadas para multiplicação. Para a tripsinização das células, o meio de cultivo foi removido, sendo adicionado uma solução com 0,25% de tripsina (Fisher, T360-500) e 5 mM EDTA (sigma, E-6758) em D-PBS, com incubação por três minutos a 38,5 °C. A tripsina era inativada com a adição de volume idêntico de meio de cultivo acrescido de 10% de soro fetal bovino. As células foram então centrifugadas por cinco minutos em 400 X g, sendo o sobrenadante removido e as células ressuspendidas em meio de cultivo e semeadas em placas de Petri (100 mm) em uma concentração de 7.800 células/cm². Então foram cultivadas até atingirem uma confluência mínima de 90%.
A placa de cultivo de 100 mm contendo as células aderidas foi colocada dentro do container hermético do equipamento (Nitrocooler), que foi fechado. O equipamento foi ligado e, através de uma válvula que era mantida semiaberta, obtinha-se a pressão desejada (200, 500 ou 800 mbar), por um minuto. Após isso, o equipamento era desligado, porém mantendo-se a válvula fechada por mais quatro minutos. Em seguida, a válvula era gradualmente aberta (5 mbar/seg), até atingir a pressão atmosférica. Após a aplicação da pressão, as células permaneciam em cultivo por três horas adicionais para o Grupo 3h, ou eram imediatamente tripsinizadas e congeladas (Grupo 0h). Como controle, um grupo não submetido à pressão era mantido em cultivo.
As células foram divididas em dois grupos, células congeladas imediatamente após a submissão à pressão negativa, e células congeladas após três horas da submissão à pressão negativa, período em que eram mantidas em cultivo a 38,5 ºC.
Para o congelamento, após a tripsinização, as células foram ressuspendidas em meio de congelamento (meio de cultivo com 10% de DMSO) em uma concentração de 1 x 106 células/mL.
As células eram, então, aspiradas para palhetas plásticas de 0,25 mL com auxílio de uma seringa de insulina, adaptada à extremidade da palheta que continha o lacre de álcool polivinílico. As células eram mantidas na parte central da palheta, entre duas bolhas de ar, para prevenir possíveis contaminações. O volume total do meio de congelamento contendo as células era 200 µL. As palhetas foram seladas por calor e transferidas para um refrigerador (5-7 °C) por 30 minutos. Após isso, as palhetas eram submetidas ao vapor de nitrogênio (4 cm acima do nitrogênio líquido) por cinco minutos e, então, mergulhadas no nitrogênio líquido. As palhetas eram, então, armazenadas em botijões criogênicos a -196 °C até o momento do da utilização nos grupos experimentais.
No descongelamento, as palhetas foram retiradas do botijão criogênico e mergulhadas em banho-maria a 36 °C por 20 segundos. As palhetas eram então desinfetadas com álcool 70 °GL e tinham as extremidades cortadas no local da bolha de ar. O meio contendo as células (aprox. 200 µL) era então depositado em tubo de microcentrífuga contendo 1 mL de meio de cultivo, sendo então homogeneizado e centrifugado a 400 x g por cinco minutos para remoção do meio contendo o crioprotetor. O pellet resultante era então ressuspendido em 50 µL de meio de cultivo fresco. Uma amostra das células (5 µL) era usada para avaliar a viabilidade das membranas, através da coloração em solução de azul de tripan (0,4%), entre lâmina e lamínula. Outra amostra (5 µL) era retirada para determinar a concentração em câmara hematocitométrica. O restante das células contidas na amostra era cultivado para avaliar a sua posterior capacidade de multiplicação.
Logo após a tripsinização, uma amostra de células dos grupos controles e experimentais era diluída 1:1 com Azul de Tripan a 0,4% e a proporção de células coradas (danificadas) era avaliada entre lâmina e lamínula em microscópio ótico. Um total de 200 células foi contada em cinco regiões da lâmina de cada palheta dos grupos tratamentos e controle.
A capacidade de proliferação de ambas as células, controle fresco e congeladas, foi avaliada semeando as células em uma concentração inicial de 1 x 105 células / mL. Para acessar o tempo de duplicação da população de células (PDT), utilizou-se um algoritmo que está disponível on-line: (http://www.doubling-time.com), TD = tx lg2 / (lgNt - lgN0), no qual N0 é o número de células semeadas/inoculadas, Nt é o número de células contadas ao final do cultivo e t é o tempo de cultura em horas. Nove poços de cada tratamento foram semeados em placas de 96 poços em cada replicação. A cada 24 horas, durante três dias de cultura, três poços de cada grupo foram tripsinizados e a população das células foi contada em câmara de hematocitometrica após coloração com azul de Tripan (apenas as células não coradas foram consideradas) de acordo com Freshney (Freshney, 2010).
Resultados
Quando a sobrevivência celular foi avaliada logo após o descongelamento, observou-se uma redução da viabilidade (P < 0,05) para as células submetidas ao congelamento, em comparação com as células frescas (Tabela 1). Apesar disso, observou-se elevada taxa de sobrevivência das células no pós-descongelamento do grupo controle congelado (89,8%).
Nos tratamentos em que a pressão negativa foi utilizada, observou-se um efeito significativo do momento da aplicação do tratamento. A submissão dos fibroblastos à pressão negativa três horas antes do congelamento reduziu a sobrevivência das células no pós-descongelamento. Com a pressão de 200 mbar, observou-se uma redução na viabilidade pós-descongelamento de 62,8% para 46,5%, enquanto que, com a pressão de 500 mbar, a redução foi de 88,1% para 68,7%. Já com a pressão de 800 mbar, a sobrevivência pós-descongelamento foi reduzida de 40,1% para 23,7% (Tabela 01).
Em todos os tratamentos, as curvas de proliferação apresentaram uma fase de latência, em que as células não apresentaram proliferação significativa por um período de 48 horas, seguida de um crescimento exponencial, até atingirem sua fase estacionária (plateau), no 5º ou 6º dia de cultivo.
As curvas de proliferação das células frescas e das células do congelamento controle demonstraram um comportamento semelhante na maioria das avaliações (Gráfico 1A). Foi observada uma redução no número médio das células congeladas em relação às células frescas no terceiro dia de cultivo, no momento em que se estabelece a fase log de desenvolvimento.
Embora não tenha ocorrido diferença estatística nos demais dias de cultivo, as células frescas atingiram o plateau no quinto dia de cultivo, um dia antes do que as células congeladas, que somente alcançaram o plateau no sexto dia de cultivo.
Já quando foram avaliadas as curvas de proliferação das células frescas e de células submetidas à pressão negativa de 200 mbar imediatamente antes (0 hora) ou três horas antes do congelamento, não foram observadas diferenças no número médio de células nos distintos dias de cultivo. O início da fase de plateau ocorreu no quinto dia de cultivo para os três grupos avaliados (Gráfico 1 B), em contraste com o grupo de células controle congeladas, que só atingiram a fase de plateau no sexto dia de cultivo (Gráfico 1A). Quando não houve intervalo para recuperação entre a submissão de pressão negativa de 200 mbar e o congelamento das células, esse grupo (200 mbar - 0h) teve um plateau mais longo do que os demais grupos (Gráfico 1B).
Durante a curva de proliferação, foi observada também uma particularidade em comum para dois grupos experimentais, sendo um submetido à pressão negativa e outro não. Tanto o grupo experimental controle congelado (Gráfico 1A) como o grupo pressão negativa 800-3h (Gráfico 1D) tiveram uma taxa de multiplicação celular mais lenta, resultando em menor número de células no início da fase log, em comparação aos demais grupos.
Cabe ressaltar que, embora com menor sobrevivência no pós-descongelamento, a submissão à pressão negativa de 200 mbar possibilitou às células sobreviventes viabilidade idêntica às células frescas. Como a concentração de células semeadas foi com base na sobrevivência, isso permitiu a obtenção de curvas de proliferação semelhantes entre os grupos PN 200 0h, PN 200 3h e grupo de células frescas.
As curvas de proliferação proporcionadas pelas células frescas e aquelas previamente submetidas à pressão negativa de 500 mbar tiveram um comportamento semelhante, não sendo observadas diferenças estatísticas (p<0,05). As células dos grupos frescas e 500 mbar 0h atingiram a fase de plateau no mesmo momento, no quinto dia de cultivo. Já o grupo 500 mbar 3h atingiu a fase de plateau apenas no sexto dia (Gráfico 1C).
Assim como verificado com o grupo PN 200 mbar, também foi observado um efeito positivo da submissão a PN 500 mbar, o que possibilitou idêntico desenvolvimento das células frescas ou congeladas em todos os dias de cultivo avaliados. Embora não sendo estatisticamente diferente, o grupo PN 500 mbar foi o único a possibilitar concentrações média acima de 45.000 células nos dias 6 e 7 de cultivo (Gráfico 1C). Todavia, as células submetidas a 500 mbar de PN três horas antes do congelamento demoraram mais tempo para atingir a fase de plateau.
Na avaliação das curvas de proliferação entre células frescas e células submetidas à pressão de 800 mbar, 0h e 3h antes do congelamento, observou-se uma redução no número de células do grupo 800 mbar 3h em relação aos demais grupos no terceiro dia de cultivo, o que coincide com o início da fase log. As células frescas tiveram um comportamento semelhante em todos os experimentos (Gráfico 1ABC), atingindo a fase de plateau no quinto dia de cultivo, um dia antes do que as células submetidas à pressão negativa de 800 mbar (sexto dia).
Já, ao atingirem a fase de plateau, não foram observadas diferenças entre os grupos experimentais (Gráfico 1D). Todavia, constata-se que a concentração média das células do grupo PN 800 foi inferior a 40.000 células durante o cultivo e que as células do grupo PN 800 3h tiveram uma concentração média máxima de 30.000 células, observadas no sétimo dia de cultivo.
O tempo necessário para a duplicação da população celular (PDT) nas células frescas (27,5 h) foi semelhante ao observado nas células congeladas (30,1 h). Já nos tratamentos submetidos à pressão negativa, o menor tempo de PDT foi observado no tratamento que aplicou a pressão negativa de 800 mbar, imediatamente antes do congelamento (21,9 h), que não diferiu do tratamento PN 500 0h (32,4 h), do controle fresco (27,5 h) e do controle congelado (30,1 h), sendo, porém, superiores aos demais tratamentos que empregaram a pressão negativa (PN 200 0 h - 40,4; PN 200 3 h - 34,8; PN 800 3h - 35,8 h).
Discussão
Neste estudo, na sobrevivência celular avaliada logo após o descongelamento, observou-se uma redução da viabilidade para as células submetidas ao congelamento, em relação às células frescas (Tabela 1). Apesar disso, a taxa de sobrevivência das células no pós-descongelamento foi bastante satisfatória, evidenciando a aplicabilidade do congelamento em palhetas plásticas, em substituição aos tradicionais containers de congelamento.
A elevada taxa de sobrevivência das células no pós-descongelamento do grupo controle congelado (89,8%) demonstra a efetividade do método de congelamento em palhetas plásticas. Além de sua viabilidade, o congelamento em palhetas plásticas, utilizado neste estudo, oferece vantagens de economia de espaço no momento do armazenamento. Além de onerosa, a manutenção permanente de grandes volumes de material biológico resfriado a temperaturas negativas ocasiona impacto ambiental de importância cada vez mais considerável se levarmos em consideração que, mesmo quando mantido submerso em nitrogênio líquido, esse material demanda energia elétrica, ainda que para a simples manutenção dos tanques em ambiente climatizado.
Estudos realizados em outras espécies comparando células fetais de cultivo primário com outros tipos celulares sugerem que os resultados obtidos neste estudo são efetivos também para outros tipos celulares. Como exemplo, foi demonstrado que fibroblastos de origem fetal de lince possuem menor sobrevivência ao congelamento do que células de adultos(4). Com a adição de 0,2 M de sacarose ao meio de congelamento, os autores aumentaram a sobrevivência das células de origem fetal de 54% para 74%. A metodologia de criopreservação empregada em nosso estudo, com fibroblastos de origem fetal, proporcionou taxa de sobrevivência similar às obtidas por Léon-Quinto et al.(4), mesmo após a otimização de seu protocolo. Liu et al.(9) obtiveram 89,5% de sobrevivência após o congelamento de fibroblastos fetais de Yak, utilizando o equipamento convencional "Mr Frosty", resultado semelhante ao obtido em nosso trabalho. Assim, a efetividade da metodologia empregada em nosso estudo, associada à sua fácil execução, que dispensa equipamentos onerosos, bem como o reduzido volume das palhetas, que permite aumentar a capacidade de armazenamento em botijões criogênicos, possibilitam sua indicação na criação de bancos genéticos, com diferentes propósitos, principalmente para a manutenção da variabilidade genética animal.
As curvas de proliferação das células frescas e das células do congelamento controle demonstraram um comportamento semelhante na maioria das avaliações (Gráfico 1A). Foi observada uma redução no número médio das células congeladas em relação às células frescas, no terceiro dia de cultivo, no momento em que se estabelece a fase log de desenvolvimento, demonstrando que, mesmo nas células sobreviventes, o congelamento produziu sequelas que determinaram uma menor proliferação destas, no início da fase log (Gráfico 1A). Embora não tenha ocorrido diferença estatística nos demais dias de cultivo, as células frescas atingiram o plateau no quinto dia de cultivo, ou seja, um dia antes do que as células congeladas, que somente alcançaram o plateau no sexto dia de cultivo.
O tratamento das células frescas, em contraste com o grupo controle congelado (que atingiu o plateau um dia depois, no sexto dia), já atingiu a fase de plateau no quinto dia de cultivo (Gráfico 1A), sendo que esse início da fase de plateau ocorreu no quinto dia de cultivo para os três grupos avaliados no Gráfico 1B, sendo os grupos: células frescas, PN200-0h e PN200-3h. Dessa forma, fica evidente o efeito positivo da submissão das células à pressão negativa de 200 mbar, antes do congelamento (grupos PN200-0h e PN200-3h), já que, mesmo após o congelamento, mantiveram um padrão de crescimento celular semelhante às suas contemporâneas não congeladas (grupo controle fresco).
Já está bem documentado o efeito positivo da aplicação de pressão hidrostática em diferentes estruturas, como sêmen de suínos(10), sêmen de bovinos(11), embriões de camundongo(12) e embriões ovinos(13), bem como do efeito positivo da pressão negativa em embriões bovinos criopreservados(8). Todavia, ao contrário do esperado, neste estudo não foi observado aumento da criotolerância das células somáticas bovinas submetidas à pressão negativa. Entretanto, como demonstrado em micro-organismos submetidos à pressão hidrostática(14), pode haver uma resistência cruzada contra outros desafios, que não a criotolerância. Dessa forma, mesmo sem aumentar a criotolerância das células avaliadas, o emprego da pressão negativa determinou mudanças no padrão de seu desenvolvimento, sendo necessário investigar o possível efeito dessas modificações, assim como as possíveis causas dessas mudanças de padrão, principalmente quando essas células são empregadas na clonagem animal. Nos tratamentos que utilizaram a pressão negativa, observou-se um efeito significativo do momento da aplicação do tratamento. A submissão das células fetais à pressão negativa três horas antes do congelamento reduziu a sobrevivência das células no pós-descongelamento. Em contraste com esses dados, a submissão à pressão negativa de embriões bovinos duas horas antes da vitrificação aumentou a taxa de eclosão após o reaquecimento(8). Já, quando a submissão foi realizada 40 minutos antes da vitrificação, não foi verificado qualquer efeito sobre a eclosão. Esses dados evidenciam um efeito distinto da pressão negativa aplicada sobre as células somáticas em relação aos embriões bovinos. Como não existem trabalhos empregando a pressão negativa no pré-congelamento de células somáticas, as intensidades de pressões testadas neste estudo foram aquelas previamente avaliadas no congelamento de sêmen de carneiro(15). Foi relatado(14) que células submetidas a elevados patamares de pressão hidrostática aumentam progressivamente a rigidez de membranas e a desnaturação de proteínas, o que pode inativar a célula, ou iniciar um processo de morte celular. A excessiva pressão hidrostática determina a morte celular por apoptose ou por necrose, na faixa de 200 Mpa, quando a pressão é superior a 300 Mpa(7). As menores taxas de sobrevivência observadas com a maior pressão testada (800 mbar) sugerem que a pressão foi excessiva e induziu uma resposta negativa das células.
De forma semelhante ao já observado anteriormente(9), em todos os tratamentos, as curvas de proliferação demonstraram uma fase de latência, em que as células não apresentaram uma proliferação significativa por um período de 48 horas, necessário para adaptação e possível recuperação de sua estrutura, seguida de um crescimento exponencial, até atingirem sua fase estacionária (plateau) no quinto ou sexto dias de cultivo. As células submetidas a 500 mbar de PN três horas antes do congelamento (Gráfico 1C) demoraram mais tempo para atingir a fase de plateau, evidenciando que, provavelmente, o tempo de execução das fases dos check points pode ter sido aumentado em função de algum mecanismo de quiescência (entrada em G0). Outra possível explicação pode ser simplesmente o fato de ter havido o desencadeamento de algum mecanismo de apoptose, fato este que deverá ser elucidado em estudos futuros. No grupo PN 200 0h, observou-se uma fase mais longa de plateau, que pode ser explicada pelo que se conhece a respeito dos checkpoints(16). Em condições desfavoráveis, tais como a retirada do soro (que contém fatores de crescimento), os níveis de ciclina D caem rapidamente e as células não passam de um dos checkpoints, nesse caso, o R-point, que também é conhecido como ponto de restrição. Eventualmente, elas podem "escapar" do ciclo celular e entrar em um estado de quiescência denominado G0(16,17). Com a aquisição das condições favoráveis, as células podem entrar novamente ao estágio do ciclo G1 e continuar a proliferação. Quando não são obtidas as condições favoráveis para retornar ao ciclo celular, as células podem eventualmente morrer ou se diferenciar.
Já foi demonstrado por diversas vezes que o ciclo celular pode ser parado nos respectivos check points por inibidores do ciclo celular, tais como a p53, à medida que algum dano de DNA seja detectado(17). Durante a curva de crescimento, foi observada também uma particularidade em comum para dois grupos experimentais, sendo um deles submetido à pressão negativa (PN 800-3h) e o outro não (controle congelado). Sabe-se que checkpoints no início da fase S (síntese) assim como em G2 determinam a integridade do DNA e irão bloquear o ciclo temporariamente até que haja o reparo necessário. Quando o reparo não for possível, as células entram em apoptose. Tanto o grupo experimental controle congelado (Gráfico 1A), como o grupo pressão negativa 800-3h (Gráfico 1D) tiveram menos células no início da fase log, em comparação aos demais grupos, o que pode ser atribuído aos checkpoints.
O emprego da PN de 200 ou 500 mbar preveniu a redução do
número médio de células no início da fase log de desenvolvimento (dia 3 de
cultivo), determinado pelo congelamento (Gráficos 1A, 1B e 1C).
Conclusão
Os resultados obtidos permitem concluir que o congelamento em palhetas plásticas de 0,25 mL, com a adição de 10% de DMSO como crioprotetor, é adequado para a criopreservação de células fetais bovinas de cultivo primário, possibilitando elevadas taxas de sobrevivência após o descongelamento. Ainda, a submissão de células fetais bovinas à pressão negativa de 200 ou 500 mbar antes do congelamento possibilita curvas de proliferação semelhantes às observadas com células frescas.
A intensidade de 500 mbar de pressão negativa é a mais adequada para emprego antes do congelamento de células fetais bovinas e o melhor momento para seu emprego é imediatamente antes do congelamento (tempo 0h).
A aplicação de pressão negativa como alternativa de estresse controlado em células somáticas pode alterar a sobrevivência após a criopreservação, assim como influenciar a curva de crescimento, dependendo das condições de aplicação, do tratamento e do tempo de espera até o congelamento das células.
Referências