Com o objetivo de pesquisar a
presença de aglutininas antileptospiras em soros sanguíneos de asininos
utilizados em veículos de tração animal e nos condutores das carroças
no município de São Luís, MA, e identificar os sorovares de maior
frequência, sessenta soros de asininos e sessenta de condutores foram
testados com trinta sorovares de Leptospira interrogans pela prova de
soroaglutinação micróscopica. Dos sessenta soros de asininos, obteve-se
85% de soropositividade, com reação dos soros a 21 sorovares dos trinta
testados, sendo os mais frequentes, em ordem decrescente, copenhageni,
pyrogenes, autumnalis e icterohaemorrhagiae. Com relação ao soro dos
condutores, houve 38,34% de soropositividade, com reação a doze
sorovares. Os sorovares mais frequentes foram
Copenhageni,
Pyrogenes,
Icterohaemorrhagiae e
Autumnalis.
Estes resultados apontam uma alta incidência de aglutininas
antileptospira nos asininos e condutores e os sorovares copenhageni e
pyrogenes são os mais prevalentes.
PALAVRAS-CHAVES: Asinino, humano, leptospira, tração.
ABSTRACT
ANTI-LEPTOSPIRA AGGLUTININ SEARCH IN SERA FROM DONKEYS (Equus asinus) AND CONDUCTORS OF ANIMAL TRACTION VEHICLES IN THE CITY OF SÃO LUIS, MA, BRAZIL
With the objective of searching the presence of antileptospiras
agglutinin in sanguine serum of donkeys used in animal traction
vehicles and of the wagon’s conductors in the city of São Luis, MA, and
of identifying serovars of higher occurrence, 60 serum samples of
donkeys and 60 of conductors were tested regarding 30 serovars of
Leptospira interrogans by using the microscopic seroagglutination test.
Of the 60 blood serum samples of donkeys, 85% showed seropositivity,
reacting to 21 serovars out of the 30 tested. Copenhageni, Pyrogenes,
Autumnalis and Icterohaemorrhagiae were the most frequent ones, in
decreasing sequence. Regarding the serum of the conductors,
38.34% presented seropositivity, reacting to 12 serovars of Leptospira
interrogans and the most frequenty ones were
Copenhageni, Pyrogenes, Icterohaemorrhagiae and
Autumnalis.
These results indicate a high incidence of anti-leptospira agglutinins
in donkeys and humans, being serovars copenhageni and pyrogenes the
most prevalent.
KEYWORDS: Donkey, human, leptospira, traction.
INTRODUÇÃO
A leptospirose é uma zoonose de ampla distribuição geográfica que causa
prejuízos econômicos à saúde animal e humana. Os animais domésticos são
susceptíveis à infecção por diferentes sorovares de
Leptospira interrogans e constituem importante elo na cadeia epidemiológica, contribuindo para a infecção do homem (BRASIL, 1995).
Nos equídeos, a leptospirose se manifesta por uveíte recorrente,
abortamentos e outros distúrbios reprodutivos. Evolui geralmente como
doença aguda ou crônica, individual ou de grupo de animais, sendo que a
maioria das infecções apresenta caráter inaparente (JONES
et al., 2000).
CORRÊA
et al. (1957)
confirmaram a ocorrência de infecções por leptospiras em cavalos no
Brasil, em estudo sorológico sobre a prevalência em animais do
Exército, no Estado de São Paulo. Nele, registraram uma taxa de 16,9%
de soropositividade pela técnica de soroaglutinação microscópica, sendo
que 35% dos animais foram positivos para o sorovar Australis, 30% para
Icterohaemorragiae e
Sejröe, 20% para
Canicola, 10% para
Grippotyphosa e 5% para o
Pomona.
A partir deste estudo, trabalhos sucessivos têm sido desenvolvidos na
espécie equina, sobre o tema no Brasil (Estados de São Paulo, Minas
Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Pará), os quais têm reportado como
mais frequentes os sorovares:
Icterohaemorragiae,
Pomona, Wolffi, Hardjo, Canicola, Australis, Autumnalis, Ballum,
Batavie, Grippotyphosa, Javanica, Panama, Pyrogenes, Tarassovi,
Castelloni, Hebdomadis, Sejröe, Bratislava e
Butembo (FREITAS
et al., 1960; JARDIM
et al., 1978; ABUCHAIM, 1991; ARAÚJO
et al., 2001; MOLNAR
et al., 2001).
Na espécie humana, a leptospirose tem sido notificada no Brasil desde
1917. Desde então, muitos são os estudos dedicados à investigação em
diferentes regiões do país (BRASIL, 1995).
A leptospirose humana determina manifestações clínicas variáveis, com
quadro subclínico ou de doença febril até quadros clínicos graves, com
alto percentual de letalidade. Investigações epidemiológicas têm
atribuído, à enfermidade humana, caráter de doença profissional,
estando associada à baixa qualidade de vida e às precárias condições de
trabalho, em que a mão de obra é quase sempre não qualificada
(AROKIANATHAN
et al., 2005).
Em estudo soroepidemiológico realizado por VASCONCELOS
et al.
(1992), em diferentes grupos profissionais, na cidade de Londrina, PR,
foram encontrados 28,4% de positividade para leptospirose em
trabalhadores da limpeza pública. Já GUERRA
et al. (1996) notificaram 5,45% nesses mesmos grupos ocupacionais na cidade de São Luís, MA.
A manutenção da leptospirose nas regiões urbanas e rurais do
Brasil é favorecida pelo clima tropical úmido e uma grande população de
roedores. O crescimento urbano desordenado e a grande quantidade
de lixo espalhado sobre vias e terrenos baldios propiciam também um
ambiente ideal para a proliferação da população murina.
Na cidade de São Luís, MA, os asininos (
Equus asinus)
são usados em veículos de tração animal, para transporte de material de
construção, coleta de lixo e distribuição de água em áreas carentes da
cidade, estando em contato direto com possíveis fontes de contaminação,
favorecendo o risco de transmissão da leptospirose destes animais para
os condutores das carroças.
Dada a importância dos asininos na cidade de São Luís, MA, e a carência
de dados epidemiológicos sobre leptospirose nesta espécie, o presente
trabalho foi realizado com o objetivo de pesquisar a presença de
aglutininas antileptospiras em soros sanguíneos de asininos utilizados
em veículos de tração animal e nos respectivos condutores das carroças,
identificar os sorovares do complexo
Leptospira interrogans mais frequentes e relacionar os casos reagentes, simultaneamente, no carroceiro e no animal.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi desenvolvido na cidade de São Luís, estado do Maranhão,
onde prevalecem as características fisiográficas da região Amazônica. A
região está subordinada ao clima quente-úmido de transição entre o
superúmido amazônico e o semiárido nordestino, com seis meses chuvosos.
Colheu-se um total de 120 amostras de sangue sem anticoagulante, sendo
sessenta amostras de asininos e sessenta dos condutores das carroças.
Para os asininos, as amostras foram obtidas pela punção da veia
jugular. Utilizaram-se apenas animais adultos, sendo 31 machos e 29
fêmeas. A seleção dos animais baseou-se na apresentação atual ou
anterior de quaisquer sinais que evidenciasse relação com leptospirose,
como aborto, uveíte recorrente, quadros febris intermitentes e
emagrecimento progressivo.
Para os condutores, a coleta foi realizada pela punção da veia
cefálica, sendo esta realizada por um profissional da saúde,
devidamente equipado e orientado pelo serviço médico da Universidade
Estadual do Maranhão (UEMA).
As amostras sanguíneas foram colhidas em tubos tipo Vacutainer
devidamente identificados. No laboratório da UEMA, estas foram
centrifugadas a 2.500 x g, por quinze minutos para obtenção do soro e
mantidos a -20ºC até a realização dos testes sorológicos. Em seguida
foram enviados, sob refrigeração, ao Laboratório de Diagnóstico de
Zoonoses de Medicina Veterinária e Zootecnia – UNESP –, Campus de
Botucatu.
Os soros sanguíneos foram submetidos à pesquisa de aglutininas
antileptospiras contra trinta sorovares do complexo Leptospira
interrogans, através da técnica de soroaglutinação microscópica (SAM),
em diluições crescentes de 1:100 até 1:3200, considerando-se como
resultado positivo as aglutinações iguais ou superiores a 1:100,
conforme protocolo de SANTA ROSA (1970). Em casos de coaglutinação,
adotou-se como critério de positividade o sorovar para o qual se obteve
o maior título sorológico.
Como antígenos, empregaram-se amostras vivas, cultivadas em meio EMJH
(Difco), enriquecido com 10% de soro estéril de coelho, inativado à
temperatura de 56ºC por quarenta minutos. O meio completo foi
previamente submetido aos controles de esterilidade e de crescimento,
conforme SANTA ROSA (1970). Os soros sanguíneos dos asininos e
condutores foram testados contra os sorovares discriminados na
Tabela 1.
Esolheram-se os sorovares empregados como antígenos neste estudo entre
aqueles apontados como os mais significativos para a espécie equina no
Brasil.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos sessenta soros de asininos examinados pela técnica de
soroaglutinação microscópica, 85% (n=51) apresentaram reações positivas
para um ou mais sorovares, com títulos iguais ou superiores a 1:100, ao
passo que 15% (n=9) foram negativos para todos os sorovares testados (
Tabela 2).
A prevalência encontrada neste estudo (85%) para a espécie asinina,
independente do sorovar, foi superior às taxas relatadas pela maioria
dos autores no país, para equinos, as quais variaram entre 4,53%
(GIORGI
et al., 1981) e 66,88% (HASHIMOTO
et al.,
2007) para os Estados de São Paulo e Paraná, respectivamente. Entre
estes dois limites, encontram-se registros de prevalências de 8,82%
para cavalos de São Paulo (TERUYA
et al., 1974), de 9,6% entre cavalos procedentes de Minas Gerais, São Paulo e Paraná (SILVA
et al., 1972), de 14,4% para Goiás (JARDIM
et al., 1978), de 16,9% (CORRÊA
et al., 1957) e 37,9% (SANTA ROSA
et al., 1968) também para São Paulo e aproximadamente 27% para Minas Gerais (BARBOSA, 1962; CORDEIRO
et al., 1974).
MOLNAR
et al. (2001) obtiveram
resultados de prevalência entre 38% e 72% em diferentes municípios do
Estado do Pará, portanto mais próximos aos resultados deste estudo.
As diferenças verificadas entre os resultados obtidos neste trabalho e
os demais publicados na literatura podem ser compreendidas, em parte,
pela espécie estudada, pelo número e tipos de sorovares
empregados para a avaliação sorológica e pela suspeita clínica de
leptospirose nos animais estudados. Outros fatores que poderiam
influenciar a taxa de prevalência em diferentes regiões seriam o manejo
higiênico-sanitário dos rebanhos, assim como o grau e o tipo de
exposição a outros animais domésticos, silvestres ou roedores
sinantrópicos que, reconhecidamente, interferem na epidemiologia dessa
enfermidade, conforme destacado por LINHARES
et al. (2005).
Para HAJIKOLAEI
et al. (2005),
a maior prevalência de leptospirose em asininos deve-se ao fato de
estes estarem naturalmente expostos à fontes de infecção. Isso ocorre
porque se trata de animais que são mantidos em ambiente que facilitam o
contato com outros, entre eles roedores, ovinos, caprinos e
bovinos.
A
Tabela 3
apresenta as frequências das reações positivas entre os sorovares
testados para os asininos. Entre os trinta sorovares pesquisados neste
experimento, detectaram-se 70% (n=21), sendo que os sorovares mais
frequentes em ordem decrescente foram
Copenhageni, Pyrogenes, Autumnalis e
Icterohaemorrhagiae.
LANGONI
et al. (1998), em
estudo nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul com a espécie
equina, verificaram alta prevalência para o sorovar
Icterohaemorrhagiae. ARAÚJO
et al.
(2001), em soros sanguíneos de asininos na cidade de São Luís, MA, sem
sintomatologia clínica compatível com a enfermidade e testados com os
mesmos sorovares, identificaram os sorovares
Pyrogenes e
Icterohaemorrhagiae como os mais frequentes, achados que se assemelham aos obtidos no presente estudo.
GOMES
et al. (2007),
investigando a ocorrência de aglutininas antileptospiras em soros
sanguíneos de equinos na Bahia, identificaram os sorovares
Icterohaemorrhagiae, Pyrogenes, Wolffi, Castellonis, Autumnalis e
Hardjo como os mais frequentes. Trata-se de dados que diferem dos obtidos neste estudo, uma vez que os sorovares
Wolffi e
Hardjo, apesar de terem reagido, o fizeram com menor frequência.
Dos sessenta soros dos condutores, 38,34% (n=23) apresentaram reações
positivas, com títulos iguais ou maiores que 1:100, ao passo que 61,66%
(n=37) foram negativos para todos os sorovares (
Tabela 2). Os sorovares mais frequentes, em ordem decrescente, foram
Copenhageni, Pyrogenes, e
Icterohaemorrhagiae, como mostra a
Tabela 4.
PEREIRA & ANDRADE (1990) encontraram prevalência de 35% para
leptospirose em amostras sanguíneas de moradores de uma favela na
cidade do Rio de Janeiro, onde o sorovar predominante foi o
icterohaemorrhagiae. Em estudo soroepidemiológico com diferentes grupos
profissionais na cidade de Londrina, PR, VASCONCELOS
et al.
(1992) encontraram 28,4% de positividade para trabalhadores da limpeza
pública. Os valores encontrados nos dois estudos se assemelham aos
encontrados na presente pesquisa. Já GUERRA
et al. (1996) notificaram apenas 5,45% de soropositividade para trabalhadores da limpeza pública na cidade de São Luís, MA.
Investigações epidemiológicas têm constatado a nítida predominância
dessa zoonose em profissões com baixo nível de remuneração em que
condições precárias de saneamento básico nas moradias e nos locais de
trabalho favorece o aparecimento desta enfermidade. Assim, informações
obtidas durante entrevista mostram que os carroceiros (condutores)
integram um grupo de risco para leptospirose na cidade de São Luís, MA.
Dos sessenta pares de amostras de asininos e dos respectivos
condutores, 20% (n=12) reagiram positivamente, sendo que destas 8,33%
(n=5) foram para o sorovar
Pyrogenes, 6,66% (n=4) para
Copenhageni e 5% (n=3) para
Butembo.
Esses dados sugerem que ambas as espécies que estiveram expostas às
mesmas fontes de infecção e, enquanto se mantiverem propícias às
condições ambientais predisponentes, as leptospiras permanecerão
viáveis para infectarem novos hospedeiros, seja animal doméstico, ou o
homem.
Foram observadas, ainda, a reação das amostras dos condutores aos sorovares
Castellonis, Canicola e
Shermani e a ausência de reação para espécie asinina. Entretanto, nas duas espécies, os sorovares
Pyrogenes e
Copenhageni
foram os mais frequentes. As amostras de soro da espécie asinina devem
ser analisadas com o maior número possível de sorovares, já que estes
animais são mantidos nos centros urbanos e suburbanos, convivendo em
ambientes diversos e constantemente em contato com áreas de
contaminação por leptospiras, o mesmo acontecendo com os condutores das
carroças.
É grande a importância dos roedores na manutenção das leptospiras no
meio ambiente. As trocas que ocorrem na ecologia humana e animal por
ocasião da colonização de áreas, cujas condições sanitárias e de
infraestrutura são precárias, podem favorecer a transmissão da
leptospirose ao homem, pois propiciam um contato deste e dos animais
domésticos com os focos originais de infecção. A ocupação pelo homem de
áreas impróprias tende a originar um ecossistema constituído de
diferentes biocenoses que podem influenciar a difusão das zoonoses
(LINZ & SANTA ROSA, 1976).
A fonte de infecção asinina na cidade de São Luís, MA, não é conhecida.
De acordo com a Fundação Nacional de Saúde, os principais reservatórios
da espiroqueta são constituídos pelos roedores sinantrópicos das
espécies Rattus norvegicus,
Rattus rattus e
Mus musculus.
Assim, sugere-se que estes animais sejam a fonte mais importante de
infecção para esta espécie. É necessário, entretanto, fazer um estudo
da fauna local para identificar as possíveis causas de risco para a
infecção asinina.
A colaboração entre os serviços humanos e veterinários de saúde deve
ser estreitada, para que os casos humanos de leptospirose sejam
adequadamente diagnosticados e tratados.
CONCLUSÕES
Há alta ocorrência de positividade para leptospirose entre os asininos
e condutores de veículos de tração animal na cidade de São Luis, MA;
Os sorovares mais prevalentes, tanto em asininos quanto em humanos, são o
Copenhageni e o
Pyrogenes;
A leptospirose constitui um problema de Saúde Pública para os asininos e os condutores das carroças.
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