RESUMO
Objetivou-se com o presente estudo avaliar amostras de produtos cárneos
fabricados sob inspeção federal no Estado do Paraná quanto às suas
características microbiológicas, segundo a legislação vigente. De
acordo com o tipo de produto, foram ainda quantificados os teores de
nitrito e de amido. Todas as amostras foram coletadas nos
estabelecimentos produtores e as análises foram realizadas conforme as
recomendações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Das 131 amostras de produtos cárneos analisadas, cinco (3,82%)
apresentaram-se contaminadas por
Salmonella
sp. e três (2,3%) encontravam-se contaminadas por coliformes
fecais. Para as amostras de salsicha, os valores de amido variaram de
1,71% a 10,28 %. Nas amostras de mortadela, esses valores variaram de
3,01 % a 16,5%. Dez amostras de salsicha apresentaram teores de amido
fora dos padrões regulamentares, assim como oito amostras de mortadela
se apresentaram em não conformidade com os dispositivos legais. Os
valores de nitrito residual detectados nos produtos variaram de 3,7
mg/kg a 1.398,5 mg/kg. Verificou-se que 23 amostras (18,4%) excederam o
limite regulamentar, apresentando um valor médio de 395,91 mg/kg de
nitrito residual. Pelos resultados obtidos, conclui-se que apesar da
boa qualidade encontrada na maioria dos produtos, alguns fabricantes
demandam uma intensificação da fiscalização, de modo a atender os
requisitos regulamentares de qualidade para produtos cárneos.
___________
PALAVRAS-CHAVE: amido; carnes; nitrito; produtos cárneos.
ABSTRACT
QUALITY EVALUATION OF MEAT PRODUCTS PRODUCED UNDER FEDERAL INSPECTION IN THE STATE OF PARANÁ
The aim of this paper was to evaluate microbiological characteristics
of meat products produced under federal inspection by industries in the
State of Paraná (Brazil), following Brazilian regulations. According to
the type of meat product, quantification of nitrite and starch was also
determined. All samples were collected at the plant and all analysis
were carried out according to the Brazilian Ministry of Agriculture,
Livestock and Food Supply´s recommendations. From 131 samples analyzed,
five (3.82%) were contaminated by
Salmonella
sp. and three (2.3%) presented fecal coliforms. The other samples were
legally acceptable. Frankfurters showed starch levels ranging from
1.71% to 10.28%. In bologna, this variation ranged from 3.01% to 16.5%.
Residual nitrite levels in all products ranged from 3.7 mg/kg to 293.10
mg/kg. An amount of 23 samples (18.4%) had residual nitrite levels
higher than legal limits, with a medium level of 395.91 mg/kg.
The results found suggest that, although the analyzed samples present
good sanitary quality, some producers need to be more carefully
inspected, in order to attend Brazilian regulations for meat products.
____________
KEYWORDS: inspection; meat; meat products; nitrite; quality; starch.
INTRODUÇÃO
A inocuidade e a qualidade nutricional dos produtos cárneos estão entre
as principais preocupações do serviço de fiscalização de alimentos,
porque tais produtos são de consumo muito popular no Brasil, entre
todas as faixas etárias e níveis sociais. A produção nacional anual de
embutidos ultrapassa 1,2 milhões de toneladas, destacando-se a
fabricação de linguiças frescais, por sua aceitação e comercialização
(MELO FILHO
et al., 2004; OLIVEIRA
et al., 2005).
O nitrito é um dos principais aditivos utilizados na indústria de
carnes, atuando como conservante e incrementando as características
sensoriais dos produtos. No entanto, o excesso de nitrito residual no
produto final pode proporcionar o desenvolvimento de intoxicações,
assim como a formação de nitrosaminas, compostos cancerígenos gerados a
partir da reação do nitrito em excesso com aminas da carne (DAGUER,
2005). Salsichas, mortadelas e linguiças figuram entre os produtos
cárneos que apresentam teor de nitritos residual superior ao
estabelecido pela legislação vigente (CUNHA
et al., 2003).
Em produtos de salsicharia, os amidos e féculas são profusamente
empregados como ligadores. No entanto, esses ingredientes devem ser
classificados como substâncias de enchimento, porque sua utilização
barateia a fabricação e auxilia na retenção de água do produto,
diminuindo a quantidade de matéria-prima cárnea empregada na formulação
(PARDI
et al., 1995).
Neste contexto, o presente trabalho teve por objetivo avaliar aspectos
higiênicos, sanitários e tecnológicos de amostras de produtos cárneos
fabricados sob inspeção federal no Estado do Paraná, de forma a
determinar a sua qualidade microbiológica e de algumas características
físico-químicas, tendo como base a legislação pertinente.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram coletadas 131 amostras de produtos cárneos diversos em 25
estabelecimentos sob inspeção federal no Estado do Paraná, de acordo
com o programa estabelecido pelo Serviço de Inspeção de Produtos
Agropecuários (SIPAG), entre os meses de março e dezembro de 2006,
perfazendo 52,5% da quantidade total (40) de estabelecimentos que
possuem dependências para fabricação de produtos cárneos. As amostras
foram transportadas sob refrigeração até o Serviço Laboratorial
Avançado do Laboratório Nacional Agropecuário (LANAGRO) do MAPA,
sediada na cidade de Curitiba, para realização dos exames
físico-químicos e microbiológicos. Todas as análises foram realizadas
em duplicata, em até dez dias após a coleta.
As amostras de linguiças analisadas foram classificadas como frescais à
base de carne suína (variedades de pernil, toscana e de carne suína) e
frescais de carne de frango, totalizando 51 amostras. Dentre as
linguiças cozidas e defumadas, foram analisadas 11 amostras de linguiça
calabresa. As demais amostras se constituíram de produtos cozidos sendo
analisadas 32 amostras de mortadela, 23 amostras de salsicha, oito
amostras de apresuntado, três amostras de apresuntado tipo lanche e
três amostras de presunto.
Para as análises microbiológicas foram pesados 25 g do produto e
diluídos em 225 mL de solução salina peptonada (0,1%) e homogeneizada
por 2 minutos. Foram realizadas as análises de contagem de
Clostridium sulfito-redutor, contagem de
Staphylococcus coagulase positiva, número mais provável de coliformes fecais e pesquisa de
Salmonella
sp., conforme método preconizado pela Instrução Normativa n ° 62 do
MAPA (BRASIL, 2003). Os padrões microbiológicos utilizados para
determinação da qualidade dos produtos cárneos foram baseados na RDC
n°12 de janeiro de 2001 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(BRASIL, 2001).
As análises físico-químicas realizadas foram a quantificação de amido
em embutidos cozidos (salsichas e mortadelas) e a quantificação de
nitrito residual (em todos os produtos), de acordo com a Instrução
Normativa 20 (BRASIL, 1999).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Das 131 amostras submetidas às análises microbiológicas, cinco amostras
de linguiças frescais, (3,82%) apresentaram-se contaminadas por
Salmonella
sp. A presença de coliformes fecais acima do previsto na legislação
(103 NMP/mL) foi detectada em três amostras de salsicha (1,53%) (
Tabela 1).
Produtos cárneos crus, como as linguiças frescais, frequentemente podem
veicular micro-organismos patogênicos em virtude da contaminação da
matéria prima, condimentos e/ou manipulação inadequada e, por não serem
cozidos, não permitem a destruição de células vegetativas, como
Salmonella sp.
A taxa de isolamento de
Salmonella
sp. em linguiças frescais tem se mostrado bastante variável em
diferentes estudos conduzidos no Brasil. Em contraste à presente
pesquisa, SALVATORI
et al.
(2003) realizaram exames microbiológicos de 93 amostras de embutidos
(frescais e maturados) coletadas no mercado municipal de Porto Alegre
(RS), que não revelaram contaminação por
Salmonella
sp. No entanto, os autores evidenciaram cinco amostras com coliformes
fecais acima do permitido, tendo constatado que todas aquelas amostras
haviam sido coletadas no verão e encontravam-se expostas sem
refrigeração. Da mesma forma, MARQUES
et al. (2006), pesquisando linguiças do tipo frescal comercializadas no município de Lavras (MG), não isolaram
Salmonella sp. em nenhuma das 20 amostras analisadas. Já SILVA
et al.
(2002), analisando 32 amostras de linguiça mista tipo frescal,
comercializadas na cidade de Pelotas (RS), verificaram que 17,86% das
amostras estavam contaminadas por
Salmonella sp.
Coliformes fecais têm sido usados para determinar condições higiênicas
de alimentos e presença potencial de patógenos (JAY, 2000). Na presente
pesquisa, a contaminação das salsichas por esses micro-organismos
caracteriza uma deficiência pós-processo, por serem as salsichas
produtos cárneos submetidos ao cozimento, denotando práticas
deficientes de higiene pelos manipuladores nos estabelecimentos
fabricantes dessas amostras. Coincidentemente, as três amostras
contaminadas são oriundas de estabelecimentos que não dispõem de
processo automatizado para descasque das salsichas após cozimento,
sendo tal operação realizada manualmente, o que pode ter se constituído
no principal ponto de contaminação dessas amostras.
Na
Tabela 2
estão expostos os valores de nitrito residual encontrados nas amostras
de produtos cárneos. Observou-se variação de 3,7 a 1.398,5 mg/kg nas
amostras examinadas. Em 23 amostras (18,4%), os valores de nitrito
residual ultrapassaram o limite máximo de 150 mg/kg preconizado pelo
MAPA (BRASIL, 2007), caracterizando risco à saúde pública. A média de
nitrito residual encontrado nas amostras que estavam em desacordo foi
de 395,91 mg/kg, devendo ser ressaltado que os produtos foram coletados
nos estabelecimentos produtores com, no máximo, dois dias de
fabricação. Esses altos valores encontrados sugerem uma possível
utilização abusiva de nitratos e/ou nitritos. Por outro lado, baixas
concentrações de nitrito em produtos cárneos também podem representar
risco por não fornecerem as características de conservação esperadas,
com uma possível diminuição do tempo de prateleira desses produtos e
multiplicação de micro-organismos patogênicos, como
Clostridium botulinum (TURRA & AYUB, 1999).
Na presente pesquisa, as amostras de linguiças frescais foram as que
apresentaram maior variação de teores de nitrito residual, desde
quantidades ínfimas de 3,7 mg/kg até quantidades exageradamente acima
do limite legal, como 1.398,5 mg/kg. MELO FILHO
et al.
(2004) também observaram grande variação entre os teores de nitrito
residual em 54 amostras de salsichas comercializadas na região
metropolitana de Recife, detectando valores de 27,50 a 180,2 mg/kg, com
18% do total geral das amostras em não conformidade com a legislação
vigente. OLIVEIRA
et al.
(2005) atribuem as oscilações nos teores de nitrito entre fabricantes
de produtos cárneos à composição e à qualidade da matéria-prima e dos
ingredientes adicionados e aos procedimentos operacionais em cada
unidade de produção, que demonstram deficiência de acompanhamento do
processo produtivo. Segundo TURRA & AYUB (1999), grandes variações
na utilização de nitritos demonstram falta de metodologia na fabricação
de produtos e consequentes prejuízos à sua qualidade, levantando
preocupação quanto aos riscos à saúde pública advindos dessa prática.
Os resultados encontrados para a quantificação de
amido em salsicha variaram entre 1,71 % e 10,28 %. Nas amostras de
mortadela, esses valores variaram de 3,01 a 16,5 % (
Tabela 3).
A utilização de amido é regulamentada pelo MAPA, que determina a
utilização de no máximo 2 % e 5 % dessa substância em salsichas e
mortadelas, respectivamente (BRASIL, 1997). Apenas duas dentre as
marcas de salsichas analisadas (41,7% das amostras) apresentaram
conformidade quanto ao teor de amido preconizado pelo regulamento. Nas
salsichas, o valor médio das amostras que não estavam em conformidade
foi de 4,26 % de amido. Em mortadelas, foi possível evidenciar oito
amostras (30,76%) em não conformidade com os dispositivos legais, com
8,15% de amido, em média.
Diversos autores têm evidenciado abuso na utilização de amido na fabricação de salsichas e mortadelas no Brasil. AUED
et al.
(1990) detectaram valor médio de 4,98% de amido em amostras de
salsichas de cinco marcas comerciais, empregando a técnica de
Lane-Eynon. SOUZA
et al.
(1990) detectaram 50% de amostras de salsichas não conformes (média de
2,64% de amido) e 11% de amostras de mortadelas não conformes, com
3,28% de amido em média. Por outro lado, LABANCA
et al.
(1999) sugerem que, em salsichas e mortadelas à base de carne de aves,
tais abusos tendem a ocorrer menos, haja vista terem analisado amostras
desses produtos e encontrado conformidade com a legislação vigente em
100% das amostras de mortadela e em 90% das amostras de salsicha.
Cabe ressaltar que, sendo detectadas não conformidades microbiológicas
e físico-químicas nas amostras dos produtos analisadas, foram lavrados
autos de infração contra os respectivos estabelecimentos produtores,
por infração aos artigos 372 (excesso de nitrito residual), 414
(excesso de amido) e/ou 422 (presença de micro-organismos patogênicos)
do RIISPOA (BRASIL, 1997), sendo ainda os infratores notificados a
recolher os lotes dos produtos cujas amostras se apresentaram
irregulares. No entanto, o RIISPOA em seu artigo 422 (inciso 9), não se
reporta à presença de coliformes fecais, considerando como impróprios
para consumo os produtos em que se constate a presença de
Escherichia coli,
que não foi determinada na presente pesquisa. Assim, foram considerados
como impróprias as amostras de produtos com coliformes fecais acima do
valor máximo permitido (acima de 103 NMP/g) pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (BRASIL, 2001).
Porém, a boa qualidade microbiológica encontrada nas amostras de
produtos examinadas na presente pesquisa pode não significar a
realidade do produto exposto à venda, uma vez que as coletas foram
realizadas diretamente na indústria, não levando em consideração as
possíveis contaminações e/ou multiplicação microbiana durante o
transporte e armazenamento nos locais de venda.
CONCLUSÕES
Há grande heterogeneidade entre as formulações de produtos cárneos das
indústrias do Paraná, sendo aconselhável a revisão dos critérios de
utilização de nitrito, a fim de preservar a saúde pública. As linguiças
frescais produzidas no Estado do Paraná são potencialmente mais
perigosas do ponto de vista microbiológico quando comparados com
produtos cárneos cozidos.
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Protocolado em: 16 nov. 2009. Aceito em: 22 fev. 2011.