POTENCIALIDADES NUTRICIONAIS DE RESÍDUOS DE COURO WET BLUE PARA A ALIMENTAÇÃO DE RUMINANTES

 

Rodrigo Carvalho da Silva1, João Chrysostomo de Resende Júnior,2, Ronaldo Francisco de Lima3; Luiz Carlos Alves de Oliveira4, João Luiz Pratti. Daniel5, Mary Suzan Varaschin2, Raimundo Vicente de Souza2

 

1-Médico Veterinário, Mestre em Ciências Veterinária, Universidade Federal de Lavras.

2- Médico Veterinário, doutor, Professor do curso de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Lavras.

3- Medico Veterinário, mestrando em Ciências Veterinária, DMV  - Universidade Federal de Lavras (Ufla).

E – mail: ronaldofranciscolima@yahoo.com.br (autor correspondente)

4- Químico, doutor, professor do Departamento de Química, Universidade Federal de Lavras.

5- Medico veterinário, doutorando Ciências Animal e Pastagem, Esalq.

 

PALVRAS-CHAVE: Alimento de origem animal, degradabilidade, digestibilidade, meio ambiente.

 

ABSTRACT

 

NUTRITIONAL POTENTIALS OF WET BLUE LEATHER RESIDUES IN THE FEEDING OF RUMINANTS

The process of leather tanning produces enormous amount of residues contaminated with chromium, which constitute a serious environmental problem. Although technologies have been developed to remove chromium from these rejects, it is necessary to have an adequate destination for the resultant material with low chromium contents. Brazilian legislation still allow the feeding of ruminants with colagen derived from the leather and skin. Therefore, this study investigates an alternative strategy to minimize environmental  contamination by leather residues. The ones found in nature (WB) and those that had the chromium extracted (CE) were compared. Both materials presented 99,7% of DM, but CE CP levels (90,4%) were higher than WB (74,3%). In situ ruminal degradability was 63% for CE DM and 65% for CE CP, and WB did not suffer ruminal degradation. Abomasal digestibility of CE DM was 98%, which may indicate that CE is potentially useful in the feeding of non-ruminants. Animal feeding could be a viable alternative for the destination of leather residues generated by tanneries and treated by extraction method, aiming to minimize environmental contamination.

KEYWORDS: Alternative food, chromium, degradability, digestibility, environmental contamination

                   INTRODUÇÃO

A destinação adequada para os resíduos gerados pelos curtumes tem sido fator de preocupação entre as autoridades ambientais (COPAM, 2003; CONSEMA, 2004). Dentre todas as fases da cadeia produtiva do couro, a etapa de curtimento é a que gera maior quantidade de efluentes e resíduos sólidos. No Brasil, mais de 90% das peles curtidas, são feitas ao cromo (TEIXEIRA et al., 1999; PACHECO, 2005). O couro curtido ao cromo, conhecido como couro wet blue, é considerado resíduo classe I, de acordo com a norma NBR 10004. Isso significa que é perigoso ao meio ambiente e aos animais, incluindo o homem. Esses resíduos são constituídos por raspas e aparas, as quais estão contaminadas com cromo, o que o impede um descarte em aterros convencionais e outro tipo de utilização, como na alimentação animal. Foi desenvolvida uma tecnologia (OLIVEIRA, 2004) que recupera o cromo contido nas raspas e aparas, possibilitando a sua reutilização no próprio processo de curtimento e obtém como produto final, um material, composto predominantemente por colágeno, com baixos níveis de cromo. Entretanto, alternativas para aproveitamento desse resíduo devem ser pesquisadas, contribuindo para diminuição do descarte ambiental das indústrias curtidoras.

Devido à particularidade de seu sistema digestório, com câmaras de fermentação microbiana localizadas antes do sítio de digestão química e enzimática e também de absorção de nutrientes, os ruminantes são animais capazes de aproveitar alimentos muitas vezes pobres nutricionalmente para espécies não ruminantes (VAN SOEST, 1994). Em adição, a despeito da proibição do uso de alimentos de origem animal para alimentação de ruminantes no Brasil, o colágeno, derivado exclusivamente de couro e peles, constitui um dos únicos produtos de origem animal permitidos para a alimentação de ruminantes pela instrução normativa Nº 8, de 25 de março de 2004, do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento.

Pretendeu-se, com esse trabalho, apontar uma alternativa para a utilização dos resíduos de couro wet blue, após extração de cromo, por meio do seu uso na alimentação de ruminantes, caracterizando suas potencialidades nutricionais para essas espécies animais.

                   MATERIAL E MÉTODOS

Avaliação das características químicas do produto

Essas avaliações, em duplicata, foram efetuadas nas amostras compostas dos resíduos wet blue (material curtido ao cromo) e nos resíduos tratados pelo método desenvolvido por OLIVEIRA (2004), para minimização do teor de cromo. A determinação do teor de matéria seca (MS) foi realizada utilizando-se estufa ventilada a 60 ºC por 72 horas e posteriormente estufa a 100 ºC por 24 horas. O teor de proteína bruta (PB), a porcentagem de extrato etéreo (EE) e a porcentagem de cinzas foram determinados de acordo com  o método da AOAC (1970). A quantidade de carboidratos não fibrosos (CNF) foi estimada por diferença, de acordo com a equação CNF=1- (PB+EE+Cinzas), assumindo-se que a quantidade de carboidratos fibrosos fosse desprezível, por se tratar de alimento de origem animal. Para a determinação do perfil de minerais dos materiais foi utilizado espectrofotometria de absorção atômica.

Avaliação da degradabilidade ruminal efetiva

As análises de degradabilidade in situ foram realizadas segundo a metodologia descrita por PEREIRA (1997), nas amostras dos resíduos wet blue, in natura, e dos resíduos tratados, pelo método desenvolvido por OLIVEIRA (2004), para minimização do teor de cromo. Foi utilizada uma amostra composta de cada material, constituída por três subamostras. Os tempos de incubação das sacolas no rúmen do animal foram 0,12,24 e 96 horas. Em cada saquinho (failete “poliéster” 9 x 15 cm) foram colocados cinco gramas de amostra seca a 55º C, correspondendo a uma relação de 18,5 mg/cm2. Foram utilizadas quatro vacas com cânula no saco dorsal do rúmen. A degradabilidade efetiva (DEF) da matéria seca foi calculada utilizando o modelo matemático: DEF = A+B * kd/(kd+kp), sendo: A: fração A (instantaneamente degradável) assumida como sendo o desaparecimento da amostra nos sacos de poliéster no tempo 0; B: fração B (lentamente degradável) obtida pela equação B = 100 – (A+C); C: fração C (indigestível) obtida do resíduo dos sacos incubados por 96 horas; kd: taxa fracional de degradabilidade da fração B, determinada por regressão linear ao longo dos tempos 0,12 e 24 horas do logaritmo natural dos resíduos de cada saco após a subtração da fração C; kp: taxa fracional de passagem ruminal, assumida como 4% por hora.

Os dados foram analisados pelo pacote estatístico SAS (1999), utilizando o seguinte modelo: Yijk = µ + Ri + Vj + eij + Tk + R*Tik + eijk, em que: µ = média geral; Ri = o efeito do material incubado (i = resíduo in natura, resíduo tratado); Vj = o efeito do bloco (j = vacas 1, 2, 3 e 4); eij = erro experimental da parcela (ei ~ N (0,σ²)); Tk = o efeito do tempo de incubação (k = 0, 12, 24, 96 h); R*Tik = o efeito da interação; eijk = o erro experimental da subparcela (ei ~ N (0,σ²)).

Avaliação da digestibilidade abomasal “in vitro”

Foram reproduzidas, in vitro, as condições do abomaso, simulando-se o suco gástrico com uma solução de acido clorídrico (HCl) e pepsina. Incubou-se as amostras por 48 horas a 40ºC com 6ml de HCl a 20% e 10 ml de pepsina a 5%. A digestibilidade abomasal foi calculada pela diferença de peso entre o material incubado e o resíduo ao final da incubação (AOAC, 1970).

Os dados foram analisados pelo pacote estatístico SAS (1999), utilizando o seguinte modelo: Yij = µ + Ri + ei, em que: µ = média geral; Ri = o efeito do material incubado (i = resíduo in natura, resíduo tratado); ei = o erro experimental (ei ~ N (0,σ²)).

       RESULTADOS E DISCUSSÃO

            O teor de MS dos dois tipos de resíduo foi 99,7%. Como era de se esperar, o material in natura (WB) apresentou um teor elevado de matéria mineral (10,4% com base na matéria seca (MS)) em comparação ao resíduo de couro com cromo extraído (CE) (0,4% com base na MS), determinado prioritariamente pelo alto teor de cromo.

O processo de extração de cromo (OLIVEIRA et al., 2004) é eficiente uma vez que extrai 99,6% desse elemento do resíduo de couro. O menor porcentual de matéria mineral no resíduo que teve o cromo extraído refletiu em maior porcentual de proteína bruta, indicando ser esse alimento um concentrado protéico com potencial de utilização como tal. O tratamento para a retirada do cromo aumenta o teor de PB e ao mesmo tempo torna o material mais degradável no rúmen e mais digestível no abomaso (98%). A degradabilidade ruminal efetiva (Def) da MS dos materiais testados e da PB diferiu grandemente entre os materiais (0% WB vs 63% CE, P<0,001).

O material WB possui uma estabilidade conferida pelo processo de curtimento, a qual não permite qualquer ação de degradação no ambiente ruminal e esta estabilidade é perdida quando o material passa pelo processo de extração de cromo, como demonstrado por OLIVEIRA (2007). Essa perda de estabilidade é que supostamente aumenta a Def ruminal e a digestibilidade abomasal do CE. Possuindo um alto teor de proteína com alta Def e alta digestibilidade abomasal o material se mostra com potencial para nutrição de ruminantes tendo em vista a capacidade dos mesmos de aproveitar proteína dietética para a síntese de proteína microbiana no rúmen (ARGYLE & BALDWIN, 1989) e também de usarem a própria proteína dietética como fonte de aminoácidos quando esta chega ao abomaso e intestino delgado e possui potencial para sofrer digestão química e enzimática (SATTER, 1986; ROBINSON et al., 1995), como é o caso do subproduto CE. O Material CE possui alto teor de PB com 65% de degradabilidade ruminal e 35% de PND com alta digestibilidade. Quando se compara o material CE com outros subprodutos de origem animal como farinha de penas e farinha de sangue, por exemplo, notamos que todos possuem alto teor protéico (PB), no entanto esses outros subprodutos possuem maior porcentagem de PND, proteína esta com digestibilidade pós-ruminal inferior ao CE.

Mesmo assim, a despeito da sua alta digestibilidade abomasal, o CE provavelmente não seja efetivo na indução do perfil de aminoácidos desejável para vacas de alta lactação uma vez que a proteína é altamente degradável no rúmen, a não ser que sejam desenvolvidas tecnologias que o preserve da degradação ruminal. Nesse caso, a potencialidade de degradação abomasal que foi de 55% para WB e 98% para CE (p<0,001) tornar-se-ia importante. Esse potencial de digestibilidade, superior aos dos outros alimentos de origem animal disponíveis, indica inclusive a possibilidade do aproveitamento desse resíduo, com baixo teor de cromo, na alimentação de animais não ruminantes, como suínos e carnívoros.

Tendo em vista o potencial do material CE para nutrição, tanto de ruminantes quanto de não ruminantes, a utilização do mesmo para a alimentação animal se torna interessante uma vez que se apresenta como uma alternativa para minimização de custos de produção e, ao mesmo tempo, diminui a contaminação ambiental pelos resíduos provenientes das indústrias curtidoras.

       CONCLUSÕES

            A técnica de extração de cromo do material WB com conseqüente obtenção do material CE torna esse resíduo altamente degradável no rúmen e altamente digestível no abomaso, conferindo-lhe grande potencial nutricional.

O alto teor de PB do material CE indica que o mesmo possa ser utilizado como suplemento protéico na alimentação animal.

A alta digestibilidade abomasal do material CE, aponta um ótimo potencial de utilização deste material na alimentação de animais não ruminantes.

       REFERÊNCIAS

ARGYLE, J. L.; BALDWIN, R. L. Effects of amino acids and peptides on rumen microbial growth yields. Journal of Dairy Science, Champaign, v.72, p. 2017-2027, 1989.

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CONSELHO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE - COMSEMA Resolução nº 073. Rio Grande do Sul, 20 de agosto de 2004.

CONSELHO ESTADUAL DE POLÍTICA AMBIENTAL - COPAM. Deliberação normativa nº. 68. Minas Gerais, 10 de dezembro, 2003. Disponível em:<www.faemg.org.br/Content.aspx?Code=31&ParentPath=None;5> Acesso em: 10/02/2007.

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MINISTÉRIO DA AGRICULTURA PECUÁRIA E ABASTECIMENTO - MAPA, instrução normativa Nº 25, 06 de abril de 2004. Disponível em: http://oc4j.agricultura.gov.br/agrolegis/do/consultaLei?op=viewTextual&codigo=6817, Acessado em 14 de abril de 2005.

OLIVEIRA, L. C. A.; DALLAGO, R. M.; FILHO, I. N. Processo de reciclagem dos resíduos sólidos de curtumes por extração do cromo e recuperação do couro descontaminado. Br PI 001538, 2004.

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VAN SOEST, P. J. Nutritional ecology of the ruminant, 2.ed. Cornell University Press. 1994.