DOI: 10.5216/cab.v12i2.8953
LESÕES PODAIS EM ASININOS (Equus asinus) UTILIZADOS EM VEÍCULOS DE TRAÇÃO ANIMAL NA CIDADE DE SÃO LUÍS, MARANHÃO

Nancyleni Pinto Chaves1, Danilo Cutrim Bezerra2, Porfírio Candanedo Guerra3, Hélder de Moraes Pereira3, Hamilton Pereira Santos4, Luís Carlos Vulcano5

1 –Doutoranda em Biotecnologia na RENORBIO, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) – nancylenichaves@hotmail.com
2 –Mestre em Ciências Veterinárias, Faculdade de Medicina Veterinária, UEMA, MA.
3 – Professor Adjunto, Departamento das Clínicas, Faculdade de Medicina Veterinária, UEMA, MA.
4 – Professor Titular, Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina Veterinária, UEMA, MA
5 –Professor Titular, Departamento das Clínicas, Faculdade de Medicina Veterinária, UNESP.



RESUMO

Com o objetivo de estudar a ocorrência de lesões na falange distal dos membros torácicos de asininos usados em veículos de tração animal foram avaliados clínica e radiograficamente 40 animais, machos e fêmeas, com idade entre 2,5 a 16 anos. O exame clínico demonstrou que 20% dos animais apresentaram claudicação grau 2, decorrente principalmente de irregularidade de casco, lesão de sola e destruição da ranilha. Radiograficamente verificou-se 100% de osteíte podal, 22,5% de fratura de falange e 17,5% de rotação de falange. Apesar do nível severo das lesões na terceira falange, os animais não apresentaram sinais clínicos compatíveis com os achados radiográficos, concluindo-se que os asininos apresentam grande resistência e rusticidade e que as lesões observadas na falange distal interferem em menor grau no desempenho das atividades desses animais.
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PALAVRAS-CHAVE: Aparelho locomotor; carroças; equídeos; exame físico; radiografia.

ABSTRACT

FOOT LESIONS IN DONKEYS (Equus asinus)  USED IN ANIMAL TRACTION VEHICLES IN THE CITY OF SAN LUIZ, MARANHÃO

Forty male and female animals, aged between 2.5 and 16 years were clinically and radiographically examined in order to study the occurrence of lesions of the distal phalanx of forelimbs in cart horses. The clinical examination showed that 20% of the animals had grade 2 lameness, due, mainly, to hoof irregularity, sole damage and frog destruction. Radiographic exam showed 100% of pedal osteitis, 22.5% of phalanx fracture and 17.5% of phalanx rotation. Despite the severe level of injury in the third phalanx, animals did not show clinical signs consistent with the radiographic findings, concluding that donkeys are very resistant and that the lesions observed in the distal phalanx affect to a lesser extent the carrying out of these animals´activities.
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KEY WORDS: Cart; horses; musculoskeletal; physical examination; radiograph.


INTRODUÇÃO

Desde a domesticação, os equídeos têm sido cada vez mais utilizados nos diversos tipos de trabalho e atividades esportivas. Como consequência, alguns animais são exigidos acima do seu nível de desempenho, predispondo-os a lesões podais em decorrência da sobrecarga mecânica e funcional sobre essas estruturas (GOODSHIP & BIRCH, 2001; MARANHÃO et al., 2006). Associados ao esforço físico, defeitos de conformação e alterações do equilíbrio podal podem predispor a ocorrência de tais lesões, em virtude da distribuição assimétrica de peso/carga nas estruturas, principalmente tendões, ligamentos e articulações (RUOHONIEMI et al., 1997; MELO et al., 2006).
Grande parte das lesões que acometem o aparelho locomotor dos equinos é verificada nos membros torácicos e percentualmente podem chegar a 65% dessas observações. Destas, 95% encontram-se na região do carpo ou abaixo dele. Em equinos, essas lesões se manifestam através de claudicações observadas ao realizar o exame físico (DYSON et al., 2003).
As causas mais comuns de claudicação relacionadas a problemas podais devem-se a defeitos de conformação e equilíbrio, sendo os últimos resultantes principalmente de técnicas inadequadas de casqueamento e ferrageamento. Dentre as anormalidades de equilíbrio podal, destacam-se o desnivelamento dorso-palmar e médio-lateral, contração dos talões e ranilha, diferença entre o ângulo da pinça dos cascos contralaterais e tamanho do casco em relação ao peso do animal (HOOD, 2002). Nos equinos, o uso da avaliação radiográfica tornou-se rotina na clínica médica e tem ajudado a elucidar problemas associados ao aparelho locomotor.
Para o levantamento radiográfico simples, a projeção látero-medial parece ser suficiente e é indicada por alguns autores (JONES et al., 2004; MARANHÃO et al., 2006; GARCIA et al., 2009). Todavia, a presença de alterações radiográficas nem sempre é de relevância clínica no exame do sistema locomotor (SIMMONS et al., 1999).
Nas últimas quatro décadas, esses animais têm se tornado importantes para as pessoas, podendo ser um parceiro nas atividades esportivas e até um suporte financeiro.  Nos grandes centros urbanos, por exemplo, uma das atividades que mais cresce é a utilização de equídeos de tração para o recolhimento do lixo produzido. Logo, o animal de tração surge como uma ferramenta de trabalho, cuja saúde, bem-estar e longevidade devem ser observados (REZENDE, 2004; MARANHÃO et al., 2007).
O asinino (Equus asinus) apresenta características que são desejáveis para o trabalho de tração. Pela maior resistência na execução das tarefas e na habilidade para percorrer terrenos irregulares, o asinino foi substituindo os equinos nessas atividades, e ocupa hoje um lugar de destaque na Região Nordeste (ALVES et al., 2009). Por essa grande capacidade de trabalho, o asinino ainda é o animal de eleição para várias finalidades nos estados nordestinos. Na cidade de São Luís-MA, a atividade de tração é desenvolvida em maior percentual por essa espécie. Contudo, esses animais são submetidos a esforços físicos frequentes e em intervalos de tempo demasiadamente curtos, o que pode resultar em lesões podais em particular na região distal dos membros torácicos.
A presente pesquisa foi realizada com objetivo  de diagnosticar as principais lesões nos membros torácicos de asininos utilizados em veículos de tração animal através de avaliação clínica e radiográfica.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizados 40 asininos, machos e fêmeas, com idade variando de 2,5 a 16 anos, pesando em média 90 kg, alimentados com ração volumosa, submetidos às mesmas condições de manejo e utilizados em veículos de tração animal. Os animais foram escolhidos aleatoriamente, provenientes de bairros do município de São Luís- MA.
Após a limpeza da região do casco dos membros torácicos direito e esquerdo dos animais, eles foram submetidos a exame clínico, averiguando-se problemas de deambulação. Para tal, foi realizado exame completo de claudicação, segundo STASHAK (1994). 
As radiografias foram realizadas baseadas nos protocolos utilizados para equinos (THRALL, 1998; BUTLER, 2002) em projeções dorsoproximal-palmarodistal em ângulos de 45° e 65° e lateromedial, com o animal em estação, utilizando-se aparelho portátil de Raio-X, MinXray, modelo HF 100, de 40-100KVp e 20 mAs de potência, calibrado com distância foco-filme de 80 cm e técnicas de exposição de 45 kVp e 0,5 mAs para todas as projeções, chassis metálicos 24x30 cm, com telas intensificadoras e filmes RP-X-OMAT. Os filmes radiográficos foram revelados e fixados manualmente.
Para o cálculo do percentual dos achados clínicos e lesões radiográficas trataram-se os dados por estatística descritiva como por meio de distribuições absoluta e relativa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A avaliação clínica revelou que 80% (n=32) dos animais não apresentavam claudicação; entretanto, quando mostravam (20%), essas foram classificadas em claudicação de grau 2, caracterizada por uma certa alteração no andar verificando-se que, ao trote, ela se tornava mais evidente. Resultados semelhantes ao do presente estudo foram observados por ALVES et al. (2003) para a mesma espécie indicando que problemas de casco em asininos  provocam alterações discretas na locomoção.
O nível de comprometimento do aparelho locomotor dos animais variou de moderado a severo, visto que todos apresentavam problemas de aprumo. Isso demonstra uma execução incorreta das práticas de casqueamento e ferrageamento. Esse tipo de desequilíbrio pode originar problemas de desmineralização e pequenas luxações da terceira falange. Torna-se evidente que o desempenho e o bem estar desses animais ficam comprometidos, gerando a necessidade de um esclarecimento maior da classe dos carroceiros (MARANHÃO et al., 2007).
Alterações superficiais foram identificadas, como sensibilidade em talão, ranilha e lesões de sola (Tabela 1). O percentual das lesões encontradas nos membros torácicos direito e esquerdo, variaram de 10 a 100%. Isso pode indicar que existe um grande número de fatores influenciando os asininos na atividade de tração urbana na região pesquisada.
Se os membros torácicos têm a função de suportar o peso, absorver o impacto e erguer o animal do solo (NICOLETTI et al., 2000), e a etiologia dos achados clínicos é o esforço excessivo, é provável que esses membros tenham sido submetidos a uma carga acima da permitida por sua estrutura corpórea. Segundo MEYER (1995), é necessário estimar a força de tração, estabelecendo uma carga média padrão, e a relação entre ela e o potencial muscular. A análise cinemática também seria necessária para conhecer o padrão de locomoção específico da tração urbana e, portanto, as estruturas mais exigidas.
A análise radiográfica demonstrou a ocorrência de grande número de lesões podais que acometem os membros torácicos dos asininos (Tabela 2).
Os achados radiográficos revelaram osteíte podal severa em todos os casos e graus variáveis de esclerose óssea, principalmente no membro torácico direito (Figura 1); contudo, os asininos apresentaram pouca ou nenhuma sintomatologia clínica, independente da gravidade da alteração. Isso sugere que o animal adaptou-se às condições adversas e continuou sua atividade, sem demonstrar sensibilidade, como descrito por MARANHÃO et al. (2006).
Dos 40 animais, 22,50% (n=09) apresentavam fraturas incompletas na terceira falange, sendo que 5% (n=02) destes, bilateralmente (Figura 2a). Verificou-se maior ocorrência desse tipo de lesão no membro torácico esquerdo (15%). Essa lesão apresentou ocorrência de 22,50% para o total de animais pesquisados, sendo dessa forma, considerada alta. Três (7,5%) dos animais analisados apresentaram fratura completa, duas no membro torácico esquerdo e uma no direito (Figura 2b).
Com o estudo radiográfico, obtiveram-se imagens da borda proximal e distal do osso sesamóide distal. Em 52,50% (n=21) dos animais avaliados foi possível identificar algum tipo de irregularidade, 12,50% (n=5) destes manifestando irregularidade em superfície abaxial, coincidindo com os achados de ALVES et al. (2003), que relataram irregularidades do osso navicular que, de alguma forma, provocaram algum grau de comprometimento na falange distal e, consequentemente, no aparelho locomotor.
A rotação de falange constituiu uma lesão observada em 17,50% (n=07) dos animais, sendo que em 5% (n=02) bilateralmente, o que é associado ao aumento do espaço intra-articular (Figura 3). A angulação da rotação de falange dos animais acometidos variou de 7 a 10 graus. Entretanto, os animais que apresentaram essa alteração estavam em plena atividade de trabalho e não evidenciaram grau de claudicação superior ao grau 2, o que mostra uma maior resistência dos asininos utilizados em veículos de tração.
O alto número de lesões verificadas no estudo mostra a intensidade do trabalho a que os asininos são submetidos e, principalmente, a realização em pisos não apropriados. Os resultados obtidos no estudo de ALVES et al. (2003) forneceram dados para inferir que a espécie asinina apresenta maior resistência aos distúrbios do aparelho locomotor, em especial, da falange distal.
Provavelmente, o conhecimento dos prejuízos advindos dos desequilíbrios de casco é mais frequente entre os proprietários de animais utilizados em práticas esportivas, quando comparados à classe dos carroceiros. A correção pode ser alcançada pelo manejo correto do casco, embora, na maioria das vezes, seja difícil (ALVES et al., 2003).

CONCLUSÕES

Os principais achados clínicos observados no estudo foram: irregularidade de casco e sensibilidade em pinça, ranilha e talão. As principais lesões radiográficas diagnosticadas no estudo foram: osteíte podal, esclerose e reabsorção de 3ª falange e irregularidades no osso sesamóide distal. A gravidade dos achados radiográficos evidenciados no estudo não foi relacionada aos achados clínicos diagnosticados.
É possível concluir que a continuação desordenada do trabalho de tração pode levar a uma progressão das lesões do aparelho locomotor, que poderá evoluir até uma  parada completa das atividades de tração.

AGRADECIMENTO
 
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão de bolsa de Iniciação Científica.

REFERÊNCIAS

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Protocolado em: 03 mar. 2010.   Aceito em: 01 fev. 2011.