DOI: 10.1590/1809-6891v19e-39754
MEDICINA VETERINÁRIA


AVALIAÇÃO DE ESTRESSE OXIDATIVO NO PLASMA DE BOVINOS LEITEIROS COM MASTITE
EVALUATION OF OXIDATIVE STRESS IN PLASMA OF DAIRY COWS WITH MASTITIS


Cecilia Gabriela Rubert Possenti1
Roberta Cattaneo Horn1*
Natacha Cossettin Mori1
Vanderlei Ribas Junior1
Diego Pascoal Golle1
Jana Koefender1


1Mestrado em Desenvolvimnto Rural,Universidade de Cruz Alta, Cruz Alta, RS, Brasil.
*Autora para correspondência – rcattaneo@unicruz.edu.br


Resumo
A mastite bovina está associada a uma resposta antibacteriana endógena mediada pela produção de espécies reativas. Contudo, o excesso de reações oxidativas pode desencadear apoptose celular agravando o quadro clínico dos animais. Neste contexto, o objetivo deste estudo foi avaliar a resposta redox no plasma de vacas leiteiras com e sem mastite submetidas ou não ao tratamento com antibioticoterapia. As vacas foram divididas em Grupo Controle (G1), vacas sem mastite; grupo G2, vacas com mastite sem tratamento com antimicrobianos; grupo G3, vacas com mastite tratadas com antibiótico. As amostras sanguíneas foram coletadas após a primeira ordenha da manhã. Foram analisados a existência de lipoperoxidação (LPO) e os níveis de proteínas carboniladas (PCs), de glutationa reduzida (GSH), de ácido ascórbico (ASA) e de ácido úrico (AU). Os animais do G3 apresentaram aumento na LPO e das PCs. Em todos os grupos, os níveis de GSH permaneceram inalterados. Os valores plasmáticos de ASA e de AU mostraram-se diminuídos nos animais dos grupos G2 e G3. Os resultados demonstraram que o tratamento com antimicrobianos parece agravar os danos oxidativos presentes na mastite bovina, reforçando a importância da busca por alternativas terapêuticas a fim de minimizar esse efeito.
Palavras-chave: antibióticos; oxidação celular; vacas.

Abstract
Bovine mastitis is associated with an endogenous antibacterial response mediated by the production of reactive species. However, excess oxidative reactions can trigger cellular apoptosis, aggravating the clinical state of the animals. In this context, the objective of this study was to evaluate the plasma redox response of dairy cows with and without mastitis submitted or not to antibiotic therapy. The cows were divided into control group (G1), cows without mastitis; group G2, cows with mastitis without antimicrobial treatment; group G3, cows with mastitis treated with antibiotics. Blood samples were collected after the first milking of the morning. The existence of lipoperoxidation (LPO) and the levels of carbonylated proteins (CPs), reduced glutathione (GSH), ascorbic acid (ASA), and uric acid (UA) were analyzed. The G3 animals showed increase in LPO and CPs. In all groups GSH levels were unchanged. Plasma ASA and AU values ​​were decreased in the G2 and G3 groups. The results demonstrated that antimicrobial treatment seems to aggravate the oxidative damages present in bovine mastitis, reinforcing the importance of the search for therapeutic alternatives in order to minimize this effect.
Keywords: antibiotics; cellular oxidation; cows.

Recebido em: 12 de fevereiro de 2016
Aceito em: 28 de fevereiro de 2018


Introdução



A mastite é uma das mais complexas e dispendiosas doenças que afetam o rebanho leiteiro, por sua alta prevalência e pelos prejuízos que acarreta, especialmente da produção do leite(1).Conforme Hillerton(2), a ocorrência de um processo inflamatório brando, no qual não são observadas alterações macroscópicas detectáveis, porém, com alterações químicas e microbiológicas do leite, evidenciam a mastite subclínica. Já as respostas inflamatórias mais severas caracterizam a mastite clínica, em que é possível visualizar, além das alterações verificadas na forma subclínica, mudanças no aspecto da secreção láctea, mudanças visíveis no tecido mamário e efeitos sistêmicos, como hipertermia, prostração e tremores musculares.

Fisiologicamente, a mastite bovina é um processo inflamatório da glândula mamária dos bovinos relacionado a agressões físicas, químicas e térmicas, mas principalmente microbianas. Eslami et al.(3) destacam que as bactérias coliformes, a exemplo de Escherichia coli, Klebsiella e Enterobacter, são os agentes causais mais comuns em casos clínicos graves de mastite. Nesse contexto, em resposta ao processo inflamatório local e sistêmico originado pela presença dos micro-organismos, a fagocitose é ativada, o que poderia desempenhar um papel crucial no status oxidativo das vacas com mastite, tendo em vista que durante o englobamento destes micro-organismos os neutrófilos demonstram uma explosão de atividade metabólica e, por consequência, na formação de ânions superóxido (O2•-), ânions hidroxila (OH-) e peróxido de hidrogênio (H2O2). Além disso, as Espécies Reativas (ERs) estão diretamente envolvidas no processo de reparação e cicatrização das feridas(4). No caso de vacas leiteiras de alta produção, esse processo pode ser ainda mais grave, pois esses animais realizam de forma mais intensa inúmeras reações de oxidação visando o melhor aproveitamento dos nutrientes necessários à produção de leite(5, 6).

As ERs em excesso podem reagir com lipídios, proteínas e ácidos nucléicos ocasionando modificações nas propriedades físicas e químicas destas biomoléculas(7-9) resultando em mutações, oncogênese e morte celular(10-13). Por outro lado, o sistema antioxidante atua neutralizando essas espécies através de enzimas antioxidantes como: a superóxido dismutase (SOD), a glutationa peroxidase (GPx), a catalase (CAT) e a glutationa-S-transferase (GST). Além disso, compostos não enzimáticos também atuam reduzindo a oxidação, dentre eles: a glutationa reduzida (GSH), o ácido ascórbico (ASA) e o ácido úrico(14, 15).

Ranjan et al.(16) avaliaram a atividade das enzimas antioxidantes e os níveis de lipoperoxidação (LPO) em vacas com mastite subclínica e clínica, evidenciando que a concentração de ASA foi menor nos animais que apresentavam as duas formas da doença, por outro lado, os níveis dos danos lipídicos foram maiores nas vacas com mastite clínica. Atakisi et al.(17) investigaram os níveis de óxido nítrico, a oxidação total e a capacitação antioxidante no leite de vacas com mastite subclínica. As concentrações dos biomarcadores de oxidação celular foram mais elevadas nos animais com a doença em relação aos animais saudáveis, sugerindo o uso desses como uma alternativa de ferramenta para o diagnóstico da mastite na forma subclínica.

Nesse contexto, considerando que uma produção elevada de ERs e/ou uma redução na atividade do sistema antioxidante poderiam agravar a mastite bovina, afetando negativamente a produção leiteira, torna-se relevante a determinação dos níveis dos marcadores de estresse oxidativo em bovinos leiteiros portadores da referida enfermidade.


Material e métodos



Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Uso de Animais (CEUA) sob o protocolo número 005/12. O estudo foi composto por 75 vacas holandesas puras (preto com branco) provenientes da Agropecuária Irmãos Strobel, situada no município de Condor, pertencente à região noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Os animais foram segregados quanto ao seu estado de saúde por médico veterinário especializado. A anamnese consistiu de verificação da temperatura corporal, frequência cardíaca e respiratória, aferição da mucosa ocular, gengival e de vulva.

Posteriormente, os animais foram distribuídos em três grupos distintos com 25 animais cada: vacas saudáveis caracterizando o grupo controle (G1), vacas com mastite detectada pelo teste de CMT (Californian Mastits Test) e pela contagem de células somáticas (CCS) sem tratamento com fármacos antibióticos (G2) e vacas positivas para mastite através do teste de CMT e pela CCS e que estavam recebendo tratamento antibiótico há pelo menos três dias (G3). Os antibióticos utilizados para tratamento do grupo G3 foram sulfametoxazol + trimetropina 40+8g/100mL (Ibatrim®) via intramuscular na dose de 15 mg/kg a cada 24h, gentamicina 250 mg/10g (Gentatec®) via intramamária a cada 24h e cloridrato de ceftiofur 50 mg/ml (Cef-50®) via intramuscular na dose de 1 mg/kg. Todos os medicamentos foram administrados ao longo de um período de três dias.

As amostras sanguíneas foram colhidas após a primeira ordenha da manhã por meio de punção da veia coccígea utilizando agulhas descartáveis (calibre) e tubos Vacuntainer® com adição de ácido etilenodiamino tetra-acético (EDTA).

Os níveis de LPO foram determinados no plasma a partir da reação colorimétrica entre malondialdeído (MDA) e ácido tiobarbitúrico (TBA), de acordo com o protocolo descrito por Jentzsch et al.(18). As leituras foram realizadas em espectrofotômetro visível no comprimento de onda de 532 nm. Os resultados foram expressos em ηmol de MDA/mL de plasma.

Os níveis de proteínas carboniladas (PCs) foram determinados no plasma de acordo com a técnica descrita por Levine(19) através da reação colorimétrica a 370 nm com 2,4-dinitrofenil-hidrazina (DNPH). Os resultados foram expressos em ηmol/mg PTs. Para a determinação dos níveis de proteínas totais (PTs) foram utilizados kits da Labtest®.

Os níveis de GSH foram determinados no plasma e nos eritrócitos conforme o método descrito por Ellman(20), que é baseado na reação colorimétrica entre GSH e 5,5'-ditiobis (ácido 2-nitrobenzóico) (DTNB), detectado no comprimento de onda de 412 nm. Os resultados foram expressos em μmol GSH/mL.

O ácido ascórbico foi determinado pela metodologia descrita por Roe(21) e as leituras das amostras foram realizadas em espectrofotômetro visível em 520 nm. Os resultados foram expressos por nmol ASA/mL.

Kits comerciais (Labtest®) foram utilizados para mensuração do ácido úrico. Os resultados foram expressos em mg/dL.

Os resultados foram expressos por média ± EP (erro padrão). Os dados com distribuição normal foram analisados por teste t-Student, para determinações paramétricas. Os resultados foram considerados significativamente diferentes para todas as análises com p<0.05.

Resultados e discussão



A defesa celular da glândula mamária envolve principalmente os neutrófilos, capazes de fagocitar uma ampla variedade de partículas. Nesse processo, ocorre uma explosão na produção de metabólitos do ânion superóxido, denominados ERs, que constituem o mais eficiente sistema bactericida dos neutrófilos(4). O acúmulo dos produtos da LPO é a maior causa de disfunção celular e tecidual, tendo em vista que os lipídeos oxidados causam danos secundários às proteínas(22). Além disso, as ERs por si só também promovem modificações proteicas prejudiciais no plasma(23). A Figura 1 expõe os resultados das dosagens de LPO (1A) e PCs (1B) dos animais dos grupos G1, G2 e G3. É possível observar um aumento na concentração desses marcadores oxidativos nos animais do G3, quando comparados aos animais do G1 (LPO = 0,0048 e PCs = 0,0211) e do G2 (LPO = 0,0002 e PCs = 0,0049). Tais achados indicam que os antibióticos usualmente utilizados para o tratamento da mastite, embora constituam uma importante opção de tratamento, induzem à LPO e oxidação proteica nos animais com mastite.

As alterações metabólicas induzidas por antibióticos estão associadas a danos oxidativos em componentes celulares importantes, bem como a ativação de respostas antioxidantes, já que esses fármacos podem penetrar nas membranas celulares por difusão simples através da bicamada fosfolipídica, por difusão facilitada mediada por proteínas membranares chamadas porinas ou self-promoted uptake(24). Essa penetração do medicamento depende de características físico-químicas dos antibióticos como a polaridade e o tamanho das moléculas(25). Modificações no conteúdo de lipopolissacarídeos (LPS) e na estrutura e quantidade de porinas alteram a permeabilidade de fármacos como β-lactâmicos, aminoglicosídeos, cloranfenicol e fluoroquinolonas em bactérias gram-negativas(25, 26). Assim, de acordo com Barbosa et al.(27) os fármacos, de modo geral destacam-se como potenciais geradores de ERs, pois a flavina adenina dinucleotídeo age como aceptor de elétrons do xenobiótico e sequencialmente transfere esse elétron a outro aceptor, desta vez o oxigênio, gerando assim radicais superóxido.

Adicionalmente, segundo Priuska & Schacht(28), a gentamicina, um dos antibióticos utilizados para o tratamento da mastite das vacas leiteiras deste estudo, forma um complexo com o ferro in vitro, produzindo radicais livres que estariam relacionados à ocorrência de ototoxicidade. Dados in vivo revelam que esse fármaco também aumenta os níveis de lipídeos oxidados(29, 30). Ademais, segundo Lopez-Novoa et al.(31) e Quiros et al.(32), a gentamicina pode interagir com a mitocôndria, ativando a via intrínseca da apoptose e interferindo com o funcionamento da cadeia respiratória, o que compromete a produção de ATP e contribui para a geração de ERs. O sulfametoxazol, outro importante fármaco utilizado no tratamento da mastite, também é conhecido por induzir a formação ERs(33-35).

Como já mencionado, a fim de minimizar os efeitos das substâncias pró-oxidantes capazes de causar danos teciduais, o organismo utiliza o sistema antioxidante visando impedir ou retardar a oxidação das biomoléculas(36). Dentre eles, estão os antioxidantes não enzimáticos, por exemplo, a GSH, o ácido úrico e o vitamina C(27). Os dados apresentados na Figura 2A evidenciam que os níveis de GSH, importante antioxidante endógeno, se mantiveram constantes em todos os animais dos grupos estudados. Segundo Ostrowski & kistler (37) e Huber et al.(38), a GSH possui papel central na biotransformação e eliminação de xenobióticos e na defesa das células contra o estresse oxidativo. Contudo, os níveis desse antioxidante não enzimático encontrados nas vacas com mastite em tratamento com antimicrobianos se equipararam com os níveis evidenciados em animais saudáveis e parece não serem suficientes para a reversão dos danos lipídicos e proteicos promovidos pelo uso dos antibióticos, já que foi encontrado um aumento de LPO e de PCs no grupo G3 (Figuras 1A e 1B).

A Figura 2B representa os níveis de ASA nos bovinos estudados. Os grupos G2 e G3 tiveram uma diminuição nos valores de ASA quando comparados ao G1 (p=0,0125 e 0,0008, respectivamente), indicando que os animais desses grupos utilizam mais vitamina C do que os animais sem mastite (G1). Esse achado ocorre provavelmente em função da presença da mastite nesses animais, tendo em vista que, de acordo com os achados de Kleczkowski et al.(39), a concentração de ácido ascórbico no sangue de vacas com mastite subclínica causada por diferentes micro-organismos causa uma grande diminuição de vitamina C, independente do agente etiológico envolvido nesse processo inflamatório. Diante disso, sugere-se que esses animais poderiam receber uma dieta suplementada com ASA, já que a mesma não é produzida de forma endógena e a fim de auxiliar no tratamento preservando o status oxidativo de vacas leiteiras quando elas se encontram em condições promotoras da síntese de ERs no organismo, minimizando assim a ocorrência de efeitos adversos em virtude do estresse oxidativo(40, 41). Cabe salientar que Chaiyotwittayakun et al.(42) investigaram o efeito da administração de ácido ascórbico após induzir a inflamação da glândula mamária em vacas e evidenciaram que duas doses de 25 g administradas por via intravenosa em três e cinco horas após indução do processo inflamatório aumentam a recuperação da produção de leite em 9%, o que confirma a nossa indicação de suplementação de ASA no tratamento da mastite bovina.

O ácido úrico é outro composto demonstrado como um antioxidante efetivo nos sistemas biológicos, sendo capaz de recuperar estruturas já atacadas que se tornaram ERs. Conforme Barreiros, David e David(43), este composto exibe grande atividade contra os radicais peroxila, assim, o aumento plasmático nos níveis de ácido úrico representa uma resposta adaptativa do organismo provavelmente visando proteger os animais contra os efeitos nocivos das ERs em excesso(44, 45). A Figura 2C demonstra que os animais dos grupos G2 e G3 apresentaram níveis inferiores desse composto quando comparados aos valores apresentados pelos animais do G1, com p=0,0064 e p=0,0077, respectivamente, evidenciando que, na presença da mastite, o organismo das vacas, tratadas e não tratadas com antimicrobianos, lança mão da utilização também do ácido úrico a fim de minimizar os danos oxidativos.

Conclusão



Foi verificado neste estudo que apesar de os antioxidantes estudados (ASA e AU) estarem sendo utilizados para neutralizar as ERs geradas na mastite bovina, nas vacas com mastite e tratadas com antibacterianos, os danos oxidativos (LPO e PCs) foram maiores em relação às vacas saudáveis e às vacas com mastite e sem tratamento, o que confirma a atuação oxidante dos antimicrobianos. Portanto, a busca por alternativas terapêuticas naturais para o tratamento da mastite, bem como de compostos que possam atenuar os danos às macromoléculas é de fundamental importância para o bem estar animal.

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