RESUMO
Com o objetivo de estudar a ocorrência de lesões na falange distal dos
membros torácicos de asininos usados em veículos de tração animal foram
avaliados clínica e radiograficamente 40 animais, machos e fêmeas, com
idade entre 2,5 a 16 anos. O exame clínico demonstrou que 20% dos
animais apresentaram claudicação grau 2, decorrente principalmente de
irregularidade de casco, lesão de sola e destruição da ranilha.
Radiograficamente verificou-se 100% de osteíte podal, 22,5% de fratura
de falange e 17,5% de rotação de falange. Apesar do nível severo das
lesões na terceira falange, os animais não apresentaram sinais clínicos
compatíveis com os achados radiográficos, concluindo-se que os asininos
apresentam grande resistência e rusticidade e que as lesões observadas
na falange distal interferem em menor grau no desempenho das atividades
desses animais.
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PALAVRAS-CHAVE: Aparelho locomotor; carroças; equídeos; exame físico; radiografia.
ABSTRACT
FOOT LESIONS IN DONKEYS (Equus asinus) USED IN ANIMAL TRACTION VEHICLES IN THE CITY OF SAN LUIZ, MARANHÃO
Forty male and female animals, aged between 2.5 and 16 years were
clinically and radiographically examined in order to study the
occurrence of lesions of the distal phalanx of forelimbs in cart
horses. The clinical examination showed that 20% of the animals had
grade 2 lameness, due, mainly, to hoof irregularity, sole damage and
frog destruction. Radiographic exam showed 100% of pedal osteitis,
22.5% of phalanx fracture and 17.5% of phalanx rotation. Despite the
severe level of injury in the third phalanx, animals did not show
clinical signs consistent with the radiographic findings, concluding
that donkeys are very resistant and that the lesions observed in the
distal phalanx affect to a lesser extent the carrying out of these
animals´activities.
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KEY WORDS: Cart; horses; musculoskeletal; physical examination; radiograph.
INTRODUÇÃO
Desde a domesticação, os equídeos têm sido cada vez mais utilizados nos
diversos tipos de trabalho e atividades esportivas. Como consequência,
alguns animais são exigidos acima do seu nível de desempenho,
predispondo-os a lesões podais em decorrência da sobrecarga mecânica e
funcional sobre essas estruturas (GOODSHIP & BIRCH, 2001; MARANHÃO
et al., 2006). Associados ao esforço físico, defeitos de conformação e
alterações do equilíbrio podal podem predispor a ocorrência de tais
lesões, em virtude da distribuição assimétrica de peso/carga nas
estruturas, principalmente tendões, ligamentos e articulações
(RUOHONIEMI
et al., 1997; MELO
et al., 2006).
Grande parte das lesões que acometem o aparelho locomotor dos equinos é
verificada nos membros torácicos e percentualmente podem chegar a 65%
dessas observações. Destas, 95% encontram-se na região do carpo ou
abaixo dele. Em equinos, essas lesões se manifestam através de
claudicações observadas ao realizar o exame físico (DYSON
et al.,
2003).
As causas mais comuns de claudicação relacionadas a problemas podais
devem-se a defeitos de conformação e equilíbrio, sendo os últimos
resultantes principalmente de técnicas inadequadas de casqueamento e
ferrageamento. Dentre as anormalidades de equilíbrio podal, destacam-se
o desnivelamento dorso-palmar e médio-lateral, contração dos talões e
ranilha, diferença entre o ângulo da pinça dos cascos contralaterais e
tamanho do casco em relação ao peso do animal (HOOD, 2002). Nos
equinos, o uso da avaliação radiográfica tornou-se rotina na clínica
médica e tem ajudado a elucidar problemas associados ao aparelho
locomotor.
Para o levantamento radiográfico simples, a projeção látero-medial
parece ser suficiente e é indicada por alguns autores (JONES
et al.,
2004; MARANHÃO
et al., 2006; GARCIA
et al., 2009). Todavia, a presença
de alterações radiográficas nem sempre é de relevância clínica no exame
do sistema locomotor (SIMMONS
et al., 1999).
Nas últimas quatro décadas, esses animais têm se tornado importantes
para as pessoas, podendo ser um parceiro nas atividades esportivas e
até um suporte financeiro. Nos grandes centros urbanos, por
exemplo, uma das atividades que mais cresce é a utilização de equídeos
de tração para o recolhimento do lixo produzido. Logo, o animal de
tração surge como uma ferramenta de trabalho, cuja saúde, bem-estar e
longevidade devem ser observados (REZENDE, 2004; MARANHÃO
et al., 2007).
O asinino (
Equus asinus) apresenta características que são desejáveis
para o trabalho de tração. Pela maior resistência na execução das
tarefas e na habilidade para percorrer terrenos irregulares, o asinino
foi substituindo os equinos nessas atividades, e ocupa hoje um lugar de
destaque na Região Nordeste (ALVES
et al., 2009). Por essa grande
capacidade de trabalho, o asinino ainda é o animal de eleição para
várias finalidades nos estados nordestinos. Na cidade de São Luís-MA, a
atividade de tração é desenvolvida em maior percentual por essa
espécie. Contudo, esses animais são submetidos a esforços físicos
frequentes e em intervalos de tempo demasiadamente curtos, o que pode
resultar em lesões podais em particular na região distal dos membros
torácicos.
A presente pesquisa foi realizada com objetivo de diagnosticar as
principais lesões nos membros torácicos de asininos utilizados em
veículos de tração animal através de avaliação clínica e radiográfica.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizados 40 asininos, machos e fêmeas, com idade variando de
2,5 a 16 anos, pesando em média 90 kg, alimentados com ração volumosa,
submetidos às mesmas condições de manejo e utilizados em veículos de
tração animal. Os animais foram escolhidos aleatoriamente, provenientes
de bairros do município de São Luís- MA.
Após a limpeza da região do casco dos membros torácicos direito e
esquerdo dos animais, eles foram submetidos a exame clínico,
averiguando-se problemas de deambulação. Para tal, foi realizado exame
completo de claudicação, segundo STASHAK (1994).
As radiografias foram realizadas baseadas nos protocolos utilizados
para equinos (THRALL, 1998; BUTLER, 2002) em projeções
dorsoproximal-palmarodistal em ângulos de 45° e 65° e lateromedial, com
o animal em estação, utilizando-se aparelho portátil de Raio-X,
MinXray, modelo HF 100, de 40-100KVp e 20 mAs de potência, calibrado
com distância foco-filme de 80 cm e técnicas de exposição de 45 kVp e
0,5 mAs para todas as projeções, chassis metálicos 24x30 cm, com telas
intensificadoras e filmes RP-X-OMAT. Os filmes radiográficos foram
revelados e fixados manualmente.
Para o cálculo do percentual dos achados clínicos e lesões
radiográficas trataram-se os dados por estatística descritiva como por
meio de distribuições absoluta e relativa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A avaliação clínica revelou que 80% (n=32) dos animais não apresentavam
claudicação; entretanto, quando mostravam (20%), essas foram
classificadas em claudicação de grau 2, caracterizada por uma certa
alteração no andar verificando-se que, ao trote, ela se tornava mais
evidente. Resultados semelhantes ao do presente estudo foram observados
por ALVES
et al. (2003) para a mesma espécie indicando que problemas de
casco em asininos provocam alterações discretas na locomoção.
O nível de comprometimento do aparelho locomotor dos animais variou de
moderado a severo, visto que todos apresentavam problemas de aprumo.
Isso demonstra uma execução incorreta das práticas de casqueamento e
ferrageamento. Esse tipo de desequilíbrio pode originar problemas de
desmineralização e pequenas luxações da terceira falange. Torna-se
evidente que o desempenho e o bem estar desses animais ficam
comprometidos, gerando a necessidade de um esclarecimento maior da
classe dos carroceiros (MARANHÃO
et al., 2007).
Alterações superficiais foram identificadas, como sensibilidade em
talão, ranilha e lesões de sola (
Tabela 1). O percentual das lesões
encontradas nos membros torácicos direito e esquerdo, variaram de 10 a
100%. Isso pode indicar que existe um grande número de fatores
influenciando os asininos na atividade de tração urbana na região
pesquisada.
Se os membros torácicos têm a função de suportar o peso, absorver o
impacto e erguer o animal do solo (NICOLETTI
et al., 2000), e a
etiologia dos achados clínicos é o esforço excessivo, é provável que
esses membros tenham sido submetidos a uma carga acima da permitida por
sua estrutura corpórea. Segundo MEYER (1995), é necessário estimar a
força de tração, estabelecendo uma carga média padrão, e a relação
entre ela e o potencial muscular. A análise cinemática também seria
necessária para conhecer o padrão de locomoção específico da tração
urbana e, portanto, as estruturas mais exigidas.
A análise radiográfica demonstrou a ocorrência de grande número de
lesões podais que acometem os membros torácicos dos asininos (
Tabela
2).
Os achados radiográficos revelaram osteíte podal severa em todos os
casos e graus variáveis de esclerose óssea, principalmente no membro
torácico direito (
Figura 1); contudo, os asininos apresentaram pouca ou
nenhuma sintomatologia clínica, independente da gravidade da alteração.
Isso sugere que o animal adaptou-se às condições adversas e continuou
sua atividade, sem demonstrar sensibilidade, como descrito por MARANHÃO
et al. (2006).
Dos 40 animais, 22,50% (n=09) apresentavam fraturas incompletas na
terceira falange, sendo que 5% (n=02) destes, bilateralmente (
Figura
2a). Verificou-se maior ocorrência desse tipo de lesão no membro
torácico esquerdo (15%). Essa lesão apresentou ocorrência de 22,50%
para o total de animais pesquisados, sendo dessa forma, considerada
alta. Três (7,5%) dos animais analisados apresentaram fratura completa,
duas no membro torácico esquerdo e uma no direito (
Figura 2b).
Com o estudo radiográfico, obtiveram-se imagens da borda proximal e
distal do osso sesamóide distal. Em 52,50% (n=21) dos animais avaliados
foi possível identificar algum tipo de irregularidade, 12,50% (n=5)
destes manifestando irregularidade em superfície abaxial, coincidindo
com os achados de ALVES
et al. (2003), que relataram irregularidades do
osso navicular que, de alguma forma, provocaram algum grau de
comprometimento na falange distal e, consequentemente, no aparelho
locomotor.
A rotação de falange constituiu uma lesão observada em 17,50% (n=07)
dos animais, sendo que em 5% (n=02) bilateralmente, o que é associado
ao aumento do espaço intra-articular (
Figura 3). A angulação da rotação
de falange dos animais acometidos variou de 7 a 10 graus. Entretanto,
os animais que apresentaram essa alteração estavam em plena atividade
de trabalho e não evidenciaram grau de claudicação superior ao grau 2,
o que mostra uma maior resistência dos asininos utilizados em veículos
de tração.
O alto número de lesões verificadas no estudo mostra a intensidade do
trabalho a que os asininos são submetidos e, principalmente, a
realização em pisos não apropriados. Os resultados obtidos no estudo de
ALVES
et al. (2003) forneceram dados para inferir que a espécie asinina
apresenta maior resistência aos distúrbios do aparelho locomotor, em
especial, da falange distal.
Provavelmente, o conhecimento dos prejuízos advindos dos desequilíbrios
de casco é mais frequente entre os proprietários de animais utilizados
em práticas esportivas, quando comparados à classe dos carroceiros. A
correção pode ser alcançada pelo manejo correto do casco, embora, na
maioria das vezes, seja difícil (ALVES
et al., 2003).
CONCLUSÕES
Os principais achados clínicos observados no estudo foram:
irregularidade de casco e sensibilidade em pinça, ranilha e talão. As
principais lesões radiográficas diagnosticadas no estudo foram: osteíte
podal, esclerose e reabsorção de 3ª falange e irregularidades no osso
sesamóide distal. A gravidade dos achados radiográficos evidenciados no
estudo não foi relacionada aos achados clínicos diagnosticados.
É possível concluir que a continuação desordenada do trabalho de tração
pode levar a uma progressão das lesões do aparelho locomotor, que
poderá evoluir até uma parada completa das atividades de tração.
AGRADECIMENTO
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão de bolsa de Iniciação Científica.
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Protocolado em: 03 mar. 2010. Aceito em: 01 fev. 2011.