ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS DA DERMATITE DIGITAL BOVINA EM DUAS PROPRIEDADES PRODUTORAS DE LEITE DO ESTADO DE GOIÁS, BRASIL


Maria Auxiliadora Leão,1 Luiz Antônio Franco da Silva,2 Valéria de Sá Jayme,3 Leonardo Marçal da Silva,4 Maria Ivete de Moura5 e Valessa Teixeira Barbosa6

1. Doutora em Ciência Animal pela Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás – Correspondência: Av. Sucuri, Qd 146, Lt 25, Casa 2, Setor Jaó, CEP 74674-010, Goiânia, GO – Email: leaovet@hotmail.com
2. Professor, doutor em Clínica Cirúrgica Animal, EV/UFG
3. Professora doutora em Ciência Animal, EV/UFG
4. Médico veterinário, Classivet, Orizona, GO
5. Mestranda em Ciência Animal, EV/UFG
6. Aluna do Curso de Medicina Veterinária e Bolsista de IC-CNPq




RESUMO

No período de novembro de 2000 a outubro de 2003 foram avaliados alguns aspectos epidemiológicos relacionados à dermatite digital em 7.752 bovinos de aptidão leiteira distribuídos em duas propriedades rurais, nos períodos seco e chuvoso do ano. O manejo, a idade, o sexo e o estado reprodutivo foram considerados variáveis intrínsecas às propriedades, e a introdução de animais sem exame podológico, o trânsito de bovinos a pé ou em caminhões, o acesso de pessoas estranhas aos criatórios, a presença de animais portadores de dermatite digital nas fazendas limítrofes e visitas diárias de caminhões transportadores de leite como fatores extrínsecos às propriedades. Para a comparação da frequência da enfermidade entre faixas etárias adotou-se o teste do qui-quadrado (χ2), ao nível de significância de 5%. Para comparar a frequência da dermatite digital entre os períodos seco e chuvoso do ano, associada a diferentes sistemas de criação (intensivo e extensivo), fez-se o diagnóstico da enfermidade entre essas épocas e os diferentes manejos adotados, calculando-se o coeficiente de associação ( j) para quantificar a intensidade da possível associação entre as variáveis estudadas. Para as variáveis época do ano e sistema de criação, foi calculado o odds ratio (OR). Avaliou-se a influência dos diferentes fatores na frequência da doença utilizando-se coeficiente de Spearman para correlação entre ordenações. A dermatite digital foi diagnosticada em 161 (3,85%) animais na propriedade A (Jataí) e em 95 (2,66%) na propriedade B (Orizona). Houve diferença na frequência da doença entre as idades estudadas (p<0,01) nas propriedades avaliadas, sendo que a associação na propriedade A foi baixa (p<0,001) (j=0,13) e na propriedade B, moderada (j=0,41). Independentemente da faixa etária, o maior número de casos da enfermidade foi diagnosticado na estação seca do ano, ocasião em que os animais permaneceram confinados, verificando-se que a época do ano exerceu relativa influência sobre o aparecimento da doença, particularmente na propriedade B, tendo sido verificada uma associação (j=0,07). A precipitação pluviométrica e a introdução de novos animais na propriedade A não apresentaram correlação positiva com a enfermidade. Sob o manejo intensivo ocorreu maior número de casos que no extensivo. Já a maior frequência foi observada em animais entre três e seis anos e as vacas paridas apresentaram o maior número de lesões. Finalmente, o maior número de casos, independente da idade, ocorreu no período seco do ano.

PALAVRAS-CHAVES: Casco, fatores associados, gado de leite, lesão podal.


ABSTRACT

EPIDEMIOLOGIC ASPECTS OF CATTLE DIGITAL DERMATITIS IN TWO DAIRY FARMS IN THE STATE OF GOIAS STATE, BRAZIL

From November of 2000 until October 2003 some epidemiologic aspects related to digital dermatitis were evaluated in 7,752 cattle, from two farms in the cities of Jataí and Orizona, Goiás state, in both the wet and dry seasons of the year. Management, age, sex and reproductive status were considered as intrinsic variables of the farm. On the other hand, the introduction of animals without podal examination, cattle transiting on foot or in trucks, access of strangers to the farm, the presence of digital dermatitis bearers in the surrounding properties, and daily visiting of milk transport trucks were considered extrinsic factors to the property. The chi-square test (χ2), at 5% of significance, was used to compare the frequency of the condition between age ranges. The comparison between wet and dry seasons of the year associated to intensive and extensive managements was done by diagnosing the condition in the periods and considering the management, and then calculating the association coefficient (j) to quantify the intensity of the variables considered. The odds ratio (OR) was calculated for the two variables: season of the year and management system. The Spearman coefficient was used to correlate the many associated factors for the disease. Digital dermatitis was diagnosed on 161 (3.85%) animals from farm A (Jataí), and in 95 (2.66%) animals from farm B (Orizona). There was a difference (p<0.01) on the occurring of the condition among the ages considered, with lower association in farm A (p<0.001) (j=0.13) and moderate association (j=0.41) in farm B. No matter the age ranges, the greater occurrence was diagnosed in the dry season, when the animals were confined. This points to a relative influence from the season in the development of the condition, mainly in farm B, where there was an association (j=0.07). Rainfall and the introduction of new animals in the farm did not correlate positively with the disease. Intensive management presented a greater number of cases compared to extensive management, and the greatest occurrence happened in the three-to-six-year-old group. Recently calved cows presented a greater amount of lesions, and most of cases inspite of age happened on the dry season of the year.

KEY WORDS: Associated factors, bovine, hoof, podal lesion.

INTRODUÇÃO

A dermatite digital bovina é comumente denominada doença de Mortellaro, papilomatose digital, dermatite digital papilomatosa, doença do morango, hairy warts, hairy heel warts, hairy footwarts ou heel warts. Foi primeiramente reportada por Cheli e Mortellaro em 1974 como uma lesão associada à epiderme podal, afetando proporções superiores a 70% de vacas adultas em rebanhos leiteiros no Vale do Rio Pó, Itália. É reconhecida como uma das principais enfermidades podais dos bovinos, já tendo sido registrada em diversos países, conferindo à enfermidade um caráter cosmopolita (DEMIRKAN et al., 2000). No Brasil, foi descrita por RIBEIRO et al. (1992) em um estudo envolvendo bovinos de corte e por BORGES et al. (1992) e NICOLETTI (1997) em rebanhos leiteiros. Posteriormente, SILVA et al. (2001) apontaram uma frequência de 24,36% para enfermidade, em criatórios do Estado de Goiás.
Para DEMIRKAN et al. (2000), a dermatite digital é uma epidermatite superficial difusa ou circunscrita do dígito, comprometendo a porção marginal da banda coronária e, comumente, a porção plantar, especificamente na parte mais elevada do espaço interdigital entre os bulbos do talão. BERGSTEN (1997) caracterizou a dermatite digital como uma inflamação superficial contagiosa da epiderme, próxima à margem coronária e ao espaço interdigital do estojo córneo bovino. Segundo GREENOUGH (2000), a lesão instala-se, mais comumente, na região da comissura flexora do espaço interdigital, porém, com menor frequência, as lesões podem ser observadas na face dorsal do dígito, bem como ao redor deles. O autor classificou a lesão em dois tipos, um circunscrito de aspecto erosivo, eritematoso, ulcerado, correspondente à “doença do morango”, assim denominado pelo seu aspecto, e outro proliferativo ou verrucoso, que pode conter pelos e é conhecido por dermatite verrucosa ou verruga peluda.
Apesar de a etiopatogenia da dermatite digital bovina constituir-se em objeto de vários estudos, a etiologia da enfermidade ainda não foi esclarecida (DEMIRKAN et al., 2000). Os agentes bacterianos envolvidos e os principais fatores de risco continuam sendo motivo de especulação. Vários microrganismos, principalmente as bactérias anaeróbias Gram-negativas e as espiroquetas, têm sido apontados como desencadeadores do processo, o qual estaria associado a fatores de risco que atuariam de diferentes formas (DEMIRKAN et al., 2000; ANDERSON, 2001; NICOLETTI, 2004). Entretanto, o grau de participação de cada fator ainda é considerado uma incógnita, dificultando o diagnóstico, tratamento e, principalmente, a adoção de medidas efetivas de controle (DEMIRKAN et al., 2000; ANDERSON, 2001; NICOLETTI, 2004). Através de cultura bacteriana de biópsia da pele e swabs obtidos das lesões de dermatite digital e interdigital têm-se identificado microrganismos anaeróbios como o Fusobacterium spp., Peptococcus asaccharolyticus, Peptococcus saccharolyticus, Peptostreptococcus anaerobes e Clostridium (KONIAROVA et al., 1993), Bacteroides fragilis, Fusobacterium nucleatum, F. mortiferum (SABO et al., 1988) e BLOWEY & SHARP (1988) demostraram espiroquetas morfologicamente semelhantes a Treponema spp.
Segundo DEMIRKAN et al. (2000), a dermatite digital é uma doença de origem multifatorial, sendo que fatores de risco como nutrição, tipo de instalação, estação do ano e a condição fisiológica da vaca participariam de forma intensa na etiopatogenia dessa enfermidade. SILVA et al. (2001) destacaram a falta de higiene das instalações e entorno delas, o excesso de umidade próximo aos estábulos, currais com pisos irregulares, mudanças bruscas na alimentação e a qualidade dos alimentos fornecidos como fatores importantes no desenvolvimento da dermatite digital. As dietas desequilibradas com muito concentrado e pouca fibra, a permanência por longos períodos sobre pisos de concreto, o grande número de animais numa pequena área em condições inadequadas de higiene, a elevada umidade e a introdução de animais oriundos de rebanhos contaminados também são fatores que favorecem o surgimento das dermatites. Para SILVA et al. (2001 a), DIAS & MARQUES JUNIOR (2003) e NICOLLETTI (2004), a ocorrência de lesões nos cascos não depende apenas de fatores ligados ao meio ambiente, mas também da constituição e conformação dos cascos.
Considerando-se a relativa escassez de informações epidemiológicas existentes, este estudo teve como objetivo avaliar alguns aspectos epidemiológicos relacionados à dermatite digital em dois criatórios de bovinos de aptidão leiteira, explorados de forma extensiva na estação chuvosa e intensiva na estação seca do ano.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi desenvolvido entre novembro de 2000 e outubro de 2003 em duas propriedades rurais do Estado de Goiás, sendo uma no município de Jataí (A), localizado na latitude de 170 53´ 00´´S, longitude 01510 43´ 00´´W e altitude de 670m, e outra no município de Orizona (B), situa­do na latitude de 170 43´ 00´´ S, longitude 0480 10´ 00´´ W e altitude de 772,39m (INMET-2004). Estudou-se em cada propriedade um rebanho aproximado de 4 mil bovinos Girolando, com idade, sexo e peso variados, incluindo os animais nascidos ou que entraram e saíram das propriedades durante o estudo.
A escolha dos municípios fundamentou-se em outras pesquisas desenvolvidas nessas regiões que apontaram a importância da enfermidade (SILVA et al., 2001; ROMANI et al., 2004), bem como na disposição dos proprietários em aceitar as condições de realização do experimento. As propriedades foram selecionadas com base nos seguintes critérios: ocorrência de dermatite digital, existência de características adequadas ao estudo, como a estrutura de produção, as instalações, e facilidade de acesso. Foi considerado também o fato de duas propriedades possuírem em comum a raça de gado explorada, o manejo, a alimentação, a forma de criação, o mesmo padrão de compra e venda de animais e tempo de condução da atividade agropecuária. As principais diferenças entre as duas propriedades estudadas eram: tipo de solo e clima, tamanho e concentração de animais no período intensivo. Na propriedade A o solo era arenoso e na B arenoso com presença de cascalho.
Durante a execução do estudo, os animais foram manejados extensivamente na estação chuvosa e mantidos em regime de confinamento no período seco do ano. Nessa ocasião foram suplementados com cana triturada e concentrado mineral e proteico, em dois fornecimentos diários. A formulação e a quantidade oferecida do produto variavam de acordo com a sua produção individual.
Independentemente da categoria animal, o confinamento ocorreu nas duas propriedades entre os meses de junho a outubro. Nesta fase, os bovinos da propriedade A foram manejados em currais, distribuídos em uma área aproximada de 30 m²/animal. O manejo extensivo ocorreu em uma área de aproximadamente 570 hectares de Brachiaria spp divididos em piquetes com dimensões variando de dez a 25 hectares. Quanto aos animais da propriedade B, o manejo extensivo ocorreu em uma área de 490 hectares distribuídos em piquetes de oito a vinte hectares de Brachiaria spp e o intensivo em currais com área de 50m2/animal.
De acordo com o manejo adotado, dividiu-se o período de três anos do estudo em duas fases distintas, conforme mostra o Quadro 1. Antecedendo ao início do estudo, submeteram-se os animais a exames clínicos (HOUSTON & RADOSTITIS 2002) e quando se diagnosticou alguma enfermidade nos dígitos, estes foram descartados ou tratados, de modo que, ao ser iniciado o trabalho, todos os bovinos encontravam-se clinicamente saudáveis. A mesma metodologia utilizada no exame clínico dos dígitos foi adotada nas avaliações subsequentes, que aconteceram ao final de cada fase.
O diagnóstico de dermatite digital fundamentou-se nas descrições de DEMIRKAM et al. (2000) e NICOLETTI (2004), e com base nesses critérios estabeleceu-se a ocorrência da enfermidade. Para a análise dos resultados obtidos, foram avaliados como fatores associados o manejo e a estratificação do rebanho, sendo a idade, o sexo e o estado reprodutivo as principais variáveis avaliadas dentro das propriedades. Fatores considerados externos, como introdução de animais nas propriedades sem exame podológico prévio, trânsito de bovinos a pé ou em caminhões por vias que passassem pela propriedade, presença de bovinos portadores de dermatite digital nas propriedades limítrofes, acesso frequente à propriedade de pessoas oriundas de outros locais e visitas diárias de caminhões transportadores de leite foram também avaliados. Consideraram-se igualmente medidas profiláticas adotadas nas propriedades, como o toalete de casco, uso do pedilúvio e o isolamento dos animais doentes. Tais informações foram levantadas pela aplicação de questionários estruturados fechados, como proposto por ROMANI (2003).
Como os animais foram submetidos aos mesmos fatores associados nas diferentes propriedades e não sendo possível estabelecer um grupo controle, não se aplicou teste de probabilidade e consequentemente não se quantificou a participação de cada fator. Para a comparação da frequência da enfermidade entre faixas etárias, adotou-se o teste do qui-quadrado (χ2), ao nível de significância de 5% (SAMPAIO, 1998). A comparação da frequência da dermatite digital entre as diferentes épocas do ano, seca e chuvosa, associadas à diferentes sistemas de criação, respectivamente intensivo e extensivo, foi feita utilizando-se também o teste do qui-quadrado (χ2), com correção de continuidade devida a Yates (CURI, 1997). Calculou-se o coeficiente de associação (j) para ser quantificada e a intensidade da possível associação entre as variáveis estudadas. O odds ratio (OR) foi calculado para as variáveis, época do ano (seca e chuvosa) e sistema de criação (intensivo e extensivo), segundo CURI (1997). Para a avaliação da influência dos fatores acúmulo de dejetos (presença ou ausência), suplementação energética e proteica (sim ou não), precipitação pluviométrica (mm3), concentração de animais (animal/m2), concentração de partos (sim ou não), uso preventivo do pedilúvio (sim ou não) e introdução de animais (sim ou não), na frequência de dermatite digital, utilizou-se o coeficiente de Spearman para correlação entre ordenações, como proposto por SAMPAIO (1998).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao final do estudo, 7.752 bovinos foram avaliados. Destes, em 161 (3,85%) na propriedade A e 95 (2,66%) na propriedade B foi diagnosticada a dermatite digital (Tabela 1 e Tabela 2). As frequências observadas neste estudo mostraram resultados inferiores aos encontrados por SILVA et al. (2001), que detectaram na bacia leiteira de Orizona, no Estado de Goiás, índices de 24,36%, e por MAREGA (2001), que relatou prevalências de 5,7% para animais confinados e de 5,2% em bovinos de corte. Já MOLINA et al. (1999) avaliaram a prevalência de doenças digitais na bacia leiteira de Belo Horizonte, Minas Gerais, e detectaram ocorrência de 30,3% em vacas manejadas em regime de confinamento, sendo as enfermidades de maior ocorrência a dermatite digital (24,36%), seguida pela dermatite verrucosa (14,53%) e pododermatite séptica (13,68%). Mesmo encontrando, neste estudo, índices menores de dermatite digital (3,85% e 2,66% respectivamente nas propriedades A e B) do que os 10% observados por GREENOUGH (1997), pela gravidade das lesões, por acometer bovinos em diferentes faixas etárias e desencadear graus variados de claudicação, é inquestionável que se trata de enfermidade que causa grande impacto no sistema produtivo. DEWES (1998), em trabalho realizado na Nova Zelândia, concluiu que as perdas de produtividade são representadas por baixa produção de leite e diminuição do peso corporal. Para REBHUN (2000), a redução da produção leiteira é secundária ao decréscimo do consumo alimentar, especialmente quando as vacas têm de andar até o comedouro.
As afirmações de BERGSTEN (1997), de que animais de todas as idades são susceptíveis à dermatite digital, foram confirmadas neste estudo. Já PARDO & STURION (1997), ao encontrarem uma frequência de 10% de lesões digitais em bovinos leiteiros na região de Presidente Prudente em São Paulo, apontaram a faixa etária de quatro a oito anos como sendo a mais afetada, com 91% dos casos. Portanto, os dados aqui obtidos podem ser atribuídos a uma criteriosa estratificação dos animais estudados em intervalos médios de três anos e não de quatro, conforme estabelecido por esses autores. O fato de SILVA et al. (2001) diagnosticarem maior número de casos da doença em bovinos na faixa etária entre três e quatro anos, MOLINA et al. (1999), em seus estudos, concluírem que a idade influenciou a frequência de problemas de casco, visto que a maior frequência de enfermidades digitais foi encontrada entre os animais mais velhos, e de GYORKOS et al. (1999) encontrarem a maior frequência de dermatite digital em vacas jovens até a terceira lactação, reafirmam que as enfermidades digitais dos bovinos podem ser observadas em todas as faixas etárias, conforme encontrado neste estudo.
Analisando a frequência de dermatite digital nas propriedades avaliadas em relação à idade e ao total de animais enfermos, observou-se que, de 161 bovinos portadores da enfermidade na propriedade A, 32 (19,88%) encontravam-se na faixa etária do nascimento até um ano, 25 (15,53%) entre um e três anos, 74 (45,95%) de três a seis anos, 21 (13,04%) de seis a nove anos e 9 (5,60%) de nove a 12 anos de idade. Na propriedade B, de um total de 95 bovinos enfermos, foram observados 11 (11,58%) animais na faixa etária do nascimento até um ano, 29 (30,53%) entre um e três anos, 33 (34,74%) de três a seis anos, 17 (17,89%) de seis a nove anos e 5 (5,26%) de nove a 12 anos de idade. Houve diferença significativa na frequência da doença entre as idades estudadas (p<0,01) nas duas propriedades avaliadas e a faixa de idade de maior frequência foi a de três a seis anos. A associação entre a doença e a idade na propriedade A foi baixa (p<0,001) j=0,13 e, na propriedade B, a associação foi moderada j=0,41, caracterizando pequena influência do fator idade no desencadeamento da enfermidade. Os percentuais de animais enfermos encontrados na idade entre três e seis anos (propriedade A, 45,95%, e B, 34,74%) são menores que os registrados por ROMANI (2003), que, em estudo realizado nas mesorregiões Centro e Sul Goianos, destacou que 60,6% dos animais acometidos pelas enfermidades digitais encontravam-se na faixa etária de três a seis anos, seguida por animais de até três anos, 21,0%, com menor prevalência, de 18,4%, entre as fêmeas com mais de seis anos.
Na presente pesquisa, o maior número de bovinos com a enfermidade, independente do manejo adotado, foi diagnosticado entre vacas paridas. Na propriedade A, durante a fase 1 (manejo extensivo), 671 fêmeas enquadraram-se na categoria parida, sendo a enfermidade diagnosticada em 16 (2,38%) delas. Na fase 2 (manejo intensivo), o número de fêmeas paridas foi de 670 e a doença foi detectada em 63 (9,4%). Já na propriedade B, 26 (3,89%) em 668 animais apresentaram a doença quando o sistema era o confinamento, e quando o manejo foi extensivo 16 (2,46%) de 650 fêmeas paridas apresentaram a enfermidade. Esse percentual contrapõe-se ao citado por MAREGA (2001), que registrou um índice de 16% em vacas secas e 4,5% em vacas em lactação. Os resultados de JUBB & MALMO (1991), BERGSTEN (1997), READ & WALKER (1998) e GYORKOS et al. (1999) corroboram os achados deste trabalho, uma vez que os autores observaram índices maiores da enfermidade em novilhas e vacas jovens, em início de lactação. Avaliando especificamente o aspecto fase de lactação, COLLICK et al. (1989) relataram que a incidência de claudicação em bovinos leiteiros é maior nos 120 primeiros dias de lactação. Já VAN AMSTEL et al. (1995), ao estudarem um surto de dermatite digital em um rebanho leiteiro na Província de Gauteng na África, que afetou 72% das vacas em lactação, relataram que, em um novo surto na mesma propriedade, sete meses mais tarde, 37% das vacas em lactação foram afetadas, e, como 48% dos animais enfermos representaram novos casos, ficou demonstrada a ocorrência de reinfecção.
Reafirmando tais resultados, DEMIRKAN et al. (2000), em revisão sobre enfermidades digitais em bovinos, descreveram que a incidência tem relação com a idade e citaram a maior frequência em animais entre três e seis anos e/ou durante a primeira lactação. Os resultados obtidos neste estudo mostraram que a faixa etária mais acometida, nas duas propriedades, foi a de animais adultos (entre três e seis anos), corroborando os resultados acima descritos.
Analisando a variável época do ano, independentemente da faixa etária, o maior número de casos da enfermidade foi diagnosticado na estação seca do ano, ocasião em que os animais permaneceram confinados. Assim, a época do ano exerceu influência sobre o aparecimento da doença, tendo sido verificadas uma baixa associação (p<0,001) na propriedade A e uma discreta associação (p<0,001) para a propriedade B. A propriedade A apresentou 3,31 vezes mais chance de apresentar o problema (Tabela 3 e Tabela 4). Neste contexto, FAYE & LESCOURRET (1989), MURRAY et al. (1996) e ROMANI (2003) não observaram diferença significativa na prevalência de enfermidades podais nas diferentes épocas do ano, contrariando os resultados aqui obtidos e os de DEMIRKAN et al. (2000), os quais afirmaram que há evidências de correlação direta entre a quantidade de chuva e a incidência de claudicação em gado de leite. Os autores também apontaram, como já registrado, a umidade como um fator de risco importante na gênese das enfermidades digitais, afirmando, entretanto, que provavelmente este fator torne-se menos importante quando a concentração de bovinos for menor. Igualmente, PESCE et al. (1992) ressaltaram a influência do tempo úmido e chuvoso, acrescentando que a higiene inadequada dos estábulos nos quais as estruturas do casco permanecem em contato com as fezes e a urina, terrenos pedregosos e instalações mal construídas com arestas cortantes constituíram fatores extremamente importantes.
O alto índice pluviométrico observado na região de Jataí nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2002, com média de 353mm, em especial no mês de janeiro dos anos de 2000 a 2003, e na região de Orizona, no primeiro trimestre de 2003, com média de 291,53mm, particularmente nos meses de janeiro de 2000 a 2003, resultou em acúmulo de quantidade significativa de lama na entrada dos estábulos e/ou currais bem como nas proximidades dos cochos colocados nos piquetes em ambos os criatórios. Embora os dados indiquem aumento no índice pluviométrico nesse período do ano, não foi observado um aumento na ocorrência da doença, o que pode ser atribuído ao manejo extensivo em que os animais eram submetidos nessa época. Essa observação não condiz com os relatos de DEMIRKAN et al. (2000), os quais afirmaram que a estação chuvosa interfere de forma significativa na etiopatogenia das enfermidades digitais.
Na propriedade B, onde o terreno era pedregoso, a ocorrência da doença foi menor no período seco (68,42%), quando comparado com a propriedade A (80,12%). Entretanto, na propriedade A, para cada caso da enfermidade diagnosticado no período chuvoso, observavam-se quatro na estação seca. Na propriedade B, essa proporção foi de 1:2 (Tabela 3 e Tabela 4). Ressalte-se que, neste estudo, em ambos criatórios, mesmo não se mantendo os animais em piso de concreto, quando confinados, esta foi a modalidade de manejo que resultou em maior número de casos da enfermidade. Complementando esta afirmação, MOLINA et al. (1999) relataram que o piso dos currais era um fator relevante, sobretudo em condições de confinamento, já que quando pavimentados e abrasivos favoreciam a erosão da camada córnea da sola do casco e/ou dos talões das vacas criadas nessas instalações. Todavia, ao afirmarem que a alta prevalência de doenças digitais encontradas em seu estudo poderia ter sido decorrente da grande quantidade de matéria orgânica acumulada no piso das instalações, seus achados estão em concordância com os obtidos neste estudo. Quanto aos 2.335 bovinos mantidos em regime de confinamento na propriedade A e nos 1.657 na propriedade B, respectivamente, em 129 (5,52%) e em 65 (3,92%), a doença esteve presente. A maior quantidade de casos da doença no período da seca pode ser atribuída ao aumento da densidade populacional. Destaca-se que, para FAYE & LESCOURRET (1989), condições de estabulação inadequadas exercem uma grande influência na incidência de claudicação.
Avaliando o manejo dos animais envolvidos neste estudo, verificou-se que 1.843 bovinos na propriedade A e 1.917 na propriedade B foram manejados extensivamente em três fases distintas de observação. Destes, respectivamente, 32 (19,87%) e 30 (31,58%) apresentaram a enfermidade nas propriedades A e B. O manejo também exerceu influência, tendo-se constatado que, sob o sistema intensivo, resultou maior número de casos que o extensivo, tendo apresentado uma baixa associação na propriedade A e uma associação discreta na B, como demonstrado na Tabela 3 e Tabela 4. Em análise de tal aspecto e comparação dos resultados aqui obtidos com os de BERGSTEN (1997), o autor igualmente encontrou prevalência alta em animais estabulados ou semiestabulados e baixa em animais criados ou mantidos a pasto ou em regime extensivo. BORGES & MÁRSICO FILHO (1995) ressaltaram que, no sistema de semiestabulação ou extensivo, é comum que a lama se acumule na entrada do estábulo ou curral e perto dos cochos, aumentando, assim, o risco de doenças infecciosas dos tecidos moles. ROMANI (2003) verificou em seu estudo que animais constituintes de rebanhos maiores, com mais de duzentas cabeças, tiveram 5,29 vezes mais chances de desenvolver a doença do que aqueles oriundos de rebanhos menores. A autora também apontou que a concentração de animais por hectare foi aspecto relevante na determinação da prevalência da doença e que propriedades com mais de dois animais por hectare revelaram chance 14,12 vezes maior de apresentar a enfermidade.
No presente estudo, no sistema extensivo, tanto na propriedade A como na B, a lotação foi de 5,2 animais/hectare. MAREGA (2001), ao estudar aspectos epidemiológicos da dermatite digital, também considerou a lotação animal como um dos fatores de influência na incidência da doença. A lotação média encontrada pelo autor foi de 13,6 animais/ha nos rebanhos leiteiros e de 3,8 bovinos/ha no gado de corte, mostrando em seu estudo que, muito provavelmente, outros fatores influenciaram a baixa prevalência de dermatite digital (5,7%) nos rebanhos leiteiros por ele investigados.
Quando se considerou o sexo, verificou-se que, de 2.335 animais manejados no sistema intensivo na propriedade A, 129 (5,52%) animais eram portadores da enfermidade, sendo que 36 (27,90%) deles eram machos e 93 (72,10%) eram fêmeas. No sistema extensivo foi manejado um total de 1.843 animais. Destes, 32 (1,74%) eram portadores de dermatite digital, sendo 6 (18,75%) machos e 26 (81,25%) fêmeas. Já na propriedade B, sob o sistema de manejo intensivo, num total de 1.657 bovinos, foram constatados 65 (3,92%) casos da doença, sendo 25 (38,46%) machos e 40 (61,54%) fêmeas. Quando o sistema adotado era o extensivo, 1.917 animais foram manejados, tendo sido registrados 30 (1,56%) casos da enfermidade, sendo 8 (26,66%) machos e 22 (73,34%) fêmeas. Estes achados são superiores aos de MAREGA (2001), que encontrou índices de 25% para machos adultos e 5,48% para machos jovens provenientes de rebanhos de corte.
Vários fatores associados podem ter contribuído para o surgimento da enfermidade nos animais manejados extensiva e intensivamente. No período estudado, na propriedade A observou-se correlação direta positiva entre a ocorrência da dermatite digital com a presença de dejetos (Rs=0,8367 e p=0,0090), suplementação energética e proteica, concentração de animais e concentração de partos (Rs=0,8216 e p=0,0101). Esses resultados são semelhantes aos observados por DEMIRKAN et al. (2000), VAN AMSTEL & SHEARER (2001) e NICOLETTI (2004). Independente do ano de avaliação, a precipitação pluviométrica foi inversamente proporcional ao número de casos da doença (Rs=-0,9316, com p=0,0042), resultado contrário aos estudos de PESCE et al. (1992) e DEMIRKAN et al. (2000). Neste trabalho, os maiores índices de umidade não se constituíram em fator predisponente, uma vez que no período chuvoso foi detectado menor número de casos, fase que correspondeu ao período de manejo extensivo.
Na propriedade B, contrariando os resultados de DEMIRKAN et. al. (2000), FERREIRA (2003), ROMANI (2003), NICOLETTI (2004)  e SILVA et al. (2004), não foi observada correlação positiva entre a ocorrência da enfermidade e o acúmulo de dejetos, suplementação energética e proteica, precipitação pluviométrica, concentração de animais, concentração de partos, uso preventivo do pedilúvio e introdução de animais. A precipitação pluviométrica também não foi significativa (Rs=0,5717 com p=0,0529), como demonstrado na Tabela 5 e Tabela 6, significando que nesse criatório, conforme observado na propriedade A, a precipitação pluviométrica não exerceu influência negativa. Há de se considerar nessa propriedade a grande presença de cascalho nas pastagens, que, associado à absorção de umidade pelo estojo córneo, pode ter contribuído para o aparecimento dos casos. Por outro lado, o número de animais no sistema intensivo não ultrapassou os 30 m2/animal em A e 50m2/animal em B. Porém, no sistema extensivo a lotação animal ficou em 5,2 animais/hectare nas duas propriedades.
Outros fatores avaliados na presente pesquisa e também considerados por GREENOUGH & WEAVER (1997) e ROMANI et al. (2004) como decisivos na etiopatogenia da enfermidade, como o trânsito de bovinos, a pé ou em caminhões, nas vias que cruzam a propriedade, constituíram-se numa rotina nos criatórios, tendo sido registrada uma frequência de até duas vezes por semana. Em ambas as propriedades, a presença de caminhões transportadores de leite, a circulação de outros veículos e de pessoas de origem desconhecida ocorriam constantemente, via de regra, com fre­quência diária, tornando-se inevitável a veiculação de fezes e lama nos pneus, calçados e roupas de pessoas de uma propriedade contendo bovinos enfermos para a propriedade em questão, o que sinaliza para a influência de tais fatores na gênese da enfermidade, conforme afirmou GREENOUGH (1997).
Na propriedade A, constatou-se que a ausência de adaptação alimentar dos animais, ao ser mudado o manejo de extensivo para intensivo foi uma constante durante o estudo. Segundo GYORKOS et al. (1999), a nutrição é considerada um dos fatores de risco mais importantes relacionados com a origem das claudicações, pois dietas desbalanceadas têm demonstrado um impacto direto sobre as patologias podais. Portanto, sugere-se, neste estudo, que esse aspecto tenha desempenhado papel significativo.
Adicionalmente, de forma descritiva foram avaliados outros fatores em ambas as propriedades. Existem indícios de que tais condições estejam correlacionadas com a frequência da doen­ça, especialmente a aquisição de animais sem realização de quarentena, o trânsito de bovinos a pé ou em caminhões, higienização deficiente dos caminhões transportadores de bovinos, o acesso de pessoas estranhas à propriedade, presença de animais portadores de dermatite digital nas fazendas limítrofes e visitas diárias de caminhões transportadores de leite. Em relação à aquisição de animais sem realização de quarentena, destaca-se que em algumas propriedades circunvizinhas a enfermidade foi diagnosticada em várias categorias animais e que, durante os três anos de estudo, foram adquiridos, em dois desses criatórios, machos na faixa etária de trinta meses para serem confinados e novilhas prenhes, o que pode ser apontado como um dos possíveis fatores associados relacionados com a introdução da doença no plantel estudado. Segundo SILVA et al. (2001), a aquisição de animais sem acompanhamento técnico, a introdução de animais na propriedade sem realizar quarentena e as condições de higiene inadequadas, sobretudo o acúmulo de material orgânico e a umidade elevada, podem ser apontadas como possíveis fatores predisponentes de enfermidades digitais.
No presente estudo, quando o manejo era intensivo, verificou-se para a propriedade A correlação positiva entre o número de casos da doença e o acúmulo de dejetos, a suplementação mineral e proteica, a concentração de animais e a concentração de partos. A precipitação pluviométrica e a introdução de novos animais não apresentaram correlação com o número de casos. Essas diferenças entre as propriedades A e B podem ser atribuídas à lotação animal, que foi maior na A, como também à ausência de adaptação alimentar nesse criatório.
Os resultados aqui obtidos reafirmam que a dermatite digital bovina é um problema multifatorial e a solução, em geral, fundamenta-se em múltiplos procedimentos, como demonstrado neste trabalho, os quais devem ser ajustados de acordo com as particularidades de cada propriedade, uma vez que os fatores associados variam de um criatório para outro. Argumenta-se, também, que cada rebanho apresenta características próprias, de modo que o fator predisponente para a dermatite digital e/ou outras enfermidades digitais pode ser relevante em um criatório e até desprezível em outro, mas a sua identificação é de suma importância no controle de novos casos e tratamento dos casos diagnosticados. Há de se considerar que a frequência e a gravidade das lesões da dermatite digital podem variar de um criatório para outro, e até mesmo ocorrer em criatórios de bovinos de aptidão leiteira ou de corte, sendo esses aspectos concordantes com as afirmações de BERGSTEN (1997), MAREGA (2001), DIAS & MARQUES JÚNIOR (2003) e NICOLETTI (2004). É importante salientar que os resultados obtidos neste trabalho apontam para a necessidade de condução de estudos complementares, empregando maior número de propriedades que possam contribuir de forma sistemática para uma melhor elucidação da epidemiologia da dermatite digital, consequentemente, permitindo a adoção de medidas efetivas de controle e tratamento.

CONCLUSÕES

Com base nos resultados obtidos nas condições do presente estudo, pode-se concluir que a maior frequência de dermatite digital foi observada em bovinos com idade entre três e seis anos, sendo que as vacas paridas apresentavam maior frequência de lesões, independente do manejo adotado. O maior número de casos, independente da idade, ocorreu no período seco do ano, quando os animais foram submetidos ao sistema de manejo intensivo. Na propriedade A, os fatores presença de dejetos, suplementação mineral e proteica e a concentração de partos apresentaram correlação com o número de casos da enfermidade.

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Protocolado em: 14 set. 2006.  Aceito em: 28 nov. 2008.