TRANSFERÊNCIA DE EMBRIÕES COMO FERRAMENTA PARA FORMAÇÃO DE REBANHO EXPERIMENTAL OVINO

 

Huber Rizzo1, Dominique François2, Thierry Fassier3, Edouard Guitton4, Gérard Baril5, Juliette Cognié5, Alice Fatet5, Florence Guignot5, Pascal Mermillod5, Jean Paul Petit5, Jean François Beckers6, Benoît Remy6, Gilles Foucras7 e Gilles Meyer7

 

1. Doutorando do Departamento de Clinica Médica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo - Brasil - email: hubervet@usp.br (autor correspondente)

2. Station d’Amélioration Génétique des Animaux, Institut National de la Recherche Agronomique, Toulouse - França

3. Domaine de La Sapinière, Institut National de la Recherche Agronomique, Bourges- França

4. Plate-forme d'Infectiologie Expérimentale, Institut National de la Recherche Agronomique, Nouzilly - França

5. Physiologie de la Reproduction et des Comportements, Institut National de la Recherche Agronomique, Nouzilly - França

6. Laboratoire de Physiologie de la Reproduction- Faculté de Médecine Vétérinaire-Université de Liège - Bélgica

7. Ecole Nationale Vétérinaire de Toulouse - França

 

PALAVRAS - CHAVE: Ovulações, reprodução, sobrevivência embrionária.

 

ABSTRACT

 

EMBRYO TRANSFER AS A TOOL FOR EXPERIMENTAL REPRODUCTION OF OVINE HERDS

This study constitutes an experimental reproduction of Black Belly sheep in order to investigate the Bluetongue disease or catarrhal fever. A total of 32 multiparous Black Belly ewes were superovulated with porcine FSH during the last three days of progestagen treatment, which lasted 14 days. Embryos were surgically collected six days after intrauterine insemination. A total of 264 transferable embryos were recovered (8,2 ± 6,0/donor), of which 232 were transferred to 111 synchronized females (88 multiparous Romane and 23 nulliparous Suffolk receptor ewes). Lambing and embryo survival rates were 83,6% and 63%, respectively. Both results were significantly higher in multiparous Romane than in nulliparous Suffolk receptors. The number of ovulations and embryos transferred per recipient, as well as their stage of development had a significant effect on embryo survival rate. The best lambing and embryo survival rates were obtained from recipients with more than two ovulations and that had received two embryos in the blastocyst stage.

 

KEYWORDS: Embryo survival, ovulation, reproduction, sheep.

INTRODUÇÃO

Na espécie ovina, a transferência de embriões é geralmente aplicada a fins de ordem genética, sanitária, comercial ou para conservar a biodiversidade. Este método de reprodução assistida pode ser aplicado para multiplicar rapidamente um rebanho ou um genótipo formado por poucos indivíduos.

Atualmente é desenvolvido na França, com a raça Black Belly, um programa de estudo com a infecção ao vírus da febre catarral maligna ovina sorotipo 8 (Bluetongue) denominado BTV-infect. Este estudo não será possível sem a formação de um rebanho de ovinos da raça Black Belly com grande diversidade genética e quantidade suficiente de indivíduos. A fim de multiplicar o número de indivíduos e a variabilidade genética necessária a realização do estudo, um programa de transferência de embriões, cujos resultados aqui são descritos, foi realizado a partir de fêmeas pertencentes a o único rebanho francês da raça Black Belly instalado no centro INRA da cidade de Bourges.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Animais

O programa de coleta e transferência de embriões foi realizado ao término da estação sexual ovina na França, final de janeiro de 2009. Foram utilizados como doadoras de embriões 32 ovelhas multíparas da raça Black Belly pesando de 40 a 45 quilos. O rebanho de receptoras foi formado por 115 ovelhas: 91 multíparas da raça Romane e 24 nulíparas da raça Suffolk. Todas as fêmeas haviam parido entre um ano e três meses antes da coleta e transferência de embriões.

Tratamento de fêmeas doadoras e receptoras de embriões

Doadoras

A sincronização do estro foi obtida com implantes vaginais de esponjas impregnadas com 20 mg de acetato de fluorogestona (Chronogest®, Intervet, Angers, França) durante 14 dias. A estimulação ovariana foi realizada como descrito por COGNIÉ et al., (1986) utilizando 20 mg de FSH suína (Universidade de Liège - Bélgica) divididas em 6 aplicações decrescente (5-5-3-3-2-2 mg) em intervalos de 12 horas nos últimos três dias do tratamento progestágeno. Foram adicionadas as duas ultimas aplicações de FSH suína, 67 e 90 µg de LH suína (Universidade de Liège - Bélgica) respectivamente.

A inseminação intra-uterina foi realizada por laparoscopia 54 a 56 horas após a retirada da esponja vaginal, com sêmen congelado (200x106 espermatozóides/doadora) proveniente de sete reprodutores da raça Black Belly que inseminaram de três a cinco fêmeas cada um.

            As fêmeas doadoras de embriões não receberam tratamento luteolítico após a coleta, com o objetivo de maximizar o número de nascimentos.

Receptoras

Foi utilizado o mesmo tratamento progestágeno que o realizado nas doadoras e a estimulação ovariana foi realizada através de uma aplicação de eCG (Chronogest®, Intervet, Angers, França) no momento da retirada da esponja. A dose aplicada foi de e 350 UI para as fêmeas Romane e 500 UI para as Suffolk.

Coleta e transferência de embriões

A coleta de embriões foi realizada por laparotomia segundo BARIL et al. (1993), seis dias após inseminação intra-uterina. Após a coleta os embriões foram selecionados morfologicamente e mantidos em meio de conservação embrionária (Embryo Holding Medium®, IMV Technologies, L’Aigle - França) até o momento da transferência ou da criopreservação por vitrificação em palhetas segundo GUIGNOT et al. (2006).

A transferência de embriões foi realizada por laparoscopia no máximo 30 minutos após a coleta. Foram transferidos 2 (n=97) e em alguns casos 1 (n=2) ou 3 (n=12), embriões por receptora ao estado de mórula jovem a blastocisto expandido no corno uterino ipslateral ao ovário que apresentou ao menos 1 corpo lúteo funcional.

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Todas as doadoras apresentaram resposta ao tratamento superovulatório, com uma variabilidade de 4 a 21 ovulações e média de 13,9 ± 4,9. A taxa de ovos coletados e clivados foi respectivamente de 75,1% (335/446) e 80,9% (271/335). A taxa de ovos clivados em função do reprodutor utilizado no momento da inseminação intra-uterina variou significativamente de 58,7 % a 100% (p<0,001).

Obteve-se média de embriões transferíveis de 8,2 ± 6,0 (264) por doadora, 232 foram transferidos imediatamente após a coleta, sendo que 46 em 23 receptoras Suffolk e 186 em 88 receptoras Romana, 24 foram vitrificados e 8 não foram utilizados.

Dentre as 115 fêmeas receptoras, em 4 não foi possível realizar a transferência (2 não ovularam e 2 apresentaram aderência de cornos uterinos no momento da laparoscopia).

O número de ovulações de receptoras multíparas Romane (2,25 ± 0,69) foi significativamente mais elevado que o observado nas receptoras nulíparas Suffolk (1,26 ± 0,45), p<0,001. O resultado da transferência embrionária não é conhecido para uma receptora da raça Romane que veio a óbito durante a gestação.

Dentre as 110 receptoras, 92 pariram, produzindo 145 cordeiros (80 fêmeas e 65 machos), ou seja, uma taxa de parição1 de 83,6% e taxa de sobrevivência embrionária2 de 63%. A taxa de parição foi significativamente superior nas receptoras multíparas Romane (88,5%) que nas nulíparas Suffolk (65,2%), p = 0,007. Uma tendência similar foi observada na taxa de sobrevivência embrionária com valores de 65,8% e 52,2% para Romane e Suffolk (p = 0,088).

A média de cordeiros produzidos foi de 4,67 ± 3,7 cordeiros/doadora Black Belly, sendo que 145 nasceram de receptoras e 4 de doadoras de embriões. Os 149 cordeiros foram obtidos de 28/32 doadoras superovuladas e dos 7 carneiros utilizados na inseminação.

O peso ao nascer dos cordeiros nascidos de multíparas Romane foi significativamente superior ao dos cordeiros nascidos de nulíparas Suffolk, 3,5±0,5 kg e 2,3±0,6 kg respectivamente (p<0,001).

Análise dos resultados do presente experimento mostrou que as taxas de parição e sobrevivência embrionária foram significativamente (p<0,05) mais elevadas nas receptoras que apresentaram mais de 2 ovulações (n=26; taxa de parição 100% e sobrevivência embrionária 76,4%) que nas fêmeas que apresentaram 2 ovulações (n=59; taxa de parição 84,7% e sobrevivência embrionária 61,3%) e nas fêmeas com 1 ovulação (n=25; taxa de parição 64% e sobrevivência embrionária 52,9%). Este efeito foi observado tanto nas receptoras multíparas Romane que nas receptoras nulíparas Suffolk.

As fêmeas que receberam 2 embriões (n=96) apresentaram taxa de sobrevivência embrionária significativamente superior que as fêmeas que receberam 3 embriões (n=12) respectivamente 66,1% e 47,2% (p<0,05).

Considerando o estado de desenvolvimento dos embriões transferidos, observamos que as fêmeas que receberam unicamente blastocisto (n=35) apresentaram sobrevivência embrionária significativamente mais elevada que as fêmeas que receberam unicamente mórula ou mórula jovem e mórula (n=36), 76,8% contra 52,1% (p<0,01).

Os melhores resultados foram obtidos em receptoras que apresentaram ao menos duas ovulações e que receberam somente 2 embriões no estado de blastocisto (n=21), a taxa de parição foi de 100% e a taxa de sobrevivência embrionária foi de 83,3%.

 

1.     Taxa de parição = receptoras que pariram/ receptoras transferidas × 100

2.     Taxa de sobrevivência embrionária = cordeiros nascidos/ embriões transferidos × 100

 

Os resultados obtidos nesse experimento são semelhantes aos já descritos por outros autores em ovinos (ARMSTRONG & EVANS, 1983; BREBION et al., 1992; BARI et al., 2003).

Os efeitos do número e do estado de desenvolvimento dos embriões transferidos, observados são coerentes com resultados reportados anteriormente em outros trabalhos (Mc MILLAN & HALL, 1994; BARI et al., 2003). O efeito no número de ovulações apresentado pela receptora é reportado no caso de transferência de 2 embriões por fêmea (SZELL & HUDSON, 1991; ALABART et al., 1995). No entanto, no caso de transferência de apenas 1 embrião é relatado que a taxa de sobrevivência embrionária é elevada e não há variação da mesma em relação ao numero de ovulações apresentado pela receptora (SZELL & HUDSON, 1991; BARI et al., 2003).

Considerando essas observações, é provável que entre as receptoras nulíparas desse estudo, onde a maioria apresentou uma única ovulação (17/23), a taxa de sobrevivência embrionária teria sido maior se apenas um embrião fosse transferido por fêmea. Foi relatado que a taxa de sobrevivência embrionária obtida em receptoras nulíparas é mais elevada do que entre receptoras multíparas quando apenas um embrião é transferido por receptora (BARI et al., 2003).

Além disso, o baixo peso ao nascer dos cordeiros paridos pelas receptoras nulíparas é outro argumento a favor da transferência de um único embrião em nulíparas. Pois 28% dos cordeiros nascidos de partos gemelares e paridos por fêmeas nulíparas apresentaram baixo peso ao nascer (£2,0 kg) contra apenas 1% nos cordeiros nascidos de partos gemelares e paridos por receptoras multíparas (p <0,01).

No caso de receptoras nulíparas e transferência de um único embrião por fêmea, seria necessário preparar um maior número de receptoras que no caso da utilização de multíparas e de transferência de 2 embriões. Além disso, ao considerar os excelente resultados obtidos nas fêmeas que apresentaram ao menos 2 ovulações (taxa de parição 89% e sobrevivência embrionária 66%, n=85) a utilização de receptoras de raça prolífica como a raça Romane (INRA 401) (RICORDEAU et al., 1992) é recomendada.

 

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos nesse experimento foram satisfatórios e sua analise mostra que é importante considerar todos os fatores de variação que podem afetar o resultado final para com isso maximizar a eficiência da transferência de embriões, que é uma ferramenta eficaz para a rápida multiplicação de genótipos de planteis reduzidos.

 

AGRADECIMENTOS

Este estudo foi realizado com o apoio da região Centro da França para o financiamento do programa BTV-infect.

Os autores agradecem os técnicos da PFIE-INRA-Nouzilly-França e do Domaine La Sapinière INRA-Bourges-França pelos preparativos e cuidados com os animais desse estudo.

 

REFERÊNCIAS

ALABART, J. L.; FOLCH, J.; FERNANDEZ-ARIAS A.; RAMON, J. P.; GARBAYO, A.; ARMSTRONG, D. T.; EVANS, G. Factors influencing success of embryo transfer in sheep and goats. Theriogenology, Stoneham, v. 39, p. 31-42, 1983.

BARI, F.; KHALID, M.; HARESIGN, W.; MURRAY, A.; MERRELL, B. Factors affecting the survival of sheep embryos after transfer within a MOET program. Theriogenology, Stoneham, v. 59, p. 1265-1275, 2003.

BARIL, G.; BREBION, P.; CHESNE, P. Manuel de formation pratique pour la transplantation embryonnaire chez la brebis et la chèvre . In: Etude FAO: Production et Santé Animales (FAO), n. 115 / Rome (Italy), FAO, 1993, 196 p.

BREBION, P.; BARIL, G.; COGNIE, Y.; VALLET, J. C. Transfert d’embryons chez les ovins et les caprins. Annales de Zootechnie, Versailles, v. 41, p. 331-339, 1992.

COGNIE, Y.; CHUPIN, D.; SAUMANDE, J.; The effect of modifying the FSH/LH ratio during the superovulatory treatment in ewes. Theriogenology, Stoneham, v. 25, p. 148, 1986 (abstract).

GUIGNOT, F.; BOUTTIER, A.; BARIL, G.; SALVETTI, P.;  PIGNON, P.;  BECKERS, J. F.; TOUZE, J. L.; COGNIE, J.; TRALDI, A. S.; COGNIE, Y.; MERMILLOD, P. Improved vitrification method allowing direct transfer of goat embryos. Theriogenology, Stoneham, v. 66, p. 1004-1011, 2006.

McMILLAN, W. H.; HALL, D. R. H. Laparoscopic transfer of ovine and cervine embryos using the transpic technique. Theriogenology, Stoneham, v. 42, p. 137-146, 1994.

RICORDEAU, G.; TCHAMITCHIAN, L.; BRUNEL, J.C.; NGUYEN, T. C.; FRANÇOIS, D. La race ovine INRA 401- Un exemple de souche synthétique. INRA Productions Animales, hors série ̎Eléments de génétique quantitative et application aux populations̎, p. 255-262, 1992.

SZELL, A.; HUDSON, R. H. H. Factors affecting the survival of bisected sheep embryos in vivo. Theriogenology, Stoneham, v. 36, p. 379-387, 1991.