INTRODUÇÃO
Os girinos representam a fase larvária dos anfíbios e seu ciclo de vida
pode ser dividido em três fases: embrionária, larval e metamorfose. A
fase embrionária constitui o período da fecundação e o desenvolvimento
dentro do ovo, a fase larval inicia-se com a eclosão do ovo e todo o
período de desenvolvimento do girino, enquanto que a metamorfose se
caracteriza pelo momento em que ocorrem as mudanças do girino para o
anfíbio adulto (ALTIG & MCDIARMID, 1999).
A fase de girinagem é um ponto de estrangulamento da ranicultura,
devido às alterações na continuidade da produção, por doenças e
mortalidades em massa, ocasionadas por procedimentos zootécnicos
executados de forma empírica, principalmente a administração de
alimentos inadequados, uma vez que pouco se conhece sobre as exigências
nutricionais das rãs, o que proporcionaria melhores desempenhos aos
animais (SEIXAS-FILHO
et al., 1998a; SEIXAS-FILHO
et al., 1998b).
O desenvolvimento eficiente e saudável dos animais passa
obrigatoriamente pelo fornecimento de uma dieta que satisfaça as
necessidades básicas de crescimento, contendo concentrações próximas do
ideal em seus diversos componentes, aliados à tecnologia de preparação.
A estocagem, a concentração de macro e micronutriente e a
biodisponibilidade dos nutrientes são exemplos de parâmetros que
interferem no desenvolvimento do animal (NAVARRO
et al., 2007).
As rações utilizadas na alimentação de girinos têm como principal fonte
de proteína de origem animal a farinha de peixe, a qual tem
apresentado, normalmente, baixa qualidade nutricional, com produção
sazonal e alto custo, elevando, portanto, o custo de produção do
ranicultor (ALBINATI
et al., 2000). LIMA & AGOSTINHO (1992) relataram que o custo com alimentação de rãs representa 57% do custo total da criação.
BARBOSA
et al. (2005)
concordam que a alimentação de girinos em sistema de criação comercial
é de fundamental importância, não só em termos de quantidade, como de
qualidade; porém, os autores mencionaram que os trabalhos encontrados
na literatura acerca de níveis nutricionais e suas relações com o
crescimento são escassos. Os mesmos autores observaram que girinos
alimentados com dietas com alto teor de PB (46,5%) apresentaram melhor
desempenho e crescimento heterogêneo mais elevado, e que níveis
protéicos entre 26,6 e 33,6% são adequados ao desenvolvimento dos
girinos.
No Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, o mercado para carne de rã
ainda é pequeno, mas estabilizado, sendo que a totalidade dos seus
ranicultores produz seus próprios girinos e cerca de 21% eventualmente
os comercializam com outros produtores (SEBRAE, 2002).
Nesse sentido, objetivou-se com este estudo avaliar o desempenho de
girinos da rã-touro alimentados com diferentes níveis de proteína.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido no Laboratório de Pesquisas em Biologia do
Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UNISUAM – Rio de
Janeiro – RJ, com duração de 60 dias. Foram utilizados 360 girinos de
rã-touro (
Lithobates catesbeianus)
com 15 dias, no estágio 25 de GOSNER (1960), provenientes de uma mesma
desova, com peso e comprimento médio de 0,027 ± 0,009 g e
4,91 ± 0,45 mm, respectivamente.
Os girinos foram distribuídos em 12 caixas de polietileno (62,5 x 40 x
16 cm), de coloração branca com capacidade para 40L, e
abastecimento individual, as quais receberam 30L de água,
acondicionando 30 animais, resultando em uma densidade de um girino por
litro, segundo ARRUDA SOARES
et al. (1985).
A água foi mantida a uma temperatura constante de 25ºC (± 1°C) e sua
renovação foi de aproximadamente 200% do volume a cada 24 horas. O
nível de água no interior das caixas foi mantido por meio de
dispositivo tipo “joelho” adaptado na lateral das caixas, segundo
SEIXAS-FILHO
et al. (1997),
permitindo que a água fosse escoada por meio de canaletas de PVC
acondicionadas lateralmente às bancadas e conectadas em esgoto (
Figura 1).
Cada módulo experimental recebeu aeração constante, por meio de
soprador e mangueiras plásticas 3/16’, providas de pedras porosas em
suas extremidades e reguladas por registro de mesmo calibre.
Para alimentação dos girinos foram utilizadas três rações comerciais
com diferentes níveis de proteína bruta (22%, 24% e 28% de PB) (
Tabela 1),
com granulometria de 0,5 mm, administradas diariamente na proporção de
10% do peso dos girinos,uma vez ao dia, às 12 horas, de acordo com
SEIXAS-FILHO
et al. (1998a).
A ração fornecida aos girinos foi acondicionada em cochos que
consistiam em tubos PVC de 50 mm, cortados no sentido do comprimento,
com extensão igual à largura da caixa. Os cochos foram fixados nas
laterais do módulo experimental, para que permanecessem sem movimento (
Figura 2).
A limpeza das caixas foi realizada todos os dias por sifonagem de
fundo, retirando-se as fezes e os restos alimentares. Diariamente, pela
manhã e à tarde, foram tomadas as temperaturas do ar e da água por meio
de termômetro de coluna de mercúrio, com escala em centígrados, de 0 a
60°C. O controle da amônia e do pH foi efetuado diariamente, por meio
de colorimetria, com auxílio de kit comercial.
As biometrias foram realizadas quinzenalmente, avaliando-se o peso, o
comprimento e a sobrevivência. Os girinos foram colocados sobre toalha
de pano umedecida, para retirada do excesso de água, sem que houvesse
desidratação abrupta e mensurados da boca até a inserção da cauda, com
auxílio de paquímetro digital, com precisão de centésimos de milímetro.
Em seguida, cada animal foi transferido para recipiente plástico com
volume de aproximadamente 5 mL de água e pesado em balança analítica,
previamente tarada, com precisão de 0,001 g.
Para avaliação do consumo (CO), a sobra da ração administrada aos
animais foi retirada dos cochos a cada 24 horas, por sifonagem, com
auxílio de mangueira com diâmetro de 3/16’ e filtragem, por meio de
filtro com malha de 0,5 mm, sem contaminação com as fezes. As sobras
foram secas em estufa ventilada a 55°C, durante 24 horas. Após sua
retirada da estufa, foram deixadas durante uma hora para entrar em
equilíbrio com o meio ambiente e pesadas em balança digital com
precisão de 0,001 g. O consumo foi então obtido pela diferença entre a
quantidade oferecida e a sobra de ração.
A conversão alimentar aparente (CAA) foi obtida pela razão entre o
consumo de ração (CO) e o ganho de peso (GP). Por sua vez, o ganho de
peso foi obtido pela diferença entre os pesos de duas biometrias
consecutivas.
O delineamento experimental utilizado foi inteiramente ao acaso, no
esquema em parcela subdividida, com quatro repetições. Nas parcelas
foram testados os teores de proteína bruta das rações comerciais (22,
24 e 28% PB). As subparcelas foram constituídas por cinco biometrias:
na instalação do experimento (0 dia) e aos 15, 30, 45 e 60 dias após a
instalação.
Os dados de peso (g), de ganho de peso (g), do consumo de ração (g), da
conversão alimentar aparente e do comprimento (mm) foram submetidos à
análise de variância e teste F. Os teores de proteína bruta foram
comparados por meio do teste de Newman-Keuls a 5% de probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A temperatura do ar apresentou média das máximas e mínimas de 30 e
25°C, respectivamente. A média da temperatura da água variou de 24 a
26°C. O pH manteve-se na faixa de 7,0 a 8,9. Os valores de temperatura
e pH encontraram-se dentro dos limites aceitáveis para os girinos,
sendo semelhantes aos das condições dos trabalhos de FONTANELLO
et al. (1982); SEIXAS-FILHO
et al. (1998a); SEIXAS-FILHO
et al.
(1998b), concordando com SIPAÚBA-TAVARES (1994) que ressaltou que a boa
qualidade da água em tanques e viveiros é a chave do sucesso da
produção racional da aquicultura.
Não foi observada diferença significativa entre as rações testadas. Esse fato diverge dos resultados observados por BARBOSA
et al.
(2005), que observaram que a ração com 22,5% de PB provocou cerca de
50% de mortalidade dos animais após 45 dias de experimentação.
Apesar de a sobrevivência dos animais alimentados com ração com 22% de
PB ter sido alta, seu peso médio ao final do experimento foi o menor
(2,845 g) entre os teores de PB testados.
O melhor desempenho em peso médio foi observado nos girinos alimentados
com a ração com 28% de PB(5,279 g), seguido da ração com 24% (3,558 g).
Comportamento semelhante foi observado por CARMONA-OSALDE
et al. (1996) e HAYASHI
et al. (2004).
Vale ressaltar que, até 15 dias, não houve diferença significativa
(P>0,05) no peso dos girinos. Esse fato indica que, até essa data,
os girinos podem ser alimentados com qualquer uma das três rações (22,
24 ou 28% PB), sem que haja interferência em seu peso médio. Supõe-se
que existam limitações fisiológicas nesse período que interferem na
utilização dos nutrientes das rações testadas, uma vez que SEIXAS-FILHO
et al. (2006a), avaliando
histologicamente o trato gastrintestinal de girinos de rã-touro
alimentados com diferentes níveis de proteína bruta na ração,
observaram a formação completa do pâncreas e do fígado cerca de 25 dias
após o início da alimentação exógena.
Durante todo o período experimental, não foi observada diferença significativa para consumo de ração (
Tabela 3).
Na maioria das biometrias, a conversão alimentar aparente não
apresentou diferenças significativas (P>0,05) entre as rações
estudadas. No último período, a CAA média observada foi 2,84; 3,20 e
1,68, para os girinos alimentados com 22%, 24% e 28% de PB,
respectivamente. A conversão obtida com 28% de PB foi próxima aos
resultados encontrados por SECCO
et al.
(2002) que substituíram a farinha de peixe pela silagem de peixe na
alimentação de girinos de rã-touro e obtiveram CAA entre 1,04 e 1,48.
O comprimento dos girinos não apresentou diferenças significativas
(P>0,05) entre os teores de PB estudados nos primeiros 15 dias de
experimentação (
Tabela 4). O fato de não haver diferença significativa para peso final refletiu no crescimento do girino (
Tabelas 2 e
4).
A partir do 15º dia até o final do experimento ocorreram diferenças
significativas no comprimento médio (P<0,05), sendo que girinos
alimentados com a ração contendo 28% de PB (29,1 mm) apresentaram o
maior comprimento, seguido pela ração com 24% de PB (24,77 mm), cujo
comprimento se igualou àquele dos animais alimentados com 22% de PB
(24,28 mm).
Nas fases iniciais os girinos utilizam melhor os carboidratos do que os
lipídeos e proteínas e também apresentam maior atividade enzimática da
enzima amilase, o que sugere que, nesta fase, é possível o uso de
ração com menor teor de lipídeos e proteínas (LEONE
et al., 1976).
No presente estudo, até aos 15 dias de experimentação o peso e o
comprimento dos girinos não foram afetados pelos teores de proteína
bruta das rações, indicando que nesse período os girinos não se
mostraram eficientes em aproveitar a proteína disponível, independente
do nível utilizado. É necessário o aprimoramento das técnicas de
formulação de ração para girinos para que se obtenha o maior número de
rãs-touro adultas de boa qualidade. Essas informações poderão nortear
novos experimentos, melhorar as condições de cultivo, valorizar a
atividade no sentido econômico, assim como fornecer embasamento à
nutrição e manejo desses animais em cativeiro.
CONCLUSÃO
A ração com 28% de proteína bruta, nestas condições experimentais, mostrou-se mais adequada ao desenvolvimento dos animais.
REFERÊNCIAS
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Protocolado em: 02 nov. 2009. Aceito em: 18 mar. 2011.