DOI: 10.1590/1089-6891v18e-23050
CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE ALIMENTOS
RESÍDUOS DE ANTIMICROBIANOS EM LEITE BOVINO CRU NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
ANTIMICROBIAL RESIDUES IN BOVINE MILK IN NATURA IN RIO GRANDE DO NORTE
Lara Barbosa de Souza1
Carolina de Gouveia Mendes da Escóssia Pinheiro1
Severino Antonio Geraldo Neto1
Jean Berg Alves da Silva1*
1 Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró, RN, Brasil.
* Autor para correspondência - jeanberg@ufersa.edu.br
Resumo
O descumprimento do período de carência dos medicamentos aplicados em vacas leiteiras leva à presença de substâncias químicas em limites inadequados no leite. Com o intuito de avaliar a presença de resíduos de antimicrobianos no leite bovino cru produzido no Rio Grande do Norte (RN), foram coletadas 112 amostras de leite cru oriundas de seis municípios do Estado do RN. A pesquisa de resíduos foi realizada com o uso do kit ECLIPSE 50®. Foi observado que seis (6,72%) amostras apresentaram resultado positivo para detecção de resíduos. Desta forma, o leite comercializado no Estado pode gerar riscos à saúde da população consumidora.
Palavras-chave: qualidade; antibióticos; saúde pública.
Abstract
The noncompliance the grace period of the medicines used in cows in lactation stage or dry leads to the presence of chemicals inadequate on the milk. In order to evaluate the presence of antimicrobial residues in raw milk produced in Rio Grande do Norte (RN), were collected 112 samples of raw milk from six municipalities in the State of the RN. The residue testing was performed using the ECLIPSE 50® kit. It was observed that six (6.72%) samples were positive for detection of residues. Thus, the milk sold in the state can generate risks to the health of the consumer population.
Keywords: quality; antibiotics; public health.
Recebido em: 12 de março de 2013
Aceito em: 21 de agosto de 2017
Introdução
A qualidade do leite é avaliada pelas suas características sensoriais, físico-químicas, ausência de micro-organismos patogênicos, de conservantes químicos e resíduos de antibióticos(1,2). Os agentes mais relacionados a enfermidades veiculadas por alimentos são os micro-organismos, mas a presença de resíduos de substâncias químicas é comum em todo o mundo. Resíduos de antimicrobianos são detectados com alta frequência e a presença destes resíduos no leite é considerada uma contaminação e/ou adulteração do produto(3). A ocorrência de antimicrobianos no leite deriva do tratamento de vacas em lactação que apresentam doença infecciosa, ou devido ao controle de mastite durante o período seco(4).
Essas substâncias são eliminadas pelo leite durante seu período de carência, sendo a persistência do resíduo variável, de acordo com o antibiótico e depende de vários fatores como dose e via de administração(5,6). Quando presentes no alimento, podem causar efeitos tóxicos diretos sobre os consumidores, como reações alérgicas e choque anafilático, ou ainda problemas de resistência microbiana e efeitos colaterais secundários(7). Na indústria, a principal consequência é a interferência na produção dos derivados lácteos, prejudicando o processo de fermentação e elaboração de queijos, iogurte e leites fermentados, ocasionando perda de rendimento e modificação na qualidade do produto final(8).
A Instrução Normativa nº 62 de 2011 do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) indica a pesquisa periódica com relação à presença de antibióticos no leite, a qual deve obedecer aos Limites Máximos de Resíduos (LMRs) previstos para cada grupo químico específico(9.
Diversos kits de detecção de resíduos de antibióticos estão disponíveis no mercado, porém baseados em diferentes métodos: testes de inibição do crescimento bacteriano, testes imunológicos, testes físico-químicos e testes que usam receptores e enzimas(10).
Os testes de inibição do crescimento microbiano são comumente utilizados devido ao baixo custo e fácil execução(11). Um exemplo deles é o Eclipse 50, que contém um meio de cultivo específico com esporos de Geobacillus stearothermophilus, no qual após a incubação da amostra de leite na placa, caso os esporos microbianos germinem e acidifiquem o meio, ocorre modificação de cor. Se a concentração de antibiótico na amostra for maior que o limite de detecção do teste, inibe o micro-organismo, e a cor do meio permanece inalterada, possibilitando verificar se o leite contém antibióticos em uma concentração acima do LMR.
Considerando a importância do leite bovino na alimentação humana, além dos riscos à saúde da população e os prejuízos na indústria de laticínios que a presença de resíduos de antimicrobianos representa, o objetivo do trabalho foi pesquisar resíduos antimicrobianos no leite bovino cru produzido no Rio Grande do Norte.
Material e Métodos
Foram analisadas 112 amostras de leite bovino cru, no mês de novembro de 2012, oriundas de produtores de seis municípios de diferentes mesorregiões do Estado do Rio Grande do Norte, sendo: Angicos (60), Afonso Bezerra (4), Fernando Pedroza (5), Itajá (1), Mossoró (4) e Santana dos Matos (38). Cada amostra foi coletada de forma aleatória, no momento da entrega do leite em uma usina de beneficiamento, com cada uma representando um produtor.
As amostras analisadas eram destinadas a uma usina de beneficiamento de leite pasteurizado com SIE (Serviço de Inspeção Estadual). Estas eram transportadas em caixa térmica até o Laboratório de Inspeção de Produtos de Origem Animal – LIPOA, localizado na Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, onde foram submetidas à detecção de resíduo de antimicrobianos, com o kit ECLIPSE 50®.
Para evitar resultados falso positivos pela presença de inibidores naturais, as amostras foram submetidas à tratamento térmico (banho-maria) de 80°C por dez minutos. Em seguida, uma alíquota de 50uL da amostra foi adicionada ao poço do teste. A microplaca contendo as amostras ficou em banho-maria sob temperatura de 65°C por 2 horas e 15 minutos. Foi utilizado como controle positivo leite sabidamente contaminado com estreptomicina. As amostras foram consideradas positivas quando não havia mudança colorimétrica, permanecendo inalterada a cor dos poços da microplaca. Os limites de detecção do kit estão representados na Tabela 1.
Resultados e Discussão
Das 112 amostras analisadas, seis (6,72%) apresentaram resultado positivo para resíduos de antimicrobianos (Tabela 2).
O aparecimento de resíduos de antibióticos no leite deriva comumente do tratamento de doenças do animal. Portanto, a presença destes resíduos no leite é proveniente de tratamentos terapêuticos. Do antibiótico aplicado na glândula mamária, cerca de 30 a 80% passa da corrente sanguínea para o leite(2). Em trabalhos que utilizaram o mesmo kit de detecção, ECLIPSE 50®, os resultados foram diferentes do presente trabalho. Sousa et al.(12, ao avaliarem o leite pasteurizado da região caririense, constataram a presença de resíduo antimicrobiano em 4 (13,33%) amostras. Já Robim et al.(13) analisaram 58 amostras de leite UAT (Ultra Alta Temperatura) de diferentes marcas comercializadas no estado do Rio de Janeiro e não detectaram resultados positivos.
Sousa et al.(14), ao avaliarem a ocorrência de resíduos de antibióticos em 30 amostras de leite pasteurizado comercializados no Ceará, observaram a presença destes resíduos em 23 (76,67%) das amostras analisadas.
Outros autores pesquisaram resíduo de antimicrobiano no leite utilizando kits de detecção diferentes, porém com o mesmo princípio do aplicado neste trabalho, apresentaram divergências de resultados. Nero et al.(15), ao analisarem amostras de leite cru oriundas de quatro regiões leiteiras do Brasil, detectaram a presença de resíduos em 24 (11,43%) amostras das 210 analisadas.
De acordo com Martins & Andrade(16), as análises para detecção de resíduos antimicrobianos em leite tornaram-se rotineiras, facilitando o acesso aos kits de detecção e caracterizando esta etapa como Ponto de Controle (PC) no programa de pré-requisitos das indústrias, já que afeta diretamente a qualidade do produto e a segurança do consumidor.
O leite contendo resíduos antimicrobianos acima do permitido pela legislação é considerado adulterado e impróprio para o consumo humano(17). A presença deste resíduo no leite poderá ocasionar vários efeitos indesejáveis no ambiente e no consumidor, como a seleção de cepas bacterianas resistentes, hipersensibilidade e possível choque anafilático em indivíduos alérgicos; desequilíbrio da flora intestinal e efeito teratogênico. Pode também inibir o metabolismo dos micro-organismos fermentadores, interferindo nos caracteres organolépticos e tecnológicos dos produtos lácteos industrializados, principalmente no processamento tecnológico do iogurte, manteiga e queijo, gerando prejuízos à indústria na manufatura dos produtos lácteos(18-20).
Conclusão
O leite bovino cru oriundo de propriedades rurais do Rio Grande do Norte apresentou contaminação com resíduos de antibióticos. Apesar da baixa positividade encontrada, a presença de resíduos de antibióticos no leite bovino cru deve ser um motivo de preocupação para autoridades sanitárias e laticínios, pelo risco que pode causar à saúde do consumidor e os prejuízos na produção de derivados lácteos, respectivamente.
Agradecimentos
Ao Banco do Nordeste pelo apoio financeiro para a realização deste trabalho.
Referências
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