RESUMO
O
Procyon cancrivorus é um
animal silvestre pertencente à ordem Carnivora, presente em todo o
território brasileiro, alguns países da América Central, Uruguai e
Argentina. Apesar de este animal estar fora da lista de animais em
extinção, existem poucos dados morfológicos desta espécie. Na
literatura brasileira e mundial, foram encontrados apenas estudos sobre
seus hábitos, hábitat e alguns dados morfológicos. Propõe-se, neste
trabalho, descrever as inserções proximais e distais dos músculos da
coxa do
P. cancrivorus,
comparando-os com dados da literatura de carnívoros domésticos, como
cães e gatos. Os cinco espécimes foram recolhidos pós-morte, vítimas de
atropelamentos em rodovias. Procedeu-se à fixação dos animais em
formaldeído (10%) e ao armazenamento em cubas opacas tampadas. A
descrição da musculatura da coxa foi possível por meio da técnica de
dissecação, visualizando-se suas inserções proximais e distais,
irrigação e inervação. Os resultados obtidos foram documentados com
câmera fotográfica digital e comparados com dados da literatura dos
músculos da coxa de animais domésticos, como cão e gato. Estudaram-se
os músculos quadríceps femoral, sartório, tensor da fascialata, bíceps
femoral, semitendinoso, adutores, semimembranoso, abdutor crural
caudal, gêmeos, quadrado femoral, pectíneo e grácil, em que se
constatou grande similaridade com os músculos da coxa dos carnívoros
domésticos, como o cão e gato.
Palavras-chaveS: Anatomia, mão-pelada, músculos da coxa,
Procyon cancrivorus.
ABSTRACT
MORPHOLOGY OF THE MUSCLES OF THE THIGH OF CRAB-EATING
RACCOON (Procyon cancrivorus) – Cuvier 1798
The
Procyon cancrivorus is a
wild animal, which belongs to the carnivore order, present in all
Brazilian territory, some Central American countries, Uruguay and
Argentina. Although this animal is not in the list of endangered
species, there are few morphological data about this species. Only
studies about the habits, habitat and some morphological data were
found in Brazilian and world literature. The purpose of this study was
to describe the proximal and distal insertions of the posterior and
medial thigh muscles of the
P. cancrivorus,
comparing them with domestic carnivores literature data, such as dogs
and cats. The five specimens were collected postmortem, victims of
accidents on highways. The animals were fixed in formaldehyde (10%) and
stored in opaque covered tanks. The description of the thigh
musculature was made possible by the dissection technique, visualizing
its proximal and distal insertions, irrigation and innervation. The
results were documented with a digital camera and compared with
literature data of the thigh muscles of domestic animals such as cats
and dogs. Studies on the quadriceps femoris, sartorius, tensor fascia
lata, biceps femoris, semitendinosus, adductor, semimembranosus, caudal
crural abductor, twins, quadratus femoris, gracilis and pectineus were
carried out and great similarity with the thigh muscles of carnivores
such as cats and dogs were found.
KEYWORDS: Anatomy, muscles of the thigh,
Procyon cancrivorus, raccoon.
INTRODUÇÃO
O
Procyon cancrivorus é agrupado ao filo Chordata, classe Mammalia, ordem Carnivora e família
Procyonidae. Segundo RODRIGUES & AURICCHIO (1994), no Brasil são encontradas quatro espécies de procionídeos:
Nasua nasua (quati),
Procyon cancrivorus,
Potos flavus (jupara) e
Bassaricyon gabbii (olingo). O quati e o
P. cancrivorus possuem maior distribuição e são as mais conhecidas.
De ocorrência neotropical,
P. cancrivorus
é encontrado principalmente na Costa Rica, Bolívia, Colômbia, Guiana,
Peru, Suriname, Venezuela, Trinindad e Tobago, Panamá, Uruguai,
nordeste da Argentina (DÍAZ & BARQUES, 2002; BARQUES
et al.,
2006) e em todos os biomas do território brasileiro, desde o Cerrado ao
Pantanal, Mata Atlântica aos Campos Sulinos e Amazônia à Caatinga
(CÂMARA & MURTA, 2003; CUBAS
et al., 2006). Existem registros de observação deste carnívoro silvestre também em mangues na região da Bahia, BA (FREITAS, 2005).
Muitos são os seus nomes populares, como guaxinim, rato lavador, urso
lavador, mascarado, mão-lisa e principalmente mão-pelada, que se refere
às mãos desprovidas de pelos, que deixam pegadas semelhantes às mãos de
uma criança. Possui o tato bem desenvolvido e agilidade manual,
permitindo-lhe procurar por peixes e outros organismos aquáticos em
água rasa ou lodo, geralmente lavando-os antes de ingeri-los (CÂMARA
& MURTA, 2003; MURTA & CÂMARA, 2006).
Segundo FREITAS (2005), o mão-pelada, maior procionídeo do Brasil,
possui um comprimento corpóreo bastante variável – entre 40,0 e 100,0
cm – e a cauda longa apresentando anéis alternados, com 20,0 a 38,0 cm.
A coloração da pelagem varia do escuro ao grisalho, sendo prontamente
identificado, dada a máscara preta que se estende dos olhos à base da
mandíbula e em virtude da maior altura dos membros pélvicos, assim como
a cauda peculiar (CÂMARA & MURTA, 2003; CUBAS
et al., 2006; MAMEDE, 2006; REIS
et al., 2006). É considerado um potencial dispersor de sementes (WIESBAUER
et al., 2008). Como observado por CAVALCANTI
et al. (2009) no sertão de Pernambuco, o mão-pelada é um dos principais animais silvestres dispersores de sementes de imbuzeiro (
Spondias tuberosa) naquela região.
Apesar de esta espécie estar fora da lista de animais em extinção (MACHADO
et al., 2005; CUBAS
et al.,
2006), está entre as espécies de carnívoros silvestres brasileiros
menos estudados. Poucos são os dados morfológicos desta espécie (MORATO
et al., 2004). Constam-se, na
literatura brasileira e internacional, apenas conhecimentos sobre
hábito, hábitat e estudos de parâmetros sanguíneos (hematologia,
bioquímica sanguínea, citoquímica sanguínea), biométricos,
eletrocardiograma e doenças infecciosas e não infecciosas a que está
sujeita a espécie (CUBAS
et al., 2006). Há um estudo da topografia dos colaterais calibrosos do arco aórtico de um mão-pelada (SANTOS
et al, 2004), outro estudo de ocorrência de criptorquidismo em
P. canvrivorus de vida livre (DIAS
et al., 2007), um estudo morfológico da glândula pineal (MARQUES
et al., 2010) e um de microdesgaste dentário em
P. cancrivorus
(KOENEMANN, 2009). No que concerne às descrições morfológicas deste
carnívoro, o presente grupo de pesquisa avaliou a anatomia dos músculos
do braço (LIMA
et al., 2009a), do antebraço (LIMA
et al., 2010), da coxa (PEREIRA
et al., 2010) e a distribuição da artéria mesentérica (LIMA
et al., 2009b). E ainda, segundo JORGE
et al. (2009), o mão-pelada está sujeito à inoculação pelo vírus da raiva, assim como outros animais selvagens.
Os músculos estabelecem o contorno morfológico característico de cada espécie e são os órgãos ativos do movimento (DI DIO
et al.,
2003). É dificil descrever o sistema muscular dos mamíferos, por causa
das variações das disposições muscular nas diversas espécies (ORR,
1986). Mas é uma tarefa essencial, porque a caracterização anatômica
dos músculos fornece informações relevantes sobre hábitos alimentares,
força e comportamento (AVERSI-FERREIRA
et al., 2006), diante dos escassos dados existentes na literatura especializada.
Os espécimes foram eventualmente coletados em rodovias, vítimas de atropelamentos, o que corrobora a citação de REIS
et al. (2006), quando se referem que esta é a principal causa de morte da espécie. De acordo com LIMA
et al. (2009a), há uma lacuna no que diz respeito à anatomia do
Procyon cancrivorus,
entre os vários carnívoros silvestres existentes, podendo ser comparada
com a dos carnívoros domésticos, como o cão e o gato. Segundo
HILDEBRAND & GOSLOW (2006), as homologias quase sempre são
evidentes entre os músculos de ordens e táxons inferiores, porém as
descrições sobre a morfologia muscular desta espécie silvestre podem
contribuir grandemente para o estabelecimento de um padrão normal,
próprio ou não da espécie. Além disso, este estudo pode subsidiar
futuras pesquisas nas diversas áreas correlatas. Assim, diante do
escasso número de trabalhos publicados na literatura brasileira e
internacional acerca da espécie, com o presente estudo morfológico
objetivou-se estudar macroscopicamente os músculos do membro coxa de
P. cancrivorus,
no tocante às inserções distais e proximais, comparando-os com dados da
literatura disponível acerca dessas estruturas em carnívoros
domésticos, como cães e gatos.
MATERIAL E MÉTODOS
No desenvolvimento do trabalho foram utilizados cinco animais
procedentes de coleta pós-morte em rodovias, vítimas de atropelamentos,
cujos critérios obedeceram ao Comitê de Ética Institucional e à Lei
Vigente (Lei 1.153/95), no ano de 2009. Os animais foram conduzidos ao
Laboratório de Anatomia Humana e Comparativa da Universidade Federal de
Goiás, Campus Jataí, onde se procedeu à canulação da aorta, perfusão
com água aquecida (40ºC) e injeção de látex corado (neoprene 450,
Dupont do Brasil e Sulvinil Corante, Glassuret S.A.), seguindo-se de
fixação em solução de formaldeído (10%). Posteriormente o material foi
armazenado em cubas opacas tampadas, para evitar a penetração da luz e
a evaporação do formol.
Para HILDEBRAND & GOSLOW (2006), a dissecação é a técnica mais
importante para o estudo dos músculos. Conhecer a posição anatômica de
um músculo e suas relações com outros músculos e com o sistema
esquelético é fundamental para interpretação. A descrição da
musculatura dos espécimes possibilitou a visualização das inserções
proximais e distais, irrigação e inervação do respectivo grupo
muscular.
Posteriormente, os resultados obtidos foram documentados com câmera
fotográfica digital (Sony Cyber-shot, 8.1 megapixels) e comparados com
dados da literatura, acerca dos músculos do membro pélvico de animais
domésticos, como cão e gato. Adotaram-se as respectivas designações
anatômicas daqueles animais domésticos para as unidades do grupo
muscular em estudo, obedecendo-se à International Comitee on Veterinary
Gross Anatomical Nomenclature (2005).
RESULTADOS
Mediante consulta em literatura especializada, no tocante à musculatura
da coxa de carnívoros domésticos, e observação dos músculos da coxa de
P. cancrivorus,
constataram-se as homologias musculares entre estas espécies. Os
músculos da coxa deste carnívoro silvestre foram nomeados segundo as
designações anatômicas (
Figuras 1 e
2).
Em vista lateral, identificaram-se os músculos: sartório (porção
cranial), bíceps femoral, semitendinoso (porção cranial), tensor da
fascialata, retofemoral, vastolateral, quadrado femoral e
semimembranoso (porção cranial), evidenciados nas
Figuras 3 e
4, respectivamente.
DISCUSSÃO
Neste trabalho, em que se estudaram os músculos da coxa de
P. cancrivorus, os dados obtidos foram comparados com os existentes na literatura de anatomia veterinária, como cães e gatos, especificamente.
Em carnívoros domésticos, GETTY (1986) descreve os músculos do membro
pélvico, enfatizando, principalmente, os cães. No entanto, cita que os
músculos dos membros, especialmente os mais distais, são mais
desenvolvidos no felino do que no cão, dentre outras divergências
musculares, como a presença do músculo sóleo em felinos. KONIG &
LIEBICH (2002) descrevem a miologia dos carnívoros domésticos,
utilizando como exemplo, em suas ilustrações, o cão, assim como
SCHALLER (1999), EVANS & DE LAHUNTA (1994), que descrevem
especialmente a musculatura do cão, enfatizando sua dissecção. POSPEKO
(1990) ilustra a topografia dos carnívoros domésticos. Acredita-se que
as descrições musculares em carnívoros domésticos são extrapoláveis
para todas as demais espécies dos Carnivora, podendo ocorrer variações
relevantes ou que refletem uma conformação corporal diferente entre as
espécies. É o caso das encontradas nos músculos do antebraço de
mão-pelada, mais semelhantes aos músculos do antebraço do gato, por
apresentar o músculo braquioradial, ausente no cão (LIMA
et al.,
2010). Assim como os músculos do braço e da perna de mão-pelada, que
ocorrem similarmente aos músculos dos carnívoros domésticos (LIMA
et al., 2009a; PEREIRA
et al., 2010).
Os carnívoros domésticos apresentam o músculo quadríceps femoral
consistindo em quatro porções: o músculo reto da coxa é a porção mais
longa e possui inserção proximal no osso pélvico por um tendão curto,
de uma tuberosidade logo cranial ao acetábulo. O músculo vastomedial e
o músculo vastolateral possuem suas inserções proximais no lado
respectivo do fêmur, próximo à extremidade proximal. Profundamente ao
músculo vastolateral, com o qual ele surge, caudalmente ao músculo reto
da coxa, está o músculo vastointermédio. Todas as quatro porções
terminam em um tendão comum contendo a patela e inserem-se distalmente
na cavidade da tuberosidade tibial (GETTY, 1986; POSPEKO, 1990; EVANS
& DE LAHUNTA, 1994; SCHALLER, 1999; KONIG & LIEBICH, 2002), o
que corresponde aos achados deste estudo, em todos os cinco espécimes
de P. cancrivorus (Figuras 1 e 2). KONIG & LIEBICH (2002) citam que
no gato é nítida a divisão em quatro ventres musculares. Em cães essa
divisão é menos evidente, assim como no mão-pelada (
Figuras 1 e
2). Em Procyon cancrivorus, o músculo quadríceps da coxa é extensor da articulação do joelho.
Autores como GETTY (1986), EVANS & DE LAHUNTA (1994), SCHALLER
(1999) e KONIG & LIEBICH (2002) citam que em cães o músculo
sartório consiste em duas porções com inserção proximal na tuberosidade
da coxa. Fato corroborado pelas ilustrações destes músculos no cão,
como relatado por POPESKO (1990). Em P. cancrivorus, este músculo não
apresenta divisões no ventremuscular. Consiste, portanto, em uma única
porção muscular, correspondendo à porção cranial do cão, similar ao
gato. De acordo com GETTY (1986), este músculo não é dividido em duas
porções (
Figura 1).
No entanto, a inserção proximal se assemelha à inserção da porção
cranial do cão, na tuberosidade coxal, situando-se junto ao músculo
tensor da fascialata como limite cranial da coxa, inserindo-se
distalmente junto à aponeurose do músculo grácil e medialmente na
margem cranial da tíbia, sendo este músculo um adutor do membro pélvico
(POSPEKO, 1990; EVANS & DE LAHUNTA, 1994; SCHALLER, 1999; KONIG
& LIEBICH, 2002). Em mão-pelada, o músculo sartório não cobre o
canal femoral, sendo possível sentir-se o pulso nesse local,
similarmente ao que ocorre nos carnívoros domésticos (KONIG &
LIEBICH, 2002).
Em todos os cincos espécimes utilizados no estudo, o músculo grácil
apresenta inserção proximal aponeurótica no tendão sinfisial e tendão
de inserção distal plano e forte, profundamente na porção caudal do
músculo sartório e ao longo de todo o comprimento da margem cranial da
tíbia (
Figuras 1 e
2).
Este atua como adutor do membro pélvico, similarmente ao cão e gato
(GETTY, 1986; EVANS & DE LAHUNTA, 1994; SCHALLER, 1999; KONIG &
LIEBICH, 2002).
KONIG & LIEBICH (2002) afirmam que os músculos adutores se
configuram diferentemente, como se verifica no cão e principalmente no
gato, que apresenta somente um adutor longo. Em
P. cancrivorus,
verifica-se um músculo adutor curto, que se insere proximalmente no
tendão sinfisial e distalmente na superfície rugosa da extremidade
distal do fêmur. O músculo adutor magno insere-se proximalmente do
tendão sinfisial ímpar, coberto pelo músculo grácil, relacionado ao
músculo vasto medial, para inserir-se distalmente no epicôndilo medial
do fêmur (
Figuras 1 e
2), como é citado por aqueles autores para os carnívoros. Os adutores abduzem o membro pélvico e estendem a bacia.
O músculo pectíneo no cão e gato, segundo GETTY (1986), é relativamente
pequeno e fusiforme e surge do tendão pré-púbico, descendo na coxa em
um sulco entre o músculo vasto medial e o músculo adutor, para formar
uma inserção distal tendínea ao longo da superfície caudal do fêmur,
distalmente à sua parte média. A porção medial de sua inserção une-se à
porção do músculo semimembranoso. Ele aduz a coxa e gira o membro
lateralmente. Estas descrições anatômicas são corroboradas por SEIFERLE
(1968), EVANS & DE LAHUNTA (1994), SCHALLER (1999) e KONIG &
LIEBICH (2002), o que da mesma forma prevalece em
P. canvrivorus (
Figuras 1 e
2).
GETTY (1986), EVANS & DE LAHUNTA (1994), SCHALLER (1999) e KONIG
& LIEBICH (2002) citam que, nos carnívoros domésticos, o músculo
bíceps femoral insere-se proximalmente na tuberosidade isquiático
(cabeça vertebral) e no terço distal do ligamento sacrotuberal (cabeça
pélvica). Insere-se distalmente por meio das fáscia lata e crural à
patela, ao ligamento patelar e à borda cranial da tíbia, por meio da
fáscia crural à parte subcutânea do corpo da tíbia e à tuberosidade
calcânea, como verificado nesta pesquisa, em todos os espécimes de
P. cancrivorus (
Figura 3). Ele flexiona a articulação do joelho, estende o tarso e abduz o membro pélvico.
O músculo tensor da fáscia lata no gato é extenso (STANLEY
et al.,
2002). No cão é um músculo triangular que surge da tuberosidade da coxa
para unir-se, ao nível do trocanter maior, à fáscia lata (GETTY, 1986;
POSPEKO, 1990; EVANS & DE LAHUNTA, 1994; SCHALLER, 1999; KONIG
& LIEBICH, 2002). Esta continua distal e lateralmente ao
quadríceps, até a patela, o que corresponde silmilarmente aos achados
desta pesquisa em
P. cancrivorus (
Figura 3).
O músculo semitendinoso insere-se proximalmente na tuberosidade
isquiática caudal à origem do músculo bíceps da coxa, descendo
caudalmente ao músculo bíceps da coxa, para ter curso medial e passar
medialmente à fossa poplítea e aos músculos caudais da coxa. Insere-se
distalmente por meio de um tendão forte e plano, na porção distal da
borda cranial da tíbia, distalmente ao tendão do músculo grácil. Atua
como flexor da articulação do joelho, extensor do quadril e da
articulação tibiotársica do
P. cancrivorus (
Figuras 3 e
4),
o que pode ser observado nas descrições de GETTY (1986), EVANS & DE
LAHUNTA (1994), SCHALLER (1999) e KONIG & LIEBICH (2002).
POSPEKO (1990) ilustra o músculo semimembranoso e KONIG & LIEBICH
(2002) descrevem-no no cão com inserção proximal na tuberosidade
isquiática, caudal e medialmente ao músculo semitendinoso, tornando-se
cranial ao referido músculo, ao dobrar-se medialmente para se inserir
distalmente. Duas porções podem ser distinguidas, embora tenham
inserções distais adjacentes. A porção cranial tende a se inserir à
porção caudal, e assim se une ao epicôndilo medial do fêmur e à origem
do músculo gastrocnêmio, ao passo que a porção caudal possui inserção
distal no epicôndilo medial da tíbia. Estende a articulação do quadril
e abduz o membro pélvico (GETTY, 1986; EVANS & DE LAHUNTA, 1994;
SCHALLER, 1999), da mesma forma como no mão-pelada.
Em todos os cinco espécimes sob exame do presente estudo, os músculos
gêmeos inserem-se proximalmente à borda lateral do ísquio, permanecendo
as duas partes lado a lado, apenas demarcadas pelo tendão do músculo
obturador interno, com o qual elas se inserem distalmente na fossa
trocantérica (
Figura 4).
E atuam como rotador externo da coxa, análogo às descrições de EVANS
& DE LAHUNTA (1994), SCHALLER (1999) e KONIG & LIEBICH (2002),
para os carnívoros domésticos.
O músculo quadrado femoral tem sua inserção proximal medialmente à
tuberosidade isquiática, corre, cranial e distalmente, próximo ao
músculo adutor, para inserir-se distalmente na fossa trocantérica, como
nas descrições de GETTY (1986). Isso é corroborado por EVANS & DE
LAHUNTA (1994), SCHALLER (1999) & KONIG & LIEBICH (2002), para
os carnívoros domésticos, o que da mesma forma foi encontrado em todos
os cinco espécimes de mão-pelada. Este músculo atua como extensor da
articulação coxofemoral e desloca as extremidades para trás (
Figura 4).
O músculo abdutor crural caudal, presente apenas em carnívoros (KONIG
& LIEBICH, 2002), no mão-pelada apresenta inserção proximal na
porção distal do ligamento sacrotuberal e distalmente, na fáscia
crural, com fibras mais caudais do músculo bíceps da coxa, em
conformidade com as citações de GETTY (1986), EVANS & DE LAHUNTA
(1994), SCHALLER (1999) e KONIG & LIEBICH (2002), para os
carnívoros domésticos.
No cão e gato, EVANS & DE LAHUNTA (1994) citam que os músculos
quadríceps femoral, sartório, tensor da fáscia lata são supridos por
ramos do nervo isquiático e nutridos por ramos da artéria femoral.
Exceto o músculo tensor da fáscia lata no tocante à inervação,
intermediada pelo nervo glúteo cranial. Os músculos bíceps femoral,
semitendinoso, adutores, semimembranoso, grácil, abdutor crural caudal,
gêmeos, quadrado femoral, pectíneo e grácil são inervados por ramos do
nervo isquiático e nutridos por ramos da artéria femoral profunda.
Exceto os músculos adutores, pectíneo e grácil no tocante à
vascularização, intermediada por ramos da artéria femoral, continuação
caudal da artéria ilíaca interna. Os estudos destes autores não
abrangem as respectivas veias que vascularizam este
grupo muscular. Porém, estas citações são apresentadas em
esquemas por autores como POSPEKO (1990), SCHALLER (1999) e KONIG &
LIEBICH (2002), cujos estudos abrangem toda a vascularização venosa do
membro pélvico do cão e gato. Acredita-se que, no tocante à
vascularização arterial e venosa dos músculos da coxa de
P. cancrivorus,
o mesmo ocorra nos respectivos músculos em mão-pelada, dada a grande
similaridade morfológica destes músculos em carnívoros domésticos.
CONCLUSÃO
Com base na metodologia empregada e na análise dos resultados obtidos, constatou-se que os músculos da coxa de
Procyon cancrivorus,
no geral, são similares ao respectivo grupo muscular nos carnívoros
domésticos, como cães e gatos, não ocorrendo divergências quanto à
inserção distal e proximal dos músculos da coxa. Exceto no músculo
sartório, uma vez que apresenta somente um ventre muscular e pelo fato
de todos os músculos em ênfase refletirem uma conformação corporal
diferente dos carnívoros domésticos. O presente estudo induz a afirmar
que todos os músculos da coxa deste carnívoro silvestre obedecem ao
mesmo padrão morfológico no tocante às inserções distais e proximais
encontradas em carnívoros domésticos. Este estudo elucida os padrões
morfológicos da miologia da coxa do
Procyon cancrivorus,
fato que o torna um meio que poderá contribuir em futuros estudos
biomecânicos, morfofisiológicos e a outras áreas correlatas.
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Protocolado
em: 7 maio 2010. Aceito em: 24 ago.
2010.