MASTITE E SÍNDROME DA QUEDA DO LEITE / INFECÇÃO POR Leptospira interrogans EM
OVELHAS DA RAÇA SANTA INÊS NO DISTRITO FEDERAL
Adriana Helena
Rosa1, Luiza de Souza Seixas1, Concepta Margaret McManus
Pimentel3, Rômulo Cerqueira Leite2, Élvio Carlos Moreira2,
Cristiano Barros de Melo3
O
presente trabalho foi realizado com o objetivo de estudar a relação entre a
mastite clínica e a infecção por Leptospira interrogans/síndrome da queda do leite em ovelhas da raça Santa Inês. Examinaram-se 1000
ovelhas, em 12 fazendas do Distrito Federal, quanto à sua condição clínica, com
o objetivo de detectar animais com mastite clínica. Considerando um estudo de
caso controle, os animais foram divididos em dois grupos: aqueles que
apresentavam sinais de mastite clínica (G1) e os que não apresentavam sinais de
mastite clínica (G2). Colheram-se amostras de sangue das ovelhas dos dois grupos
e utilizou-se o teste de soroaglutinação microscópica
para identificar aquelas soropositivas para Leptospira spp. Dos animais do primeiro grupo,
quatro (4,08%) foram soropositivos para Leptospira spp, sendo
três positivos para as sorovariedades Hardjoprajitno (Norma) e Hardjoprajitno (OMS) e um animal positivo para as sorovariedades Australis e Autumnalis. Dos
animais do segundo grupo, dois (5,26%) foram soropositivos, ambos para as sorovariedades Hardjoprajitno
(Norma) e Hardjoprajitno (OMS). Não foi observada
relação entre a síndrome da queda do leite / infecção por Leptospira spp e a
presença de mastite clínica nas ovelhas (p > 0,05).
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PALAVRAS-CHAVE: Doença; infecção; ovino; saúde
animal.
MASTITIS AND
MILK DROP SYNDROME/Leptospira interrogans INFECTION IN SANTA
INES EWES FROM DISTRITO FEDERAL
ABSTRACT
The aim of the present work was to determine the relationship between
clinical mastitis and Leptospira interrogans /
Milk Drop Syndrome in Santa Inês ewes. One thousand
sheep were examined on 12 farms in the Distrito Federal, Brazil, as to their
clinical condition, in order to identify animals with clinical mastitis. The
animals were divided into two groups: animals which presented clinical mastitis
symptoms (G1) and animals which did not have clinical mastitis symptoms (G2).
Blood samples were collected from all ewes of the two groups. The microscopic
agglutination test was performed in order to identify
the seropositive animals to Leptospira spp. Four (4.08%) animals of the first
group were seropositives to Leptospira spp., of which three were positives to
Hardjoprajitno (Norma) and Hardjoprajitno (OMS) sorovars and
one to both Australis and Autumnalis sorovars. In the second
group, two (5.26%) animals were seropositives to both
Hardjoprajitno (Norma) and Hardjoprajitno (OMS) sorovars. A
relationship between Leptospira spp. infection / milk drop syndrome and
the presence of clinical mastitis in ewes (p > 0.05) was not
observed.
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KEYWORDS: Animal health; disease; infection;
sheep.
INTRODUÇÃO
Episódios de mastite em ovinos têm sido
a principal razão de abate ou morte precoce de ovelhas por problemas sanitários
(MALHER et al., 2001; BERGONIER et al., 2003; LEITNER et al., 2008, MELO et al.,
2008). Pesquisas demonstraram que as consequências deletérias da mastite são
mais significativas em pequenos ruminantes do que em vacas leiteiras (LEITNER
et al., 2004a).
Em pequenos
ruminantes, uma consistente redução da produção de leite, seguida de infecções
na glândula mamária, tem sido descrita com várias intensidades, dependendo do
envolvimento de uma ou ambas as glândulas. Quando há envolvimento de ambas as
glândulas, relatou-se uma redução de 58% e 30% na produção leiteira de
ovinos e caprinos, respectivamente (TORRES-HERNADEZ & HOHENBOKEN,
1979; McCARTHY et al., 1988; GONZALO et al., 1994;
CUCCURU et al., 2002; LEITNER et al., 2003, 2004a,b).
O risco de mastite clínica é maior em ovelhas que têm gestação
tripla, quando comparadas aquelas que têm gestação simples ou gemelar com apenas dois cordeiros e a porcentagem de
mortalidade entre ovelhas durante a lactação é significativamente superior nas
que apresentam mastite clínica. Além disso, a mortalidade de cordeiros também é
superior quando as mães apresentam mastite clínica. A mastite causada por Leptospira spp. é uma
importante causa de morte de matrizes ovinas após o primeiro parto. É observada
uma agalactia aguda que frequentemente leva à morte de
cordeiros por inanição (FAINE et al., 1999; ARSENAULT
et al., 2008).
Ovinos não são hospedeiros naturais para L. Hardjo e
geralmente apresentam infecções de curta duração, mas com efeitos patológicos
severos. Epidemias de agalactia em rebanhos ovinos, a
síndrome da queda do leite, têm sido associadas com infecção por L. Hardjo.
Pouco tem sido descrito sobre essa síndrome em rebanhos ovinos (RADOSTITS et al., 2007; MELO et al., 2010).
Considerando a alta ocorrência de mastite em ovelhas Santa Inês,
bem como os poucos estudos sobre a infecção por Leptospira e sobre a síndrome da
queda do leite em ovelhas, este trabalho tem o objetivo de estudar casos de
mastite clínica e a sua relação com a infecção por Leptospira sp e com a síndrome da queda do
leite em ovelhas em rebanhos no Distrito Federal.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente trabalho foi realizado no período de janeiro a maio
de 2007, avaliando-se todas as ovelhas pertencentes aos rebanhos ovinos da raça
Santa Inês localizados em 12 fazendas no Distrito Federal (Vargem Bonita,
Planaltina e Recanto das Emas), compreendendo um total de 1000 animais avaliados
nas 12 fazendas. Todas as ovelhas foram examinadas clinicamente como proposto
por CALAVAS et al. (1998), visando detectar ovelhas com
mastite clínica, sendo que as glândulas mamárias foram observadas, palpadas e
comparadas umas com as outras, suas formas, tamanho e consistência, e as
anormalidades descritas.
Do total de animais avaliados por exame clínico detalhado,
realizou-se um estudo de caso controle (THRUSFIELD, 2004), para isso foram
separadas 136 ovelhas, que compuseram dois grupos, sendo: G1 - animais que
apresentavam sinais de mastite clínica (n=98); e G2 - animais que não
apresentavam sinais de mastite clínica - grupo controle (n=38), conforme Sampaio (1998). Em seguida, colheu-se o
sangue com frascos a vácuo (Vacutainer®) de todas as ovelhas dos dois grupos,
separando-se o soro, aliquotando-o e armazenando-o a –
20ºC até posterior análise.
Visando descrever fatores predisponentes e inferir sobre o
perfil sanitário dos estabelecimentos produtores, bem como as características
observadas nos úberes, tetas, secreção mamária, estado geral de cada animal
amostrado, histórico reprodutivo, idade estimada por cronologia dentária,
conforme o preconizado por NSW AGRICULTURE (2003), entre outros, foi aplicado um
formulário de inquérito dos rebanhos e dos animais amostrados, permitindo
avaliar as técnicas de manejo utilizadas nas propriedades.
Realizou-se o teste de soroaglutinação
microscópica, o qual consiste na identificação de animais soropositivos para
leptospirose, utilizando-se como antígenos leptospiras
vivas, provenientes de culturas de cepas-padrão, mantidas por repiques semanais
em meio líquido de Stuart, Ellinghausen ou similar,
seguindo descrições de GALTON et al. (1965) e RYU
(1970), frente a uma bateria de 14 sorogrupos (australis, autumnalis,
ballum, bataviae, butembo, canicola, grippothyphosa, hebdomadis, icterohaemorrhagiae, mini, pomona,
pyrogenes, sejroe e tarassovi) e 21 sorovariedades
de Leptospira (Australis, Bratislava, Autumnalis,
Ballum, Bataviae,
Brasiliensis, Butembo, Canicola, Grippothyphosa, Hebdomadis, Icterohaemorrhagiae,
Szwajizak, Mini, Pomona, Pyrogenes, Hardjoprajitno (OMS),
Hardjoprajitno (Norma), Hardjo (hardjobovis), Wolffi, Sejroe e Tarassovi.
O critério adotado para leitura das reações positivas nos soros
foi a diluição de 1:100, cujo campo microscópico
apresentasse 50% ou mais de leptospiras aglutinadas,
sendo as análises realizadas no Laboratório de Zoonoses do Departamento de
Medicina Veterinária Preventiva, na Escola de Veterinária da Universidade
Federal de Minas Gerais,
O teste de soroaglutinação
microscópica ocorreu em duas etapas: triagem e titulação. A etapa de triagem
consistiu na diluição do soro a 1:50 (0,2 mL + 9,8 mL) em tampão
fosfato-salino (PBS - Phosphate
Buffered Saline) de pH
7,2. Em seguida, distribuiu-se 0,2 ml da diluição em placas, nas quais foram
acrescentados 0,2 mL de suspensão antigênica
correspondente. Nessa etapa, a diluição final do soro passou a ser 1:100. Após agitação e repouso em temperatura ambiente por
duas horas, as placas foram analisadas em microscópio com condensador de campo
escuro, com objetiva 10x e ocular 10 a 16x, adotando-se
o grau de aglutinação de 1+ a 4+ para cada antígeno, conforme os critérios
abaixo:
Os soros que, na prova de triagem, apresentaram redução no
número de leptospiras livres na ordem de 50% a 100%
foram submetidos à prova de titulação.
A partir da diluição 1:50 da prova de
triagem, foram preparadas mais nove diluições consecutivas do soro (títulos de
1:100 a 1:25600), distribuídas em placas. Em seguida acrescentou-se 0,2 mL do antígeno aos poços da respectiva fileira da placa.
Nessa etapa as diluições do soro passaram a ser de 1:100 a 1:51200. Após a incubação foi realizada a leitura
conforme descrito para prova de triagem, considerando-se como ponto final de
reação a mais alta diluição do soro capaz de aglutinar ou “lisar” 50% ou mais leptospiras.
Os dados foram
analisados por meio do “Statistical Analysis System” (SAS, 1999), utilizando-se o teste de Qui-quadrado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com relação à idade, em ambos os grupos os animais com quatro
mudas representaram a maioria (72,5% no G1 e 39,5% no G2) (Tabela 1). Esse fato
colabora para uma maior ocorrência de mastite, pois, quanto mais velhos os
animais, maior a exposição aos fatores de risco (ARSENAULT et al., 2008).
As alterações de
úbere observadas com mais frequência no G1 foram endurecimento (43,8%, n=43) e
fibrosamento (18,4%, n=18) (Tabela 2). O endurecimento do úbere pode indicar
presença de mastite clínica aguda e o fibrosamento, de mastite clínica crônica
(MELO et al., 2008). Com relação às características de linfonodos mamários, no
G1 73,5% (n=72) dos animais não apresentaram alterações e em 68,4% (n=67) dos
animais não se observou alteração na secreção mamária (Tabela 3).
No G1, 10 ovelhas (10,2%) eram
multíparas e os proprietários não souberam informar o histórico reprodutivo de
57 animais (58,2%). No G2, ao contrário do G1, apenas seis ovelhas (15,8%) eram
multíparas (Tabela 4). Vários autores descreveram um aumento na ocorrência de
mastite em ovelhas relacionado ao número de lactações (parições) (KIRK et al., 1980; FTHENAKIS, 1994; BERGONIER & BERTHELOT,
2003).
A literatura sobre mastite ovina no
Brasil é limitada. Entretanto, estudos em diferentes partes do mundo têm sido
conduzidos para avaliação da ocorrência de infecções da glândula mamária de
ovinos. A maioria desses estudos utiliza cultura microbiana como um fator
determinante para casos clínicos de mastite ou “California Mastitis Test” (CMT) e
a Contagem de Células Somáticas (CCS) como indicadoras de ocorrência de mastite
subclínica em ovelhas lactantes (LAFI et al.,
1998).
Do total de ovelhas analisadas, 9,8%
apresentaram sinais de mastite clínica, sendo uma ocorrência alta quando
comparada à encontrada por outros autores em outros países. CALAVAS et al. (1998) analisaram uma média de 245 ovelhas por rebanho
em 78 rebanhos do sul da França, em que foram examinadas todas em fase de
lactação. A ocorrência de mastite clínica observada foi de 4,51%. SARATSIS et al. (1998) examinaram 3.367 ovelhas de rebanhos da Grécia
no final do período de lactação e no período seco e encontraram 5,1% de mastite,
verificando que o risco de uma ovelha desenvolver alguma anormalidade no úbere
na fase inicial de involução mamária foi o mesmo que no período seco.
Em um estudo realizado em Quebec, no
Canadá, com rebanhos ovinos de corte durante período de lactação (58 dias),
ARSENAULT et al. (2008) detectaram incidência de 0 a 6,6 casos de mastite clínica a cada 100
lactações, com uma média de 1,2. O risco de mastite clínica observado foi
significativamente associado com a região e o número de cordeiros paridos.
Ovelhas que pariram três cordeiros tiveram significativamente mais risco de
apresentar mastite clínica do que as que tiveram gêmeos ou apenas um cordeiro.
Resultados semelhantes a este
trabalho foram observados por GROSS et al. (1978), que
relataram incidência de mastite clínica de 10 casos a cada 100 ovelhas. No
Brasil, em um surto descrito no Rio Grande do Sul, de 80 ovelhas examinadas, 10%
apresentaram mastite clínica e 8,75% fibrose da glândula mamária (FERNANDES
& CARDOSO, 1985).
Provavelmente, a alta ocorrência de
mastite clínica observada nos rebanhos ovinos estudados deve-se ao fato de a
ovinocultura ainda ser uma atividade recente no Distrito Federal, onde as
instalações e o manejo ainda são inadequados pela falta de experiência e correta
instrução técnica dos produtores.
Dos animais pertencentes ao G1
(n=98), que apresentavam sinais de mastite clínica, apenas quatro (4,08%) foram
soropositivos para Leptospira spp,
apresentando títulos de 1:100 e 1:200, sendo três animais positivos para os
sorovares Hardjo Amostra
Norma e Hardjo (OMS) e um animal positivo para os
sorovares Australis e Autumnalis.
Dos animais pertencentes ao G2 (n=38), que não apresentavam sinais de mastite
clínica, apenas dois (5,26%) foram soropositivos para Leptospira spp,
apresentando títulos de 1:100 e 1:400, sendo os dois
animais positivos para as sorovariedades Hardjo Amostra Norma e Hardjo
(OMS). Os únicos sorovares encontrados foram Hardjo Amostra Norma, Hardjo
(OMS), Australis e Autumnalis, sendo que todos os animais estavam positivos
para dois sorovares simultaneamente. Os sorotipos
Hardjo Amostra Norma e Hardjo (OMS) foram encontrados com maior frequência neste
estudo, em cinco animais, com prevalência de 83,3%, sendo que Australis e Autumnalis foram
encontrados em apenas um animal, com prevalência de 16,7%. Nenhum dos animais
amostrados apresentava sinais clínicos de leptospirose, apesar de a sorovariedade Hardjo, com certa
frequência, causar sinais clínicos mais severos, como transtornos reprodutivos,
natimortos e crias fracas (ELLIS et al.,
1983).
Estudos realizados em outros países
também indicaram o sorovar Hardjo como o mais prevalente entre ovinos. Na Turquia, os
sorovares Hardjo e Grippotyphosa foram os mais prevalentes (TURKUTANIT et al., 2002; SAGLAM et al., 2008).
O grande número de animais afetados
por sinais clínicos de mastite provavelmente pode ser explicado pelo precário
sistema de criação observado nas propriedades, uma vez que a ovinocultura no
Distrito Federal encontra-se em expansão, mas de forma desordenada, sem domínio
do conhecimento e das técnicas necessárias para um bom sistema de
produção.
Apesar de não ter sido encontrada
relação entre mastite e síndrome da queda do leite / infecção por Leptospira interrogans em
ovelhas neste estudo, é importante que sejam realizadas no Brasil mais pesquisas
que envolvam o estudo da relação entre a mastite e a síndrome da queda do leite
em ovinos, pois pouco tem sido relatado a respeito desta enfermidade nessa espécie, o que pode trazer
grandes perdas para os produtores e para a economia nacional, já que a
ovinocultura está em crescimento e adquirindo grande importância no mercado,
principalmente na região Centro-Oeste.
CONCLUSÕES
Conforme os resultados
observados e o teste estatístico realizado, não foi verificada diferença
significativa entre os resultados dos dois grupos, demonstrando que, neste
trabalho, não houve relação entre a síndrome da queda do leite / infecção por
Leptospira spp e a
presença de mastite clínica nas ovelhas.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq (Edital 27/2007), CNPq -
Bolsas PQ e ao CNPq/INCT-Pecuária pelas bolsas, a CAPES/Procad Novas Fronteiras 2007 pelo financiamento da estada
das alunas no Laboratório de Zoonoses na UFMG. A Camila Braz Ribeiral, Ricardo Luz e a EMATER-DF, pelo suporte no
trabalho realizado nas fazendas.
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Protocolado em:05 maio 2010. Aceito em: 11 maio 2012