INFLUÊNCIA DA INFECÇÃO INTRAMAMÁRIA SOBRE AS CARACTERÍSTICAS FÍSICO-QUÍMICAS DO LEITE DE OVELHAS DA RAÇA SANTA INÊS.

 

Mayra Zilta P. R. B. de Almeida1, Luiz Gustavo Lopes de Oliveira1, José Augusto Bastos Afonso2, Norma dos Santos Lázaro3, Carla Lopes de Mendonça2

 

1.Aluno de Pós Graduação do Programa de Pós Graduação em Ciência Veterinária / UFRPE

2.Médico Veterinário, Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns/UFRPE, Garanhuns, C.P.152, Cep. 55290-000, Garanhuns, PE.  E-mail: cbg@prppg.ufrpe.br (autor correspondente)

3.Médica Veterinária, Pesquisadora Visitante, Depto de Bacteriologia, IOC/Fiocruz, RJ.

 

PALAVRAS-CHAVE: Agentes etiológicos, componentes do leite, mastite subclínica.

 

ABSTRACT

 

INFLUENCE OF INTRAMAMMARY INFECTIONS ON THE PHYSICAL-CHEMICAL CHARACTERISTICS OF MILK FROM SANTA INÊS EWES

This study assesses subclinical mastitis in Santa Inês ewes and its influence on the physical-chemical characteristics of milk. Investigation of 31 flocks was carried out, totalizing 135 primiparous and multiparous ewes in different lactation stages. A total of 244 mammary glands were examined before the collection of milk samples for bacteriological analysis and determination of physical-chemical milk compounds, such as acidity, density, fat, pH and chloride concentration. The microorganisms isolated were: Staphylococcus spp., mainly coagulase negative Staphylococcus, S. aureus, and S. hyicus (80,18%); Gram-negative bacteria (9,43%); Streptococcus spp. (7,55%); and Bacillus spp. (2,83%). Research findings revealed significant alterations (p<0,05) as regards values of acidity, pH, density, and chloride concentration due to subclinical mastitis.

 

KEYWORDS: Bacterial agents, milk composition, subclinical mastitis.

 

INTRODUÇÃO

A mastite representa um entrave na criação de ovinos, devido às perdas econômicas que vem acarretando e por limitar a produção de borregos, devido ao comprometimento funcional da glândula mamária, causando sérios prejuízos econômicos  aos produtores. (COSTA et al., 2001). Na mastite subclínica não se detecta alterações na secreção láctea e no úbere, embora possa ser observado a redução na produção de leite, alterações na composição físico-química, aumento do número de células somáticas e isolamento de microrganismos patogênicos, comprometendo a qualidade nutricional deste para a alimentação dos borregos (SANTOS et al., 2007). Esta apresentação tem maior conotação pela associação significativa entre o aparecimento de mastite clínica a partir de antecedentes de mastite subclínica, causada pelo mesmo agente etiológico (MENZIENS, 2000).

Diante das evidências descritas na literatura sobre a importância econômica da enfermidade e considerando ser a forma subclínica da doença um problema potencial aos rebanhos não somente leiteiros, mas de carne, este estudo objetivou avaliar a influência dos agentes etiológicos da mastite subclínica sobre as características físico-químicas do leite.

 

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado em 31 rebanhos da raça Santa Inês localizados em 15 municípios na região do Agreste Meridional do Estado de Pernambuco. Foram utilizadas 135 ovelhas primíparas e multíparas em diferentes estágios de lactação. Nenhuma das ovelhas se encontrava no período de secagem nem recém paridas, não sendo colhido material nos quinze dias após o parto, ou nos estágios inicial e final de lactação. Nos rebanhos não se adotava o manejo de ordenha das ovelhas, por se tratar de uma raça de aptidão para corte. Os borregos foram separados de suas mães 12 horas antes do exame da glândula mamária para posterior colheita do leite. O exame clínico da glândula mamária foi efetuado seguindo as recomendações de GRÜNERT (1993) e DIFFAY et al. (2005).

Após desprezar os primeiros jatos de cada metade mamária, aproximadamente 50ml de leite foi colhido para a análise físico-química do leite. Logo em seguida, após prévia higienização do úbere e criteriosa antissepsia do óstio do teto aproximadamente 5mL de leite foram acondicionadas em tubos esterilizados para análise bacteriológica.

A análise fisico-química do leite foi realizada seguindo as recomendações do Laboratório Nacional de Referência Animal (LANARA, 1981). O teor de cloretos foi determinado quantitativamente pelo método colorimétrico (Cloreto, LABTEST) e a leitura efetuada em analisador bioquímico semi automático (LABQUEST).

O cultivo bacteriológico foi realizado de acordo com o método recomendado pelo National Mastitis Council (1990). As amostras foram semeadas em ágar sangue de carneiro a 5% e agar MacConkey e incubadas a 370C, realizando-se leituras às 24, 48, 72 e 96h. Observou-se as características culturais e morfo-tintoriais, por meio do método de coloração de Gram, com posterior caracterização bioquímica das amostras (QUINN et al., 2004).

As características físico-químicas foram analisadas por meio da estatística descritiva e de inferência onde as variáveis acidez, cloreto, densidade, gordura e pH foram agrupadas baseadas no resultado do isolamento bacteriológico. Os dados das variáveis: acidez, cloreto, densidade, gordura e pH analisados nas amostras de glândulas mamárias sadias, infectadas e infectadas pelos diferentes agentes apresentaram distribuição normal, empregando-se o teste t de Student ao nível de significância de 5 % (VIEIRA, 1980). Com o emprego dos softwares SPSS 8.0.0 for Windows e Statistica 6.0 foram calculadas as estatísticas descritivas e os testes de hipótese sobre os dados das variáveis analisadas.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

De uma população constituída de 135 ovelhas, 270 glândulas foram submetidas ao exame clínico, sendo selecionadas 244 para este estudo, uma vez que 26 metades mamárias foram diagnosticadas com mastite clínica. Das 244 amostras de leite analisadas, 100 (40,98%) apresentaram crescimento bacteriano. O gênero com maior freqüência de isolamento foi Staphylococcus (Staphyloccoccus coagulase negativo (SCN), S.aureus e S. hyicus) com um percentual de 80,18% de isolamento nas amostras analisadas, seguido pelo grupo das bactérias Gram negativas fermentadoras (Citrobacter freündii, Enterobacter agglomerans, Enterobacter cloacae, Escherichia coli) e não fermentadoras (Burkolderia cepacia, Pseudomonas putida, Pseudomonas stutizeri, Stenotrophomonas maltophilia), que revelaram um percentual de isolamento de 9,43%, Streptococcus spp. (7,55%) e Bacillus spp. (2,83%). Dentre os Staphylococcus spp., os SCN foram os microrganismos mais frequentemente isolados. Estes microrganismos são considerados não patogênicos ou de baixa patogenicidade para glândula mamária de ruminantes, entretanto alguns SCN podem causar mastite clínica como um patógeno maior, já tendo sido  observada evidente variação na patogenicidade dos diferentes isolados (FTHENAKIS & JONES, 1990).

            O valor médio da acidez Dornic das ovelhas sadias foi de 20,610D, estando situado na faixa de normalidade para a espécie (ASSENAT, 1991). Comparando este resultado aos das glândulas infectadas, observou-se diminuição significativa (P<0,05) desta variável nas amostras com crescimento bacteriano, independente do agente etiológico. Os valores médios, da acidez, dos animais sadios quando comparados aos infectados por SCN, SCP, Streptococcus spp. e bactérias Gram negativas, revelaram diminuição significativa, com exceção do Streptococcus spp. (P>0,05), que não desencadeou alteração neste componente. Os menores valores foram evidenciados nas amostras de leite infectadas com SCP (15,500D). Resultados semelhantes foram observados por VIANNI (1997) trabalhando com leite de búfalas, ao observar diminuição mais intensa nos valores desta variável em búfalas infectadas com S. aureus, quando comparadas às infectadas com cocos catalase negativo.

O teor de cloretos das glândulas sadias (72,47mEq/L) foram similares aos relatados por NUNES et al. (2007), trabalhando com ovelhas Santa Inês. Ao compararmos a glândula sadia frente às infectadas pelos diferentes agentes etiológicos observamos que os valores médios mais elevados do teor de cloretos no leite (p< 0,05) foram evidenciados nas amostras em que se isolou SCP e bactérias Gram-negativas. As infecções das metades mamárias ocasionadas por Streptococcus spp. não alteraram estatisticamente o constituinte cloreto nesta investigação. O aumento da passagem de íons cloretos (CL-) para o leite de glândulas infectadas ocorre como mecanismo de compensação no restabelecimento do equilíbrio osmótico do leite em relação ao sangue, uma vez que a lactose que desempenha papel importante neste equilíbrio geralmente encontra-se diminuída nos processos infecciosos da glândula mamária (FONSECA & SANTOS, 2001).

O valor médio verificado para a densidade do leite foi de 1.037,32. Ao compararmos os resultados das glândulas sadias aos das infectadas verificamos diferença significativa, muito embora esta tenha ocorrido somente em decorrência da infecção por bactérias Gram-negativas, tendo em vista que apesar de ter ocorrido diminuição nos valores da densidade nas infecções acarretadas pelos os outros agentes isolados, estas não foram significativas. Para SCHALM et al. (1971), na infecção intra mamária a quantidade dos principais componentes do leite decaem comprometendo desta forma a densidade.

O percentual de gordura do leite de ovelhas sadias foi de 3,40%, estando abaixo dos relatados por BRITO (2004). Ao observarmos os valores do percentual de gordura do leite das glândulas sadias e infectadas, verificamos não haver diferença significativa (P>0,05), resultado também evidenciado nas infecções ocasionadas pelas distintas bactérias isoladas neste estudo, com exceção das Gram-negativas. KITCHEN (1981) relata que a maior parte das mudanças, que ocorrem no teor da gordura no leite, como resultado da mastite, são relativamente mínima e em muitos casos não acontece até que a infecção se torne severa.

Os valores encontrados para o pH do leite de glândulas sadias foi de 6,72, semelhantes aos relatados por SANTOS et al. (2007). Ocorreu diferença significativa (P<0,05) nos valores médios do pH entre as glândulas sadias e infectadas (6,82). A elevação nos valores do pH (P<0,05) observado neste estudo foi significativa na infecção causada pelos diferentes microrganismos isolados, exceto pelo Streptococcus spp., único agente em que não foi detectada diferença estatística (P>0,05). A elevação do pH no leite ocorre devido à alteração na permeabilidade capilar, provocada pela intensa reação inflamatória, como conseqüência há passagem de certos íons como o cloreto de sódio e o bicarbonato de sódio (SCHALM, 1977). A elevação, apesar de não significativa, dos valores de pH das glândulas infectadas com Streptococcus spp., também foi relatada por VIANNI (1997), que verificou menor intensidade de variação do pH em amostras de búfalas infectadas com cocos catalase negativos, quando comparadas à infeção pelo S. aureus. Neste estudo observou-se que a infecção intra-mamária por bactérias Gram negativas acarretou alterações (p< 0,05) em todos os constituintes físico-químicos, sendo verificados os maiores valores médios de cloreto, gordura e pH, assim como os menores valores médios de densidade.

 

CONCLUSÃO

Os agentes bacterianos isolados dos casos de mastite subclínica diagnosticada nos rebanhos, acarretou alterações nos valores da acidez Dornic, densidade, teor de cloretos e pH do leite representando um sério problema ordem econômica nesta espécie animal.

 

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE) pelo auxílio financeiro.

 

REFERÊNCIAS

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