FREQUÊNCIA
DE CORDAS TENDÍNEAS DA VALVA MITRAL DO CORAÇÃO DE
OVINOS (OVIS ARIES, LINNAEUS 1758) DA RAÇA SANTA INÊS
Fábio Ferreira de Queiroz,1 Alexandre Thomé da Silva de Almeida,2 Vinícius Novaes Rocha,1 Thalia Catlheen Souza Domingos3 e Leonardo Serafim da Silveira4
1. Médico veterinário, bolsista LSA/CCTA/UENF. E-mail: ffdeq@hotmail.com
2. Professor titular III da Faculdade São Camilo, BA. E-mail: alethome@oi.com.br
3. Aluna de graduação de Medicina Veterinária, bolsista LSA/CCTA/UENF
4. Professor doutor em Morfologia LSA/CCTA/UENF. E-mail: leoseraf@uenf.br
End.: UENF/CCTA/LSA - Av. Alberto Lamego, 2000. Parque
Califórnia, Campos dos Goytacazes, RJ, CEP 28013-602, Tel. (22)
2726-2057.
RESUMO
Este trabalho
teve como objetivo investigar a frequência de cordas
tendíneas no complexo valvar atrioventricular esquerdo (CVAE) do
coração de ovinos da raça Santa Inês. Os
ensaios foram realizados em quarenta órgãos preparados
com a utilização de solução de formol a 10%
e dissecados para a retirada do CVAE, classificando-se e
quantificando-se as cordas tendíneas, cujo número variou
de 10 a 27, bem como as que se orientavam à comissura entre as
válvulas, variando em número de duas a cinco cordas,
saindo dos músculos papilares subauricular e subatrial.
Corações com três cordas que se orientavam à
comissura apresentaram maior frequência. Os resultados sugerem a
inexistência de uma padronização anatômica na
quantidade de cordas tendíneas no coração do ovino
da raça Santa Inês.
PALAVRAS CHAVE: Cordas tendíneas, coração, frequência, morfologia, ovino.
ABSTRACT
CHORDAE TENDINEAE FREQUENCY IN THE MITRAL VALVE OF SANTA INÊS SHEEP (Ovis Aries, Linnaeus 1758)
The aim of this
work is to investigate the frequency of tendinous cords in the left
atrioventricular valve complex (LAVC) of the heart of sheeps of the
Santa Inês breed. The experiments involved 40 hearts prepared in
10% formalin solution and dissected for the retreat of LVC. The LAVC
was analyzed for tendinous cords counting and the total of these cords
in each heart varied from 10 to 27 and the total oriented to the
commissure of valve varied from two to five cords, all coming from
papilar sub-auricular and papilar sub-atrial muscles. Higher frequency
was observed in hearts with three cords that were oriented to
commissure. The results suggest no anatomic standardization in the
amount of tendinous cords in the heart of the sheep of the Santa
Inês.
KEY WORDS: Frequency, heart, morphology, sheep, tendinous cords.
INTRODUÇÃO
A
pecuária nos países em desenvolvimento é uma das
atividades econômicas mais importantes. Ovinos representam
excelentes alternativas para os produtores rurais, principalmente, para
médios e pequenos produtores, pelo fato de os ovinos se
adaptarem bem às mais variadas condições de clima
e nutrição, sem diminuir significantemente a sua
produção, seja esta de carne, leite, lã ou pele
(CORADELLO, 1994).
O
desenvolvimento da área médica, na maioria das vezes,
está relacionado aos avanços do conhecimento
anatômico. Isso porque a anatomia é parte
necessária na permanente pesquisa científica e de todo
conhecimento biológico. Além da anatomia, também a
cardiologia veterinária têm conseguido avançar
cientificamente, o que mostra a necessidade de realizar estudos com o
objetivo de se tornar conhecidas as características das
estruturas anatômicas cardíacas (POGLIANI et al., 2003).
O
coração tem sido bem estudado em espécies
domésticas. Por exemplo, RIELLA (1996) estudou equinos e
bovinos, MACHADO & PEDUTTI NETO (1991), suínos,
APPOLINÁRIO et al. (1999) e COSTA et al.
(2000), cães. Essa víscera é de grande
importância. É um órgão muscular oco
cônico nas espécies domésticas, exceto nos
carnívoros, assumindo nestes uma forma ovoide. No adulto,
é constituído de quatro câmaras, dois
átrios, o direito e o esquerdo, e dois ventrículos,
também um a cada lado (GOSHAL, 1986; POPESKO, 1997; SCHALLER,
1999; DYCE et al., 2004),
sendo responsáveis por sugar e empurrar o sangue,
respectivamente (MELBIN & DETWEILER, 1996). Fisiologicamente,
são duas bombas que ficam dispostas em série, mas
combinadas no interior de um único órgão (DYCE et al.,
2004; KONIG & LIEBICH, 2004). O tamanho do coração
varia consideravelmente entre as espécies e também entre
os indivíduos. Pode-se dizer que representa cerca de 0,75% do
peso corpóreo, com exceção de animais
letárgicos, que apresentam menor peso, e consideravelmente
é mais pesado em atletas (DYCE et al., 2004).
No sulco
coronário, cada um dos átrios está separado do
ventrículo correspondente, por um anel fibroso, e eles
separam-se entre si pelo septo interatrial (GOSHAL, 1986; POPESKO,
1997; SCHALLER, 1999; DYCE et al., 2004; KONIG & LIEBICH, 2004).
Os complexos
valvares são constituídos de valvas atrioventriculares,
os músculos papilares e as cordas tendíneas, sendo esse
conjunto estrutural o responsável pelo sentido único de
sangue no interior do coração e, assim, pelo seu perfeito
funcionamento. Podem-se observar dois músculos papilares, sendo
um subauricular e outro subatrial (GOSHAL, 1986; POPESKO, 1997;
SCHALLER, 1999; DYCE et al.,
2004). No óstio atrioventricular esquerdo está a valva
atrioventricular esquerda (valva bicúspide ou mitral), que
é um sistema valvular do óstio atrioventricular esquerdo,
composto, basicamente, por duas grandes cúspides, auxiliadas por
cúspides médias acessórias. A cúspide
septal origina-se na borda septal do óstio atrioventricular
esquerdo, separando este último do óstio da aorta
(SCHALLER, 1999), cuja válvula tem a função
principal de desvio para o óstio aórtico (GREGORI JR.,
2005). Já a cúspide parietal origina-se na borda parietal
do óstio atrioventricular esquerdo (SCHALLER, 1999), e possui a
função de contenção (GREGORI JR., 2005).
A valva mitral
está anatomicamente adequada ao sistema de pressão mais
elevada no qual funciona, porque as cordonalhas tendíneas e os
músculos papilares são maiores (SCHALLER, 1999).
O sistema de
cordas tendíneas do complexo valvar de um coração
é um dos mais importantes sistemas funcionais envolvidos na
circulação sanguínea (GOSHAL, 1986; POPESKO, 1997;
SCHALLER, 1999; DYCE et al.,
2004). O diâmetro das fibras de colágenos em uma corda
tendínea do ventrículo esquerdo é maior que uma do
ventrículo direito em ovinos e coelhos, porém, quando se
compara o ápice da corda tendínea com a sua base, pode-se
observar certa diferença de diâmetro (BERKOVITZ &
ROBINSON, 2003).
Segundo RIELLA
(1996), aquelas cordas que se orientavam à comissura entre as
válvulas – podendo ser entre uma acessória e
principal, entre duas acessórias ou entre duas principais, ou
ainda acolher uma válvula acessória por completo –
eram classificadas como cordas comissurais. O estudo desse autor foi
dos aspectos anatômicos das válvulas componentes da valva
atrioventricular esquerda em equinos e bovinos sem raça
definida.
As cordas
tendíneas são estruturas filamentosas que se originam do
ápice livre dos músculos papilares, unindo-os às
bordas e faces ventriculares das válvulas das valvas
atrioventriculares (TESTUT & LATARJET, 1979), e são
constituídas por um eixo central de colágeno denso
chamado de tendão axial, circundado por colágeno frouxo e
elastina revestida por células endocárdicas, uma membrana
pericordal que possui fibras longitudinais e transversais. As
transversais são mais superficiais e se apresentam em forma de
anéis finos (YILDIZ & CAVUSOGLU, 2004). Histologicamente,
apresentam constituição semelhante à das
cúspides, com predomínio de tecido colágeno,
poucas fibras elásticas e musculares recobertas por
células endoteliais e endocárdicas. Na região de
inserção, a estrutura das cordas confunde-se de modo
quase imperceptível com a das cúspides (GREGORI JR.,
2005).
O alongamento
ou a ruptura das cordas configura uma situação de extremo
cuidado, pois leva sempre ao prolapso valvar com
regurgitação mitral. Também a
alteração anatômica de tipos diferentes de cordas
tendíneas conduz invariavelmente a diferentes graus de
lesão, pois as cordas se inserem de forma diferente nas
válvulas (RADOSTITS et al., 2000).
Tratando-se de
alterações em válvulas cardíacas, é
importante citar que essas lesões acarretam, invariavelmente,
insuficiência cardíaca, o que, dependendo do grau, torna
indispensável cirurgia de reconstituição valvular
ou colocação de próteses (ASSEF et al.,
2004). Qualquer tipo de patologia que cause um inadequado funcionamento
do coração acarreta disfunções
circulatórias e, consequentemente, agressões ao
organismo. Trata-se de edemas, ascites e outras, causando desconforto
ao animal e prejudicando seu bom desenvolvimento (DETWEILER, 1996).
As
anormalidades das cordas tendíneas são mais comumente
observadas e diagnosticadas em pacientes de estudos na espécie
humana. O espessamento de cordoalha é considerado a maior causa
de restrição da mobilidade dos folhetos (CARPENTIER,
1983).
Levando em
conta essa condição e o fato de a literatura ser escassa
sobre esse tema para os ovinos, realizou-se estudo anatômico do
complexo valvar de ovinos da raça Santa Inês, para, assim,
elucidar sua morfologia e subsidiar o estudo de sua fisiologia, da
prática clínica e cirúrgica, entre outras
práticas do médico veterinário.
O objetivo
desta pesquisa foi estudar a frequência de cordas
tendíneas que se inserem nas cúspides septal e parietal
da valva atrioventricular esquerda normal de ovinos da raça
Santa Inês. Os dados obtidos servem de base para o esclarecimento
de indagações sobre modificações
morfológicas, sejam elas decorrentes de doenças ou
simplesmente diferença entre espécies.
MATERIAL E MÉTODOS
Os
corações de ovino (n=40) foram coletados de animais
adultos em abatedouros legalizados após abate para consumo
humano e/ou animais necropsiados por médicos
veterinários, livres de doenças cardíacas.
O
coração foi retirado mediante abertura do saco
pericárdio, realizando-se a exposição do
órgão e sua secção e também dos
vasos sanguíneos, próximo a seu ponto de
inserção, a aproximadamente a três
centímetros da base.
Os
corações eram colocados em recipientes térmicos
não mais que 24 horas, para evitar o aquecimento e a
aceleração da decomposição do material,
até serem lavados e congelados no Setor de Morfologia e Anatomia
Patológica do Laboratório de Sanidade Animal da
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
(SMAP/LSA/CCTA/UENF), para futuro processamento.
O congelamento
era necessário, para não haver perdas por
degradação até o momento do preparo, já que
se tratava de quarenta corações e demandava tempo para a
fixação.
Para a
fixação, os corações eram descongelados e
lavados novamente com água corrente. Após, utilizando
seringas e agulhas, solução de formol a 10% era
infiltrada no miocárdio em vários pontos do
órgão, para maior penetração do formol e,
em seguida, eram imersos na mesma solução para completar
a fixação, principalmente das estruturas internas, como
as cordas tendíneas (PROPHET et al., 1994; RODRIGUES, 1998).
Após a
fixação dos corações, iniciava-se o
processo de dissecação dos músculos papilares
(Musculi papillares) subatrial e subauricular. Realizavam-se cortes
transversais seriados ao eixo longitudinal, a partir do terço
distal do órgão em direção à sua
base até que fosse possível a visualização
dos músculos.
Com os
músculos papilares identificados, era feita a retirada da parede
ventricular esquerda do coração, descolando-se a parede
dos músculos papilares, para a individualição
destes, e cortando-as com ajuda de uma tesoura de ponta fina, tomando o
cuidado de preservar as cordas tendíneas. A partir desse ponto,
retirava-se parte do átrio, mantenedo-se preservada a
aurícula. Procedia-se a um corte em torno do óstio
atrioventricular e retirava-se o anel formado, preservando-se as
válvulas, as cordas tendíneas e os músculos
papilares junto ao anel. Para a obtenção de uma
visão plana do complexo valvar esquerdo, foi necessário
realizar um corte na linha média, com uma secção
transversal no terço médio da face ventricular da
válvula septal, mais precisamente da borda, para sua
fixação no esqueleto cardíaco no maior eixo
longitudinal da válvula (Figura 1), já que nessa região não existe ponto de inserção de cordas tendíneas.
Após a
dissecação, os músculos papilares eram
identificados por etiquetas com números, juntamente com os
respectivos corações, e armazenados em recipientes
individuais. Após isso, era iniciada a contagem das cordas
tendíneas, observando-se sua origem no músculo papilar e
principalmente seu ponto de inserção nas válvulas
cardíacas da valva mitral. O complexo valvar esquerdo era fixado
em um bloco de parafina pelas extremidades com alfinetes na
região de inserção das válvulas, de forma a
propiciar a visualização da face atrial. Já os
músculos papilares permaneciam livres, dada a necessidade de sua
movimentação para a observação da
inserção da corda tendíneas na face ventricular da
válvula.
Esses dados
eram anotados em fichas individuais, registrando-se o número
já previamente etiquetado no coração e as
observações feitas no respectivo complexo valvar
esquerdo. Após a análise de todos os
corações, elaborou-se uma única tabela com os
dados, para facilitar a interpretação dos resultados.
Para a
análise dos dados, realizou-se estatística descritiva,
tendo em vista a natureza das observações.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Seguindo as observações feitas por outros pesquisadores da área, como MACHADO et al. (1990a), com caprinos, e MACHADO et al.
(1990b), com bovinos, neste trabalho com ovinos houve maior
frequência de total de cordas tendíneas que chegavam a
cada uma das válvulas, a partir de cada um dos músculos
papilares (Tabela 1), em comparação da disposição das cordas tendíneas entre as três espécies.
atrial para a
cúspide septal não ocorreu uma diferença acentuada
na variação da quantidade de cordas tendíneas e
também na quantidade mais frequente, que foi de uma corda.
Porém, para a válvula parietal, registrou-se uma
diferença considerável nos ovinos em
relação aos caprinos e bovinos. Em caprinos e bovinos,
sempre saíam cordas do músculo papilar subatrial em
direção à cúspide parietal, no
mínimo cinco cordas. Já em ovinos essa ocorrência
podia não estar presente e, além disso, o número
de cordas mais frequente em caprinos e bovinos foi de sete cordas,
diferente dos ovinos, cuja maior frequência era de duas cordas.
Do
músculo papilar subauricular para a válvula septal
também não se registrou uma diferença muito grande
na variação da quantidade de cordas tendíneas e na
quantidade mais frequente de corda, que foi de duas cordas
tendíneas para as três espécies. Para a
válvula parietal, em caprinos e bovinos sempre saíam
cordas do músculo papilar subatrial em direção
à cúspide parietal, como no músculo subauricular.
Porém, nesse caso, eram no mínimo quatro cordas.
Já em ovinos, essa ocorrência podia não estar
presente. Como no músculo papilar subatrial, o número de
cordas mais frequente em caprinos e bovinos foi de sete cordas,
diferente dos ovinos, cuja maior frequência era de três
cordas.
Em
observação das cordas tendíneas que se orientavam
à comissura entre as válvulas, verificam-se
variação da quantidade dessas cordas que saem de cada um
dos músculos papilares e maior frequência de corda
comissural em cada um dos músculos (Tabela 2).
Observam-se
cordas tendíneas que se orientavam à comissura entre as
válvulas e sugerem-se a classificação destas como
cordas comissurais, conforme RIELLA (1996), em estudos da valva
atrioventricular esquerda em equinos e bovinos sem raça definida.
Saindo tanto do
músculo papilar subauricular quanto do músculo papilar
subatrial, a variação foi de duas a cinco cordas
tendíneas, sendo três cordas como maior frequência
de quantidade. Essa variação se dava de acordo com a
quantidade de válvulas acessórias presentes de cada lado
da válvula parietal, pois as cordas comissurais estavam sempre
presentes entre duas válvulas.
CONCLUSÕES
Há uma
variação da padronização anatômica na
quantidade de cordas tendíneas no coração do ovino
da raça Santa Inês.
Sugere-se a
denominação cordas tendíneas comissurais as que se
orientavam às comissuras entre as válvulas.
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