O objetivo da pesquisa foi determinar as espécies de cestoides da ordem
Trypanorhyncha que parasitam o
Plagioscion squamosissimus
Heckel, 1840, comercializados nas feiras em Macapá, Amapá. No período
entre março de 2008 e dezembro de 2008, necropsiaram-se oitenta
espécimes de
P. squamosissimus, sendo que sessenta e três peixes (78,8%) estavam parasitados por plerocerco da ordem
Trypanorhyncha. Registrou-se um poliparasitismo na musculatura do peixe por quatro espécies:
Pterobothrium heteracanthum,
Callitetrarhynchus gracilis, Poecilancistrium caryophyllum, e
Pterobothrium crassicolle. Os blatocistos de
Trypanorhyncha
na musculatura não apresentam risco de infecção para humanos, mas
afetam a estética do pescado, pelo aspecto repugnante, podendo ser
rejeitado pelo consumidor e, muitas vezes, tendo a comercialização
impedida pela fiscalização sanitária. Este foi o primeiro registro de
parasitos de musculatura em peixes provenientes do Estado do Amapá.
PALAVRAS-CHAVES: Amapá, peixe,
Trypanorhyncha.
ABSTRACT
PARASITISM OF CESTODES FROM Trypanorhyncha ORDER IN THE MUSCULATURE OF Plagioscion squamosissimus (PERCIFORME: SCIAENIDAE), COMMERCIALIZED IN MACAPÁ, AP/BRAZIL
The objective of this research was to determine the species of cestodes from the
Trypanorhyncha order that parasites the
Plagioscion squamosissimus
Heckel, 1840 (Brazilian common name: Pescada Branca), which are
commercialized at fairs from Macapá, Amapá State, Brazil. From March
2008 to December 2008, 80 specimens of
P. squamosissimus were submitted to necropsy, from which 63 fish (78.8%) were parasitized by larvae plerocercoids from
Trypanorhyncha order. A multiple parasitism of four species,
Pterobothrium heteracanthum, Callitetrarhynchus gracilis, Poecilancistrium caryophyllum, Pterobothrium crassicolle was recorded in the musculature of the fish. Larvae plerocercoids from
Trypanorhyncha
in the musculature do not present any risk of infection for humans, but
affect the aesthetics of the fish, for its repulsive aspect, and may be
rejected by consumers and often have the commercialization prevented by
the sanitary fiscalization. This was the first record of parasites of
musculature in fish proceeding from the State of Amapá.
KEYWORDS: Amapá, fish,
Trypanorhyncha.
INTRODUÇÃO
Ocasionalmente, peixes destinados ao consumo humano podem estar
infectados por determinadas espécies de parasitos. Alguns podem pôr em
risco a saúde dos consumidores, transmitindo-lhe doenças, e outros que,
mesmo não sendo transmissíveis ao homem, adquirem importância sanitária
quando causam um aspecto repugnante no pescado. O resultado é o
desprezo daquele espécime parasitado, como, por exemplos, os cestoides
da Ordem
Trypanorhyncha (SÃO CLEMENTE
et al., 1991).
Essa ordem é caracterizada pela presença de um escólex do tipo
botridial e em cada um dos botrídios há um tentáculo eversível. O
estádio larval, conhecido como plerocerco ou pós-larva, é encontrado
nas cavidades corpóreas de peixes teleósteos, crustáceos ou, raramente,
em répteis (DOLLFUS, 1942).
Esses cestoides, quando adultos, têm como hábitat o sistema
gastrointestinal de peixes elasmobrânquios. Suas formas larvares são
encontradas em várias espécies de peixes teleósteos, elasmobrânquios e
uma variedade de invertebrados marinhos (CAMPBELL & BEVERIDGE,
1994).
OVERSTREET (1977) verificou que a aparência da musculatura parasitada por
Trypanorhyncha desencorajava muitas pessoas a ingerirem peixes estuarinos no México. Segundo SÃO CLEMENTE
et al. (1995), além do aspecto repugnante que esses parasitos conferem ao peixe, a localização de larvas de
Trypanorhyncha na musculatura dos peixes pode produzir toxinas que causam reação alérgica na ingestão por pessoas intolerantes.
PALM (1997) observou que as informações sobre o parasitismo por cestoides
Trypanorhyncha
em peixes da costa tropical brasileira são restritas a poucos
trabalhos, sendo a quase totalidade das investigações desenvolvidas na
costa Sudeste e realizadas em apenas uma ou poucas espécies de peixes.
O presente trabalho teve como objetivo relatar a presença de cestoides
da ordem
Trypanorhyncha em peixes comercializados na cidade de Macapá, registrando seus aspectos quantitativos e sua importância comercial.
MATERIAL E MÉTODOS
A Feira do Pescado se realiza em via pública, no Bairro do Perpétuo
Socorro. Sua estrutura pode ser dividida em duas partes. De um lado,
encontram-se barracas de madeira cobertas, a maioria construída pelos
próprios comerciantes, e possuem uma condição precária para a
comercialização do pescado. Do outro, veem-se stands mais elaborados,
construídos por uma parceria do Governo do Estado com a Associação de
Pescadores local. Nas barracas, a venda de pescado fresco eviscerado é
predominante, sendo os próprios pescadores ou seus familiares que o
comercializam. Nos stands o pescado é vendido por comerciantes, que
adquirem o produto de terceiros, o qual é proveniente de outros estados
como Pará e Amazonas.
Com o intuito de identificar parasitos nas musculaturas do pescado
comercializado na feira, obtiveram-se oitenta exemplares de pescada
branca (
P. squamosissimus), eviscerada, com os próprios pescadores locais que comercializam o seu produto para a retirada dos filés.
O material coletado foi identificado, embalado em sacos plásticos e
acondicionado em caixas isotérmicas contendo gelo. Em seguida, foi
transportado para o Laboratório de Ictiologia do Instituto de Pesquisas
Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá – IEPA –, onde se
realizou a morfometria do pescado (comprimento total – CT – e
comprimento padrão – CP) e logo em seguida se efetuou a retirada dos
filés. Esta ocorre ao longo de todo o comprimento do peixe, através de
uma incisão que se inicia próximo aos opérculos, indo até a inserção da
nadadeira caudal, obtendo-se dois filés, um de cada lado.
Os dois filés obtidos de cada exemplar de peixe foram observados em
mesa de inspeção do tipo candling table (constituída de um tampo de
vidro fosco e de uma luz branca na parte inferior) que, por
transparência, permite a visualização dos cistos dos parasitos entre os
tecidos examinados.
Os blastocistos presentes na musculatura foram removidos dos tecidos
com auxílio de pinça e tesoura cirúrgica e em seguida mensurados. Em
estereomicroscópio, o escólex dos cestoides coletados foi liberado do
blastocisto, passando por processamento segundo a metodologia-padrão na
ictioparasitologia para parasitos da classe Cestoda (AMATO
et al., 1991).
Para a identificação e classificação sistemática dos helmintos da ordem
Trypanorhyncha, baseaou-se nos trabalhos de DULLFUS (1942), REGO
et al.
(1974), CAMPBELL & BEVERIDGE (1994) e PALM (1997). As médias e as
frequências foram as medidas utilizadas como parâmetros para relatar a
prevalência, abundância, intensidade de infecção.
RESULTADOS
Dos oitenta peixes examinados, que apresentaram variação do comprimento
total de 33,43 cm a 49,61 cm, com média de 41,24 cm para a espécie em
estudo, 63 (78,75%) apresentaram parasitismo muscular por pelo menos um
blatocisto. Nestes, recuperaram-se 345 blastocistos de quatro espécies
diferentes, caracterizando um poliparasitismo na espécie, com
intensidade média de infecção de 5,48 larvas/peixe e abundância média
de 4,31. Os exemplares examinados foram negativos para infecção por
outros helmintos. Na
Tabela 1
está apresentada a distribuição dos parasitos em relação ao comprimento
total dos peixes analisados, demonstrando que ocorreu parasitismo em
todas as classes de comprimento. A maior prevalência foi encontrada na
classe 45.01–50.00.
O poliparasitismo registrado ocorreu em quatro espécies de cestoides da ordem
Trypanorhyncha. A espécie
Callitetrarhynchus gracilis (
Figura 1)
foi a que apresentou maior prevalência (38,8%), com intensidade média
de infecção de 6,23. Seus blastocistos se apresentavam pequenos (0,5 –
1,5 cm), achatados, saculiformes e com membranas delicadas, às vezes,
com aspecto claviforme, em vírgula ou com “prolongamento caudal”. Os
escólex eram filiformes, longos e delicados, com comprimento variando
de 0,6–2,8 cm.
A espécie
Pterobothrium heteracanthum (
Figura 1),
que parasitou 23 peixes, apresentou prevalência de 28,8% e intensidade
média de infecção de 5,35. Os blatocistos apresentaram forma pequena
(0,3 – 0,6 cm), formato oval, fusiforme ou em vírgula, achatados e com
membranas muito delgadas, de tonalidade variando do bege ao vermelho,
com uma das faces apresentando uma área transparente. Além disso,
geralmente possuem um longo “prolongamento caudal” translúcido. O
frágil escólex liberado do blastocisto mostrava-se longo (2,6–5,7cm) e
estreito, com quatro botrídios bem separados e apêndice bem
desenvolvido.
Também foram encontradas as espécies
Pterobothrium crassicolle (7,5%) e
Poecilancistrium caryophyllum (3,75%) (
Figura 2), que apresentaram intensidade média de infecção de 2,67 e 4,33, respectivamente (
Tabela 2). O cestoide
P. crassicolle apresentou
blastocistos do parasita muito pequenos (0,2 – 0,3 cm) e frágeis, sendo
o escólex um pouco mais longo (4–6mm) e robusto, possuindo apêndice
curto e quatro botrídios distintos, salientes e arredondados. Para
P. caryophyllum,
os blatocistos eram pequenos (0,4–0,7mm), esféricos, brancos, com
paredes espessas e longo “prolongamento caudal” (8–10cm). Já o escólex
era robusto e longo (0,9–2,7cm), com apêndice bem desenvolvido e de
aspecto sanfonado, com dois volumosos botrídios pateliformes,
subcirculares, sobressaindo lateralmente o corpo do escólex.
DISCUSSÃO
Este é o primeiro relato de parasitismo por larvas de cestoides da Ordem
Trypanorhyncha
em peixes provenientes do Estado do Amapá. Entretanto, trata-se de
resultados que podem ser comparados com os obtidos por outros autores,
em diferentes espécies de peixes, de outras localidades.
Relatos de multiparasitismo por
Trypanorhyncha foram também referidos em peixes do litoral do Rio de Janeiro por SÃO CLEMENTE (1986a, 1986b) em corvinas (
Micropogonias furnieri), por SÃO CLEMENTE
et al. (1991) em bagres (
Netuma barba), por SÃO CLEMENTE
et al. (1997) em anchovas (
Pomatomus saltatrix) e por SÃO CLEMENTE
et al.
(2004) em congro-rosa. Similarmente, no litoral do Estado de
Pernambuco, PALM (1997) registrou o fenômeno em quatro das onze
espécies de peixes parasitados.
O alto percentual de parasitismo muscular dos peixes (78,8%) indica que
essa área corporal pode ser considerada referência para estudos de
levantamento epidemiológico de tal parasitose. É o que afirmam diversos
autores, como AMATO
et al. (1990), SÃO CLEMENTE (1986b), SÃO CLEMENTE
et al. (1991), SÃO CLEMENTE
et al. (1995), PALM (1997), SÃO CLEMENTE
et al.
(1997) e SILVA & SÃO CLEMENTE (2001), relatando que a invasão
muscular é rara ou acidental neste grupo de cestoides de peixes
teleósteos.
Poucos relatos estimaram índices de parasitismo por cestoides
Trypanorhyncha
restritos à musculatura – parte do corpo de maior valor nutricional e
comercial da maioria dos peixes. Altas taxas de infecção por larvas
plerocercoides de
Trypanorhyncha foram referidas na musculatura abdominal de bonito (
Katsuwonus pelamis) (92,7%) por AMATO
et al. (1990).
Entretanto, valores inferiores foram referidos por SANTOS & ZOGBI
(1971), que assinalaram 15% de infecção em filés de seis espécies de
peixes teleósteos. SILVA & SÃO CLEMENTE (2001) encontraram valores
respectivos de 6,72% e 0,32% em filés de dourado (
Coryphaena hippurus) e ariocó (
Lutjanus synagris). E SÃO CLEMENTE
et al. (1995a) observaram que apenas 10% dos peixes parasitados por Trypanorhyncha apresentaram comprometimento muscular.
Os resultados expressivos encontrados demonstram a importância capital
que este estudo assume no âmbito comercial deste peixe, já que, na
inspeção do pescado, os metacestoides da ordem
Trypanorhyncha,
mesmo não possuindo potencial zoonótico, adquirem relevância higiênica.
Isso porque o aspecto repugnante ocasionado quando os peixes teleósteos
apresentam elevada intensidade desses parasitos na musculatura, no
peritônio, no mesentério e no fígado pode acarretar problemas de
comercialização, com a fiscalização sanitária, ou serem rejeitados pelo
consumidor, já que são visíveis a olho nu.
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