EFEITO AUXILIAR DO CERUMINOLÍTICO NA TERAPIA TÓPICA DE CÃES (Canis lupus familiaris) COM OTITE EXTERNA CERUMINOSA
Eduardo Negri
Mueller1, Êmille Gedoz Guiot2, Rosema Santin3,
Mário Carlos Araújo Meireles4, Luiz Filipe Damé Schuch4,
Márcia
de Oliveira Nobre4
RESUMO
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PALAVRAS-CHAVE: ácido salicílico; exsudato; solução
otológica.
HELP
EFFECT OF CERUMINOLYTIC IN TOPIC THERAPY OF DOGS (Canis lupus familiaris)
WITH EXTERNAL OTITIS CERUMINOUS
ABSTRACT
As
otites ceruminosas são
caracterizadas pelo aumento da quantidade de cerúmen de cor castanha ou
marrom,
associada a eritema do canal auditivo, podendo ocorrer uni ou
bilateralmente e
ter evolução clínica aguda ou crônica (ROUGIER et al., 2005;
SARIDOMICHELAKIS
et al., 2007).
No
tratamento das otites em
cães, realiza-se limpeza do canal auditivo com ceruminolíticos,
antecedendo,
geralmente, a aplicação de preparados polifarmacêuticos tópicos
associados ou
não à terapia sistêmica (HARVEY et al., 2004; GREENE, 2006). Neste
contexto,
objetivou-se avaliar o efeito auxiliar
do ceruminolítico em cães com otite externa.
Realizou-se
palpação externa
do canal auditivo distal para avaliação da otalgia, seguida da inspeção
das
conchas acústicas quanto à presença de odor fétido, eritema e exsudato
ceruminoso. Para o exame do conduto auditivo externo, utilizou-se
otoscópio
veterinário[1],
sendo pesquisada a presença
de eritema, úlcera, estenose e exsudato ceruminoso. Durante o exame
otoscópico,
o cerúmen foi classificado em leve (pontos de cerúmen), moderado (até
50% do
cone do otoscópio ficava obstruído) e intenso (mais de 50% do cone do
otoscópio
ficava obstruído).
Coletaram-se
amostras de
secreção auricular da porção vertical do conduto auditivo externo, por
meio de
zaragatoa estéril, para culturas fúngica, bacteriana e antibiograma, de
todas
as orelhas incluídas neste estudo, no tempo zero (dia “0”) e aos 15
dias após o
início do tratamento. As amostras foram
enviadas ao Laboratório de Doenças Infecciosas, Setor de Micologia e
Setor de
Bacteriologia da Faculdade de Veterinária para culturas fúngica e
bacteriana e
antibiograma.
O
cultivo bacteriano foi
realizado em ágar sangue e ágar Mac Conkey, por esgotamento, sendo as
culturas
mantidas em aerobiose, em temperatura de 37°C por 24-48h, classificadas
por
meio da macro e micromorfologia e características bioquímicas.
Realizou-se
antibiograma em meio de Mueller Hinton pelo método de difusão em disco,
testando-se a sensibilidade dos isolados frente aos antibacterianos
utilizados
para o tratamento tópico: gentamicina e neomicina. A cultura fúngica
foi
realizada em ágar Sabouraud dextrose acrescido de cloranfenicol e em
ágar
Sabouraud dextrose acrescido de cloranfenicol e azeite de oliva,
cultivadas por
esgotamento, mantidas em temperatura de 36°C por até dez dias, sendo as
colônias classificadas por meio da macro e micromorfologia.
Para
o tratamento,
utilizaram-se solução otológica contendo aminoglicosídeo e
ceruminolítico com
ácido salicílico. Seguindo a ordem de atendimento, os animais foram
divididos
em grupo A e B. As orelhas do grupo A foram tratadas com ceruminolítico
durante
três dias, duas vezes ao dia, e, a partir do quarto dia, solução
otológica foi
acrescida após 15 minutos da aplicação do ceruminolítico, enquanto as
do grupo
B foram tratadas somente com solução otológica, também duas vezes ao
dia,
durante 15 dias. As dosagens utilizadas
para ambos os produtos foram as recomendadas pelo fabricante, de acordo
com o
peso dos animais, tanto no grupo A como no grupo B. Aos 15 dias de
tratamento,
as orelhas foram reavaliadas por palpação, inspeção, otoscopia e
microbiologia
conforme descrito anteriormente.
A
análise estatística foi
extraída do pacote estatístico “Statistix 8.0”, empregando-se os testes
de
Qui-quadrado para parâmetros clínicos e microbiológicos, utilizando-se
as
transformações adequadas, e de Kruskall-Wallis para avaliação do escore
de
exsudato.
Aos
15 dias de tratamento,
observou-se redução em todos os sinais clínicos avaliados em ambos os
grupos,
com diferença entre eles apenas quanto ao escore de exsudato (Tabela
1). A
estenose foi o único sinal clínico que não reduziu, o que já era
esperado, pois
é considerada uma mudança patológica progressiva associada à fibrose e
calcificação da cartilagem. Essa alteração dificulta a aeração e
migração
epitelial, predispondo a um microambiente favorável à multiplicação
microbiana,
perpetuando o quadro clínico (HARVEY et al., 2004; MACTAGGART, 2008),
além de dificultar
o acesso da medicação tópica no canal
auditivo (MURPHY, 2001).
Estudos
anteriores já
observaram redução dos sinais clínicos de otite externa em cães
tratados
topicamente com solução de limpeza auricular apenas (GOTTHELF &
YOUNG,
1997; LLOYD et al., 1998; COLE et al., 2003; BASSETT et al., 2004), bem
como
naqueles tratados com produtos polifarmacêuticos (ROUGIER et al., 2005; BENSIGNOR & GRANDEMANGE, 2006). A limpeza
do canal auditivo diminui a quantidade de cerúmen e consequentemente
reduz o
substrato para desenvolvimento de microrganismos e ainda permite o
contato mais
eficientemente dos agentes anti-inflamatórios, antibacterianos e
antifúngicos
na parede do canal auditivo (MUELLER et al., 2011). Consequentemente, o
eritema
e o prurido que se agravam secundariamente aos microrganismos (MACHADO
et al.,
2003; NASCENTE et al., 2005), reduzem em intensidade.
No
grupo A, otalgia foi o
único sinal clínico que aumentou, podendo ser associada ao
ceruminolítico, pela
tendência a pH ácido desse produto (MELMAN, 2007), já que nas orelhas
do grupo
B, que sofreram o mesmo sistema de aplicação de medicamento,
observou-se
redução da otalgia.
Tanto
nas orelhas do grupo A,
tratadas com ceruminolítico e solução otológica, quanto nas do grupo B,
tratadas apenas com solução otológica, houve redução significativa do
prurido
(respectivamente, p=0,01 e p=0,016), do eritema da concha acústica
(respectivamente, p=0,02 e p=0,03) e do eritema da otoscopia
(respectivamente,
p=0,0003 e p=0,003). A redução do número de orelhas com odor fétido
(p=0,003)
foi significativa apenas no grupo A.
Observou-se
também diferença
estatística no escore de cerúmen no 15º dia de tratamento entre os
grupos,
sendo classificado como leve (n=13), moderado (n=3) e intenso (n=4) nas
orelhas
do grupo A e entre leve (n=8) e moderado (n=12) nas do grupo B. Embora
não
tenha sido demonstrada diferença significativa no mesmo grupo entre os
dias de
avaliação, possivelmente, foi o ceruminolítico que influenciou
diretamente na
diminuição do número de orelhas com cerúmen moderado e intenso.
No
dia “0”, antes do
tratamento proposto, verificaram-se, nas culturas fúngica e bacteriana,
o
isolamento de Malassezia pachydermatis
em 11 amostras do grupo A, destas, quatro em policultura com Staphylococcus intermedius, enquanto que
no grupo B a levedura foi isolada em 15 amostras, destas, quatro em
policultura
com S. intermedius e duas com S.
epidermides. Após 15 dias de
tratamento, essa levedura foi isolada em quatro amostras e bactéria em
duas, no
grupo A; já no grupo B, leveduras foram isoladas em cinco amostras e
bactérias
não foram encontradas (Figura 1). Embora não tenham
sido demonstradas
diferenças estatísticas entre os grupos nos dias de avaliação, o grupo
B
apresentou diferença significativa em relação à redução dos isolados
leveduriformes (p=0,004) e bacterianos (p=0,026) no final do período
experimental.
Apesar
da acidificação do
canal auditivo ser recomendada nos casos de otite associada a leveduras
e
bactérias (SANDER, 2001; SWINNEY et al., 2008), observou-se que o uso
de
ceruminolítico com ácido salicílico
concomitante ao uso de solução otológica não reduziu
significativamente os microrganismos,
enquanto que o uso somente de solução
otológica obteve resultados melhores em relação ao período de
tratamento.
Estudos de casos de otite externa apresentaram, com frequência, S. intermedius e M. pachydermatis (KISS
et al., 1997; NOBRE et al., 1998; FERNÁNDEZ
et al., 2006; TULESKI et al., 2008), embora S.
epidermidis também já tenha sido isolado de pacientes otopatas
(KISS et
al., 1997; NOBRE et al., 1998; FERNÁNDEZ et al., 2006). Nos casos de
otite
externa canina os microrganismos estão envolvidos como fatores
perpetuantes e
não como agentes causadores da otite externa, visto que mesmo em
orelhas
saudáveis podem ser isolados Malassezia
packydermatis e bactérias Gram positivas (LYSKOVA et al., 2007).
Quando
esses microrganismos encontram microambinete favorável, como excesso de
cerúmen, multiplicam-se e, dessa forma, dificultam a resolução do
quadro
clínico (HARVEY et al., 2004; MACTAGGART, 2008); por esse motivo é
importante
incluir soluções tópicas contendo antimicrobianos na terapia da otite
externa.
No
antibiograma realizado com
as amostras do dia “0”, consideraram-se as bactérias Gram+ isoladas de
orelhas
de ambos os grupos, sendo demonstrada sensibilidade de 80,0% à
gentamicina e de
70,0% à neomicina. Silva (2001) encontrou, para S.
intermedius, 100,0% de sensibilidade à gentamicina e 85,7% à
neomicina e, para S. epidermidis,
100,0% de sensibilidade aos dois antibióticos. Já TULESKI et al. (2008)
observaram sensibilidade, para S.
intermedius, de 74,0% à gentamicina e de 100,0% à neomicina.
O
tratamento com
ceruminolítico (grupo A) demonstrou uma redução mais acentuada dos
sinais
clínicos em relação ao tratamento sem ceruminolítico (grupo B),
mas a
diminuição do isolamento microbiano foi observada mais eficientemente
nas
orelhas do grupo B. Possivelmente, isso ocorreu porque os
antibacterianos são
melhor absorvidos em meio alcalino (OLIVEIRA et al., 2006; RIERA et
al., 2008)
e o pH ácido do ceruminolítico alterou o microclima no canal auditivo,
inviabilizando uma redução efetiva da carga bacteriana nas orelhas do
grupo A.
Ao
CNPq e à CAPES pela concessão de bolsas de pós-graduação e de iniciação
científica e, pelo apoio financeiro para realização deste estudo.
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Protocolado em: 25 maio
2010Aceito em: 30 nov. 2012.