RESUMO
A mensuração do pH do leite é um dos procedimentos mais importantes e
frequentes na prática bioquímica. Essa variável aplica-se ao
diagnóstico de doenças da glândula mamária, avaliação de rendimento
industrial e identificação de síndromes metabólicas. O presente estudo
teve por objetivo avaliar o efeito sobre o pH, do congelamento do leite
de ovelhas da raça Santa Inês proveniente de glândulas mamárias
consideradas sadias e infectadas. Foram analisadas 183 amostras, sendo
estas divididas em negativas (146) e positivas (37), segundo o
resultado da cultura bacteriológica. Dessas amostras determinou-se o pH
no momento da coleta e após o congelamento a -20°C por trinta meses.
Observou-se redução do pH após o congelamento, sendo os valores maiores
nas amostras que apresentaram resultado positivo na cultura
bacteriológica. Houve maior decréscimo do pH após congelamento
nas que apresentaram resultado positivo na cultura
bacteriolόgica. O tipo de conservação das amostras lácteas deve ser
considerado, bem como a análise de parâmetros que podem ser
influenciados por essa variação.
PALAVRAS-CHAVES: pH, congelamento, leite, mastite, ovelhas.
ABSTRACT
HYDROGEN ION CONCENTRATION IN EWE´S MILK: INFLUENCE OF MASTITIS AND SAMPLE FREEZING
The measurement of pH in milk is one of the most important and frequent
procedures performed in biochemistry practices. This variable is
applied to the diagnosis of mammary gland disease, assessment of
industrial yields, and identification of metabolic diseases. The
objective of this study was to evaluate de effect of freezing the milk
from healthy and infected mammary glands of Santa Ines ewes on the pH.
The bacteriological culture of 183 milk samples was analyzed resulting
in 146 negative and 37 positive samples. From these, the hydrogen ion
concentration was determined on sampling day and after freezing at
-20°C for 30 months. A reduction on pH was observed after freezing, and
the bacteriological positive samples showed the highest pH values. A
higher decrease of the pH after freezing was seen in positive samples.
Thus, the kind of conservation of milk samples should be considered, as
well as the results of parameters that could be influenced by such
variation.
KEYWORDS: pH, freezing, milk, ewes.
INTRODUÇÃO
A mensuração do pH do leite, um dos procedimentos mais importantes e
frequentes na prática bioquímica, representa a concentração total do
íon hidrogênio originário de todas as fontes. Essa variável aplica-se
ao diagnóstico da mastite (PYÖRÄLÄ, 2003), à avaliação de rendimento
industrial (PARK
et al., 2007) e à identificação de síndromes metabólicas.
A mensuração desse parâmetro é de crucial importância, considerando-se
que o pH afeta a estrutura e a atividade de macromoléculas biológicas.
Sempre que mecanismos reguladores do pH falham ou são sobrepujados,
podem ocorrer danos celulares irreparáveis. Deve-se ressaltar que as
atividades catalíticas de certas enzimas são sensíveis a variações do
pH. O controle biológico do pH dos fluidos corporais é de suma
importância em todos os aspectos das atividades celulares e do
metabolismo.
O leite é um fluido corporal caracterizado por um conjunto de emulsão
diluída, dispersão coloidal e solução rica em compostos orgânicos e
inorgânicos, sendo um sistema tamponante com baixa concentração de íon
hidrogênio livre (CAVALCANTE
et al.,
2005). A leve acidez do leite está relacionada aos grupos ácidos
livres de caseína, citrato e fosfato, além da presença de CO2
dissolvido (PYÖRÄLÄ, 2003; NUNES
et al., 2008) e da concentração de lipídeos (CAVALCANTE
et al., 2005), entre outros aspectos. PYÖRÄLÄ (2003), NUNES
et al. (2008) e DE ALMEIDA
et al.
(2009) relataram aumento do pH durante a mastite, associado com o
aumento da permeabilidade da glândula mamária aos componentes
sanguíneos, o que faz que ocorra a migração de componentes alcalinos do
sangue, destacando-se o íon bicarbonato.
No entanto, a constatação laboratorial de modificações do leite
compatíveis com as condições clínicas do animal pode ser prejudicada
pela distância entre o laboratório e a propriedade, pelo tempo entre a
coleta e a análise ou pelo método de conservação da amostra. A
refrigeração é um exemplo de importante medida para reduzir a
possibilidade de multiplicação bacteriana que poderia mascarar o
resultado, uma vez que o leite é um excelente meio de cultura. Dessa
forma, a possibilidade de congelamento da amostra deixa o veterinário
apreensivo quanto à confiabilidade dos resultados laboratoriais em
relação àqueles que seriam obtidos se os exames fossem realizados
imediatamente após a coleta (ARAÚJO
et al.,
1999). O congelamento favorece o diagnóstico em algumas circunstâncias.
Por exemplo, com o intuito de minimizar resultados falsos-negativos na
cultura bacteriológica de patógenos causadores de mastite, o
congelamento de amostras lácteas tem sido sugerido, especialmente para
Streptococcus agalactiae e Staphylococcus aureus (ZECCONI &
PICCININI, 1999; SOL
et al., 2002), destacando-se o último, que apresenta aumento na ocorrência e na importância (ZECCONI & PICCININI, 1999).
Com o decorrer do tempo, há tendência do aumento da acidez do leite,
proveniente do desdobramento da lactose em ácidos, dos quais o mais
importante é o ácido láctico, resultante da multiplicação da microbiota
bacteriana, comumente encontrada no leite. Nesse fenômeno, influem
consideravelmente os cuidados com a higiene e a temperatura aplicados
durante a obtenção, manipulação e conservação do leite (TRONCO, 1997).
CAVALCANTE
et al. (2005)
afirmaram que a atividade de lipases, mesmo a temperaturas entre 4 e
8ºC, seria apenas reduzida, podendo ocasionar diminuição no pH devido à
degradação de triacilgliceróis pelas lipases, produzindo ácidos graxos
não esterificados (ácidos graxos livres).
As informações sobre os fatores que podem influenciar a análise dos
componentes físico-químicos do leite de ovinos são restritas,
especialmente para raças não especializadas na produção leiteira, como
raça Santa Inês. Ressalta-se ainda que, para essas raças, a literatura
carece de dados sobre a discriminação entre a glândula mamária sadia e
a infectada.
O presente estudo teve por objetivo avaliar o pH do leite de ovelhas da
raça Santa Inês proveniente de glândulas mamárias sadias e infectadas,
além do efeito do congelamento sobre esse parâmetro.
MATERIAL E MÉTODOS
No presente estudo foram analisadas 183 amostras de leite de ovelhas
Santa Inês primíparas e multíparas em diferentes fases da lactação, que
foram divididas em negativas e positivas considerando-se o resultado da
cultura bacteriológica como “padrão-ouro” (CONTRERAS
et al., 2007).
Inicialmente, desprezaram-se os primeiros jatos de cada metade mamária.
Logo em seguida, procedeu-se à higienização do úbere e à assepsia do
óstio do canal do teto; finalmente, realizou-se a coleta asséptica do
leite.
No exame bacteriológico, as amostras de leite coletadas foram semeadas
em placa de Petri contendo ágar-sangue de carneiro (5%) e incubadas a
37ºC por períodos de 24 a 48 horas. Posteriormente fez-se a
identificação dos microrganismos, através de provas bioquímicas
descritas por LENNETTE
et al. (1985), seguida da classificação conforme critérios estabelecidos por KRIEG & HOLT (1994).
A determinação da concentração hidrogeniônica foi realizada em
peagômetro modelo B474 da Micronal®, calibrado em temperatura ambiente
com soluções de pH 7,0 e 4,0, sendo, no entanto, a análise realizada em
dois momentos: coleta (M0) e após o congelamento (M1). Mantiveram-se as
amostras congeladas à temperatura aproximada de -20ºC por um período de
trinta meses.
A distribuição de Gaussian foi confirmada pelos testes de Kolmogorov e
Smirnov. Posteriormente, os dados foram submetidos ao teste t para
verificar as diferenças entre os grupos. Quando houve diferença
significativa, realizou-se o teste t para amostras pareadas – no caso
dos que apresentaram distribuição normal –, e o teste de Mann-Whitney,
para os dados que não apresentaram distribuição de Gaussian. A análise
estatística foi realizada utilizando o programa GraphPad Prisma 5.0
software (GraphPad Software, Inc., San Diego, CA, USA). Foram
consideradas significantes as análises que apresentaram P < 0,05.
RESULTADOS
Foram observadas 146 (79,78%) amostras negativas e 37 (20,22%) amostras
positivas na cultura bacteriolόgica. Destas, isolou-se apenas
Staphylococcus spp. Os valores do pH encontrados na coleta e
posteriormente ao congelamento das amostras (total), assim como a sua
discriminação segundo o resultado do exame bacteriológico, estão
apresentados na
Tabela 1.
Ademais, os valores de pH das amostras negativas foi significantemente
inferior ao das amostras positivas antes do congelamento (P = 0,0036).
Posteriormente ao congelamento, observou-se apenas uma tendência a
menor pH nas amostras negativas (P = 0,093). Ao comparar a diferença
dos valores do pH antes e apόs o congelamento, observou-se maior
decréscimo nas amostras positivas (0,25) em relação com as amostras
negativas (0,19) (P = 0,0376).
O leite proveniente das metades mamárias consideradas infectadas
apresentou maior pH que aquele oriundo das glândulas mamárias
consideradas sadias, como descrito por NUNES
et al. (2008) e DE ALMEIDA
et al. (2009).
Os valores de pH do leite encontrados no presente trabalho são
similares aos verificados nas amostras provenientes de glândulas
mamárias sadias (6,51 a 6,71) e infectadas (6,63 a 6,93) em estudos
desenvolvidos por BIANCHI
et al., (2004), ALBENZIO
et al., (2005), SOUZA
et al., (2005), SANTOS
et al., (2007), DE ALMEIDA
et al., (2009).
O aumento do pH observado nas glândulas mamárias consideradas
infectadas indica aumento também da permeabilidade vascular e
extravasamento de íons do compartimento sanguíneo para o leite como
resultado do processo inflamatόrio (PYÖRÄLÄ, 2003; SANTOS
et al., 2007; NUNES
et al., 2008; DE ALMEIDA
et al., 2009).
Além disso, observou-se redução do pH do leite oriundo de diferentes
grupos (total, negativas e positivas) após o congelamento, o que
corrobora o resultado encontrado por CAVALCANTE
et al.
(2005). Isso pode levar ao diagnόstico incorreto da mastite, se forem
utilizados os valores de corte aplicados para o diagnόstico dessa
enfermidade, principalmente considerando-se a maior redução no pH do
leite proveniente de glândulas mamárias infectadas (0,25) em relação às
sadias (0,19).
O fato pode ser explicado pelo desdobramento da lactose em ácidos, como
o ácido láctico, pela ação de microrganismos presentes no leite,
causadores de mastite ou até mesmo pela presença de lipases produzidas
por essa microbiota que ocasionariam maior formação de ácidos graxos
não esterificados; estes, em conjunto, resultariam na maior redução do
pH (TRONCO, 1997; CAVALCANTE
et al.,
2005). Ademais, a maior permeabilidade nos casos de mastite ocasiona o
influxo de enzimas hidrolíticas que modificam a composição láctea pela
ruptura de moléculas proteicas e de gordura (KITCHEN, 1981). Enzimas
proteolíticas presentes no leite durante processos infecciosos podem
levar à ruptura da membrana de glóbulos de gordura, predispondo a
gordura à degeneração pelas lipases (AZZARA & DIMICK, 1985)
CONCLUSÃO
O leite proveniente das metades mamárias consideradas infectadas
apresentou maior pH que aquele oriundo das glândulas mamárias
consideradas sadias. O congelamento ocasionou redução do pH do leite.
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