INFLUÊNCIA DA FASE DE LACTAÇÃO NAS PROTEÍNAS DO SORO
LÁCTEO DE VACAS JERSEY
Raquel Fraga e Silva Raimondo, Samantha Ive Miyiashiro,
Eduardo Harry Birgel Junior
Centro
de Pesquisa e Diagnóstico de Enfermidades de Ruminantes (CPDER) - Departamento
de Clínica Médica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da
Universidade de São Paulo. Av. Profº Dr. Orlando Marques de Paiva 87 Cidade
Universitária Armando Salles de Oliveira 05508-900 São Paulo – SP.
E-mail:
ehbirgel@usp.br
(autor correspondente)
PALAVRAS-CHAVE: Bovinos, eletroforese, lactação, soro
lácteo.
ABSTRACT
Influence of lactation
phase ON whey proteins OF JERSEY cows
to
assess the influence of lactation phase on whey proteins, we collected 48 milk
samples from 12 Jersey cows before milking. They were divided into three
groups: early lactation (70 to 120 days); middle of lactation (121 to 202
days); and end of lactation (214 to 358 days). The whey was obtained by milk
coagulation with renin. Furthermore, serum proteinogram was determined by
biuret method and protein digest was fractionated by polyacrymalide gel
electrophoresis (SDS-PAGE). There was a gradual and significant decrease in
whey components during the lactation period, such as serum albumin, lactoferrin,
immunoglobulins, beta-lactoglobulin, and alpha-lactalbumin. We recommend the
following mean values for whey proteins of Jersey cows: Total whey protein =
640 mg/dL; Lactoferrin= 40 mg/dL; Albumin = 30 mg/dL; Immunoglobulin heavy
chain = 40 mg/dL; Immunoglobulin light chain = 80 mg/dL; Beta-lactoglobulin =
230 mg/dL; Alpha-lactalbumin = 140 mg/dL.
KEYWORDS: Bovine,
electrophoresis, lactation, whey protein.
INTRODUÇÃO
As proteínas do leite são, na
sua grande maioria, sintetizadas na glândula mamária, durante a galactopoiese,
por células secretoras alveolares, ou, em menor quantidade, são de origem
plasmática (SCHALM et al., 1971). Dentre as frações protéicas sintetizadas nos
tecidos mamários, a caseína, do leite representa 80 % de toda a proteína (FONSECA
& SANTOS, 2000). Neste grupo de proteínas sintetizadas na mama, também,
devem ser destacadas algumas proteínas presentes no soro lácteo como as frações
α-lactoalbumina e ß-lactoglobulina.
SCHALM et al. (1971)
haviam relatado que a mamite determinava uma diminuição dos teores de caseína,
porém que os teores lácteos de proteína total não sofriam influência
significativa, devido ao aumento das proteínas do soro em decorrência as
alterações de permeabilidade. Apesar disso, até recentemente, a constituição
protéica do leite não era considerada como uma importante característica no
diagnóstico das doenças da glândula mamária, porém os resultados obtidos por SANT’ANA
(2004) evidenciaram a importância da determinação do teor de proteína total do
leite e seu fracionamento como parâmetro para o diagnóstico das mamites.
O aumento dos
teores de proteína total com diminuição dos teores de caseína e aumento dos
teores de proteínas de origem plasmática no soro lácteo representa sintoma
evidente de alteração da glândula mamária (SCHALM et al., 1971). Nesses casos
patológicos, comprovou-se, aumento dos teores de proteínas de origem plasmática
(albumina e imunoglobulinas) no soro lácteo em decorrência das alterações na
permeabilidade dos vasos devido ao processo inflamatório (SCHALM et al., 1971; SANT’ANA, 2004).
Dentre os
fatores responsáveis pelas alterações na composição protéica do leite merecem
destaque não somente aqueles decorrentes das mamites, mas também, a influência
de diversos fatores, como os relacionados à fase da lactação.
MATERIAL E MÉTODOS
A
fim de se estabelecer os valores de referencia, e a influencia da fase de
lactação nas proteínas do soro de leite de vacas da raça Jersey foram
utilizadas 48 amostras de soro lácteo obtidas de mamas de animais criados em
sistema semi-extensivo com alimentação baseada em volumoso, suplementada com
silagem e concentrado comercial onde adotava-se o sistema de ordenha mecânica.
As amostras foram colhidas na sala de ordenha, antes da ordenha, a seleção dos
animais foi baseada no exame clínico e no histórico, sendo descartados aqueles
que apresentaram episódios recorrentes de mamite, alterações das
características macroscópicas do leite, ou alterações na palpação da mama, que
pudessem estar relacionadas à existência de um processo inflamatório agudo ou
crônico (BIRGEL, 2004).
Após os
procedimentos de preparo dos animais para a ordenha, seguia-se a colheita, de
cerca de 3 ml de leite em tubo de plástico estéreis para o exame
microbiológico, precedido por assepsia da extremidade do teto, utilizando-se
compressas de gaze embebidas em álcool 70%, e em seguida foram colhidos 50 ml
em frascos de plástico para a avaliação do proteinograma. As amostras foram
acondicionadas em caixas de isopor refrigeradas com gelo reciclável durante o transporte,
até o momento de serem analisadas.
Primeiramente as amostras colhidas de maneira estéril foram submetidas ao exame microbiológico, semeadas em meio de ágar-sangue de carneiro e incubadas a 37°C, sendo realizadas leituras com 24, 48 e 72 horas de incubação. Todas as 48 amostras utilizadas tiveram resultado negativo no exame microbiológico, sendo divididas em três grupos de acordo com a fase de lactação que se encontravam: 16 amostras no terço inicial da lactação (entre 70 e 120 dias de lactação); 16 amostras no terço médio de lactação (entre 121 e 202 dias de lactação) e 16 amostras no terço final de lactação (entre 214 e 358 dias de lactação).
O soro lácteo foi obtido através da coagulação do leite pela adição de 5 % de solução de renina utilizando técnica sugerida por SANT´ANA & BIRGEL (2003), sendo as amostras turvas de soro lácteo submetidas a processo de centrifugação durante 20 minutos a 13.000 rpm. Após o estabelecimento de curva-padrão, os teores de proteína total do soro lácteo foi determinado pela técnica do biureto, utilizando-se 3 ml do reativo de biureto e 50ul de amostra de soro lácteo. A absorbância da amostra foi determinada em espectrofotômetro com comprimento de ondas igual a 555 nm, sendo utilizada a seguinte fórmula para cálculo dos teores de proteína: Proteína no soro lácteo = (Absorbância - 0,005) / 0,050.
Para o
fracionamento das proteínas foi realizada a eletroforese em gel de
poliacrilamida (12 %) contendo dodecil sulfato de sódio (SDS-PAGE), conforme as
recomendações de FAGLIARI & SILVA (2002). Ao final do procedimento as
frações protéicas foram separadas e quantificadas em: proteínas com peso
molecular acima de 81 KDaltons, lactoferrina (81 KDaltons), albumina de origem
plasmática (68 KDaltons), imunoglobulinas de cadeia leve (26 KDaltons),
imunoglobulinas de cadeia pesada (56 KDaltons), β-lactoglobulina (16 KDaltons) e α-lactoglobulina (13 KDaltons).
RESULTADOS
E DISCUSSÃO
Os
teores de proteína do soro de leite de vacas da raça Jersey considerando as 48
amostras foi em média 640 ± 250 mg/dl valores próximos aos
encontrados por LARSON & KENDALL
(1953) que estudaram o fracionamento do soro lácteo de vacas holandesas através
da técnica de eletroforese em papel e obtiveram teores de proteínas do soro de
leite que variavam de 700 a 1.100 mg/dl. Entretanto, os presentes resultados
discordaram, por serem maiores dos apresentados por SCHALM et al. (1971),
equivalentes a 540 mg/dl, todavia eles utilizaram técnica semi-quantitativa, de
menor sensibilidade. Os resultados da presente pesquisa foram menores do
que os encontrados por SANT´ANA (2004) que utilizou a técnica do biureto
realizado em analisador bioquímico automático LIASYS, e encontrou para vacas
Jersey teores médios de proteína do soro lácteo iguais a 1.010,31 ± 111,34 mg/dl.
Os
teores de proteínas do soro lácteo encontrados na
presente pesquisa foram
influenciados pela fase de lactação. No terço
inicial da lactação os valores
médios foram iguais a 800 ± 140 mg/dl e no terço
médio iguais a 730 ± 210 mg/dl
valores estes significativamente maiores do que os observados no
terço final da
lactação 380 ± 150 mg/dl. AULDIST et al. (1995)
avaliaram dois rebanhos
leiteiros na Austrália e encontraram resultados controversos, em
um dos
rebanhos afirmaram que o teor da proteína do soro lácteo
não apresentou
variações, que pudessem ser atribuídas à
influência do estágio de lactação, no
segundo rebanho, as concentrações de caseína e de
proteína total no leite foram
maiores no início e no terço final da
lactação. SANT´ANA (2004) também avaliou
a influencia da fase de lactação na proteína do
soro lácteo, porém a
constituição dos grupos experimentais da referida autora
levou em consideração
amostras colhidas durante a fase colostral e verificou que os valores
nesta
fase foram maiores do que os encontrados no terço inicial,
médio e final da
lactação.
O fracionamento das proteínas do soro de leite das 48 amostras permitiu que as seguintes frações protéicas fossem caracterizadas: proteínas com peso molecular acima de 80 KDaltons (10,0 ± 15,0 mg/dl), Lactoferrina (40,0 ± 22,0 mg/dl), Albumina sérica (30,0 ±19 mg/dl), Imunoglobulinas cadeia pesada (40,0 ± 24,0 mg/dl) imunoglobulinas cadeia leve (80,0 ± 64 mg/dl) (imunoglobulinas dividas em duas cadeias, pesada e leve decorrentes do uso do 2-mercaptoetanol utilizado no tampão de preparação das amostras para a eletroforese), Beta-lactoglobulina ( 230,0 ±87 mg/dl) e Alfa-lactoalbumina (140,0 ± 70,0 mg/dl).
Os teores médios de
Lactoferrina encontrados na presente pesquisa (40,0 ± 22,0 mg/dl) discordaram, por serem maiores, dos
apresentados por SCHANBACHER & LARRY SMITH (1974) - 35 mg/dl e por WELTY et
al. (1975) - 20 mg/dl(63,95 ± 28,30 mg/dl) e se aproximam dos valores
médios obtidos por SANT´ANA (2004) que obtiveram valores médios iguais a 63,95 ± 28,30 mg/dl. A
lactoferrina é influenciada pela fase de lactação, pois seus valores diminuem
significativamente no terço final da lactação chegando a 20,0 ±10,0 mg/dl,
informações estas que discordam de SANT´ANA (2004) que não observou influencia
do estágio de lactação nos teores de lactoferrina.
Os teores médios de albumina séria (30,0
± 19 mg/dl) encontrados na presente pesquisa são semelhante aos encontrados por
SCHALM et al. (1971) que utilizou
técnica semi-quantitativa pouco específica, obteve o valor de 40 mg/dl, e
discordam de SANT´ANA (2004) que obteve valor médio de albumina sérica igual a 70,70
± 21,06 mg/dl.
Com o evoluir da lactação os teores de albumina sérica diminuíram no terço
final da lactação observações estas que não foram mencionadas por SANT´ANA (2004).
Os teores de imunoglobulinas encontrados no presente estudo como citado
anteriormente, são dividas em duas cadeias em decorrência da técnica utilizada,
cadeia pesada (40,0 ± 24,0 mg/dl) imunoglobulinas cadeia leve (80,0 ± 64
mg/dl) portanto, houve dificuldade para
compará-los aos relacionados na literatura, pois a maioria dos pesquisadores
utilizou técnicas imunológicas e apesar de SANT´ANA (2004) ter utilizado a
técnica de eletroforese em gel de poliacrilamida a autora obteve apenas uma
fração única de imunoglobulinas. Os teores de imunoglobulinas diminuem com o evoluir
da lactação, concordando com SCHALM et. al., (1971) e SANT´ANA (2004).
Os
teores médios de Beta-lactoglobulina, 230,0 ±87 mg/dl, foram menores dos que o
encontrados por SANT´ANA (2004) 538,89 ± 72,88 em vacas da raça Jersey. E diminuem com o evoluir da
lactação (início 280,0 ± 60mg/dl; meio 260,0 ±60 mg/dl e final 150,0 ± 70,0
mg/dl), SANT´ANA (2004) observou que os teores desta
referida proteína foi maior na fase colostral e final da lactação (respectivamente: 726,10 ± 291,20 mg/dl e; 668,24 ± 92,60
mg/dl).
As
médias encontradas no presente estudo para alfa-lactoalbumina foram iguais a 140,0
± 70,0 mg/dl valores estes que concordam com os encontrados por SANT´ANA (2004)
142,85 ± 28,57 para vacas da mesma raça. A fase de
lactação influencia os teores de alfa-lactoalbumina que diminuem com o evoluir
da lactação, observações que concordam com SANT´ANA (2004) que encontrou
maiores valores na fase inicial da lactação (fase colostral e primeiro terço da
lactação), a seguir observou uma diminuição (segundo terço da lactação) e uma
nova diminuição dos resultados na fase final da lactação, concordando com as
conclusões apresentadas por LARSON & KENDALL (1953) e LEVIEUX & OLLIER (1999).
CONCLUSÕES
Os valores médios de referencia para as proteínas do soro lácteo de vacas da raça Jersey são: Proteína total do soro lácteo – 640,0 mg/dl; 80 KDaltons - 10,0 mg/dl; Lactoferrina - 40,0 mg/dl; Albumina sérica - 30,0 mg/dl; Imunoglobulinas cadeia pesada - 40,0 mg/dl; Imunoglobulinas cadeia leve 80,0 mg/dl; Beta-lactoglobulina - 230,0 mg/dl e Alfa-lactoalbumina 140,0 mg/dl.
As proteínas do soro lácteo de vacas da raça Jersey diminuem com o evoluir da lactação.
AGRADECIMENTOS
A
FAPESP, pelo auxílio pesquisa nº 2008 / 04109-9 e bolsa de doutorado processo
nº nº 06/61571-1.
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