AVALIAÇÃO DE INDICADORES INFLAMATÓRIOS NO
DIAGNÓSTICO DA MASTITE BOVINA
Alice Maria Melville Paiva Della Libera1, Fernando Nogueira de Souza2, Maiara Garcia Blagitz3, Camila Freitas Batista2, Maurício Garcia4, Wanderley Pereira de Araújo5
1. Médica Veterinária, doutora, professora do curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, São Paulo- SP, Brasil,
CEP 05508-270. E-mail: dellalibera@usp.br (autor correspondente).
2. Médico Veterinário, mestrando do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.
3. Médica Veterinária, doutoranda do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.
4. Médico Veterinário, doutor, MGAR Gestão e Tecnologia Educacional.
5. Médico Veterinário, doutor, professor do curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.
PALAVRAS-CHAVE: Doença bacteriana, inflamação, ruminante.
ABSTRACT
EVALUATION OF INFLAMMATORY INDICATORS IN THE DIAGNOSIS OF BOVINE
MASTITIS
This study
evaluates distinct inflammatory gene expressions in the diagnosis of mastitis.
A total of 321 milk samples were tested for bacteriological analysis, of which
46,73% were positive. Further evidence included somatic cell count (SSC), the California Mastitis Test (CMT), pH
levels, chloride content and electrical conductivity. Predictive values of
inflammation were calculated based on bacteriologic examination as the gold
standard test. SCC and the CMT proved to be the best predictors. Measurements
of pH, chloride content, and electrical conductivity cannot be indicated to
detect this disease.
KEYWORDS: Bacterial
disease, inflammation, ruminant.
INTRODUÇÃO
A mastite é um processo inflamatório da mama usualmente causado por bactérias, sendo a doença de maior impacto econômico na pecuária leiteira mundial. Além disso, é a principal causa de descarte de animais, e a prevenção e o tratamento desta enfermidade são responsáveis pela maior porcentagem do uso de antimicrobianos em rebanhos leiteiros.
A detecção definitiva da
mastite é baseada no isolamento de patógenos através da coleta asséptica das
amostras de leite. No entanto, o exame bacteriológico apresenta limitações
devido à exigência de exames laboratoriais, tempo requerido para a cultura e
custos. Ademais, os testes bacteriológicos nem sempre
são confiáveis, já que o sucesso da cultura varia dependendo do tipo de
microrganismo, metodologia de coleta e procedimentos laboratoriais (PYÖRALLÄ,
2003).
A
mastite ocasiona mudanças na composição láctea, sendo sua extensão dependente
da resposta inflamatória. As principais alterações na mama incluem a passagem de
íons, proteínas e enzimas do sangue para o leite devido ao aumento da
permeabilidade, invasão de fagócitos e redução da capacidade de síntese láctea
da glândula. Alguns componentes são mais marcantes que outros podendo ser
utilizados como uma ferramenta para a detecção do processo inflamatório (PYÖRALLÄ,
2003).
A
precisão dos testes diagnósticos pode ser mensurada pela sensibilidade (SE),
que é a proporção de animais doentes que são corretamente classificados como
doentes, e pela especificidade (ES), que é denominada como a porcentagem de
animais sadios que são devidamente enquadrados como sadios. Os valores
preditivos positivos (VPP) e negativos (VPN) são definidos como probabilidades
que um animal sadio ou doente apresenta de ser classificado, considerando a
prevalência da doença na população estudada. Já, a razão de probabilidades (RP)
é definida pelo aumento na probabilidade de um valor positivo seja um
verdadeiro resultado positivo comparado com um animal não examinado. Assim, por
exemplo, um valor de cinco da RP indica que os animais que apresentarem
resultados acima do valor de corte estabelecido apresentam cinco vezes mais
chances de ser realmente doente que um animal não testado.
Neste
trabalho objetivou-se por meio das alterações do leite e na glândula mamária
avaliar o desempenho de diferentes testes como CCS, CMT, concentração
hidrogeniônica, conteúdo de cloretos e condutividade elétrica na predição da presença bacteriana em amostras lácteas,
com o intuito de se estabelecer meios diagnósticos auxiliares na identificação
da mastite infecciosa.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram coletadas 321 amostras
lácteas que foram submetidas à determinação da concentração hidrogeniônica,
teor de cloretos, condutividade elétrica, CCS e CMT e exame microbiológico.
No exame bacteriológico, 10µl das amostras de leite foram semeadas em placa de Petri contendo ágar-sangue de carneiro (5 %) e incubadas a 37 oC por 24 e 48 horas, para posterior identificação dos microrganismos através de provas bioquímicas descritas por LENNETTE et al. (1985), seguida da classificação conforme critérios estabelecidos por KRIEG & HOLT (1994).
A determinação da concentração hidrogeniônica foi realizada em um pH-metro modelo B474 da Micronal® (Celm®, Barueri, Brasil). A mensuração da concentração de cloreto (925 Chloride Analyzer, Corning®, Nova Iorque, EUA) e a condutividade elétrica (CE) (Milk Checker®, Tóquio, Japão) foram realizadas em aparelhos utilizados para tal finalidade. A CCS foi realizada através de esfregaços corados com hematoxilina-eosina, onde 100 campos foram contados, e o CMT foi agrupado em negativo (0) e positivo, este último subdividido em 1+, 2+ e 3+.
Os dados foram analisados utilizando programa estatístico GraphPad InSat Software (GraphPad Software, Inc., EUA). Os dados da CCS foram transformados em escala logarítmica, pois não apresentaram distribuição normal. As predições dos testes diagnósticos foram avaliadas pelo teste exato de Fisher através da SE, ES, VPP, VPN e RP considerando o exame bacteriológico como padrão ouro. Nestes casos, foram utilizados os valores de corte para SE, SP, VPP, VPN e RP na CCS de 5,00; 5,30 e 5,60 por estarem dentro dos parâmetros estabelecidos pela Instrução Normativa 51 e sugeridos por RUEGG & REINEMANN (2002); no CMT empregou-se valores de 0 (zero) e 1 (um); na CE estabeleceu-se os valores de 4,0; 5,5 e 6,75 como proposto por RUEGG & REINEMANN (2002) e BRUCKMAIER et al. (2004), no pH utilizou-se os valores de 6,63; 6,69 e 6,81, e na concentração de cloretos os valores de 100,5; 142,7 e 183,5 mg/100 mL como sugerido por OGALA et al. (2007) em animais com alta e baixa contagem de células somáticas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na prova bacteriológica foram
observadas 46,73% das amostras positivas. Destas, 64,00% foram isolados Staphylococcus sp., 19,33% Streptococcus sp., 10,67% Corynebacterium
sp., 2,67% Staphylococcus spp. e Streptococcus
sp., 2,00% Staphylococcus spp. e Corynebacterium sp. e 1,33% Streptococcus sp. e Corynebacterium sp.. Desta forma, o presente estudo corrobora com
os dados descritos por BARKEMA et al. (2006)
e MACHADO et al. (2008), onde se ressaltou a importância do gênero
estafilocococos na etiologia das mastites bovina.
Na CCS foram encontrados valores logarítmicos de 4,70 (+ 0,71) e 5,48 (+ 0,75) células/mL para os animais negativos e positivos (p< 0,0001), respectivamente. E ao considerar a proporção das populações de leucócitos presentes no leite, dado pela proporção de polimorfonucleares sobre a de mononucleares, observou-se os valores de 1,72 (+ 2,53) e 3,72 (+ 4,67) nos animais negativos e positivos no exame bacteriológico (p< 0.0001), respectivamente. No CMT, obteve-se os valores médios de 0,22 (+ 0,63) para os animais negativos e 0,91 (+ 1,01) para os positivos (p <0,0001). Na concentração hidrogeniônica foram observados valores de 6,57 (+ 0,17) e 6,63 (+ 0,18) para os animais negativos e positivos (p< 0,0055), respectivamente. No teor de cloretos encontrou-se 104,70 (+ 25,58) e 109,90 (+ 30,98) mg/100 mL para os animais negativos e positivos (p= 0,1017), respectivamente. Na CE observou-se valores de 4,51 (± 0,69) para os animais negativos e 4,60 (± 0,74) mS/cm para os negativos (p = 0,249).
Os valores da SE foram de 0,831; 0,674 e 0,622, da SP de 0,739; 0,774 e 0,787, do VPP de 0,757; 0,858 e 0,905, e do VPN de 0,817; 0,540 e 0,388, e da RP de 3,183; 2,979 e 2,915 para a CCS quando se utilizou os valores de corte de 5,00 (p>0,0001), 5,30 (p <0,0001), e 5,60 (p <0,0001), respectivamente. Os valores da SE foram de 0,888 e 0,935, da SP de 0,470 e 0,227, do VPP de 0,652 e 0,577, do VPN de 0,789 e 0,756, e da RP de 1,675 e 1,209 para o CMT quando se estabeleceu os valores de corte de 0 (p <0,0001) e 1 (p <0,0001), respectivamente. Os valores da SE foram de 0,805; 0,894 e 0,970, da SP de 0,384; 0,238 e 0,053, do VPP de 0,594; 0,568 e 0,534, do VPN de 0,637; 0,667 e 0,615, e da RP de 1,307; 1,173 e 1,025 para o pH quando se empregou os valores de corte de 6,63 (p< 0.0002), 6,69 (p< 0,0026) e 6,81 (p = 0,397), respectivamente. Os valores da SE foram de 0,610; 0,976 e 0,994, da SP de 0,497; 0,106; 0,053, do VPP de 0,575; 0,550 e 0,540, do VPN de 0,532; 0,80 e 0,889, e da RP de 1,211; 1,092 e 1,050 para a concentração de cloretos quando se utilizou os valores de corte de 110,5 (p <0,070), 142,7 (p <0,025) e 183,5 mg/100 mL (p <0,0015), respectivamente. Os valores da SE foram de 0,503; 0,982 e 0,994 da SP foram de 0,567; 0,060 e 0,020, do VPP de 0,567; 0,538 e 0,532, do VPN de 0,503; 0,75 e 0,75 e da RP de 1,161; 1,044 e 1,014 para a CE quando se estabeleceu os valores de corte de 4,00 (p= 0,219), 5,50 (p= 0,075) e 6,75 mS/cm (p= 0,347), respectivamente.
A CCS é um marcador inflamatório da glândula mamária, sendo amplamente utilizado no diagnóstico da mastite (RUEGG & REINEMAN, 2002). O isolamento bacteriano foi associado com aumento significante na CCS, principalmente decorrente do aumento de polimorfonucleares, apresentando como o melhor preditor para a determinação da presença bacteriana. O escore de CMT, que foi positivamente correlacionado com a CCS (r = 0,73; p<0,0001) e presença bacteriana (p<0,0001).
O aumento do pH durante a mastite está associado com o aumento da permeabilidade da glândula mamária aos componentes sanguíneos, o que faz com que ocorra a migração de componentes alcalinos do sangue, principalmente o íon bicarbonato. Um aumento significativo na concentração hidrogeniônica foi encontrado, como demonstrado por OGALA et al. (2007) em animais com baixa e alta CCS, porém os valores preditivos encontrados foram apenas razoáveis ao confrontar com a CCS.
Os íons cloreto e os íons sódio estão presentes na circulação sangüínea e durante a mastite atravessam os capilares sangüíneos, direcionando-se ao lúmen dos alvéolos da glândula mamária. Tal processo ocorre devido ao aumento da permeabilidade vascular e à destruição das junções celulares e do sistema de bombeamento iônico causados pelo processo inflamatório (ZAFALON et al., 2005). Vários autores ao avaliarem a condutividade elétrica do leite, que é determinada pela concentração iônica, e a concentração de cloretos relataram baixa predição destes testes na detecção de mastite infecciosa, como encontrado no presente estudo, sendo ainda sugerida a análise entre as metades com o intuito de se melhorar a predição do teste (RUEGG & REINEMAN, 2002). Foi também relatado que estes parâmetros apenas podem ser utilizados no diagnóstico desta enfermidade no leite proveniente da presente na cisterna do teto anterior a ejeção do leite pelos alvéolos (BRUCKMAIER et al., 2004).
Todavia, estes parâmetros podem ser influenciados por fatores como idade, estágio lactacional, produção, estação do ano, fração láctea coletada, e variações entre animais, patogenicidade do agente, podendo refletir na avaliação dos testes analisados. Ainda, grande parte da predição dos testes diagnósticos é baseada no exame bacteriológico como padrão ouro, no entanto a mastite nem sempre requer a presença bacteriana, ou se consegue sucesso no isolamento bacteriano (PYÖRALÄ, 2003; ZAFALON et al., 2005).
CONCLUSÃO
A CCS e o
CMT apresentaram-se como ferramentas confiáveis para o diagnóstico da mastite,
não podendo o mesmo ser aplicado para os demais testes.
REFERÊNCIAS
BARKEMA,
H. W.; SCHUKKEN, Y. H.; ZADOKS, R. N. Invited review: the role of cow,
pathogen, and treatment regimen in the therapeutic success of bovine Staphylococcus
aureus mastits. Journal of Dairy
Science, Champaign, v. 89, p. 1877- 1895, 2006.
BRUCKMAIER,
R. M.; WEISS, D.; WIEDERMANN, M.; SCHMITZ, S.; WENDL, G. Changes of physicochemical indicators during mastitis and effects of milk
ejection on their sensitivity. Journal
of Dairy Research, Cambridge, v. 71, p. 316-321, 2004.
KRIEG, N. R.; HOLT, J. C.. Bergey´s manual of systematic bacteriology. 9.ed. Baltimore: Willians & Wilkins,
Baltimore, 1994.
LENNETE, E. M.; BALOWS, A.; HANSLER JR., W. J. Manual of clinical microbiology. 4.ed. Washington: American Society of
Microbiology, 1985.
MACHADO, T. R. O.; CORREA, M. G.; MARIN, J. M. Antimicrobial susceptibility of coagulase-negative Staphylococci isolated from mastitic cattle in Brazil. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, Belo Horizonte, v. 60, n. 1, p. 278-282, 2008.
OGALA, H.; SHITANDI, A.; NANUA, J. Effects of
mastitis on raw milk composition quality. Journal
of Veterinary Science, Suwon, v. 8, n. 3, p. 237-242, 2007.
PYÖRÄLÄ, S. Indicators of inflammation in the
diagnosis of mastitis. Veterinary
Research, Les Ulis, v. 34, p. 565-578, 2003.
RUEGG, P. L.; REINEMANN, D. J. Milk quality and
mastitis test. Bovine Practitioner, Stillwater,
v. 36, p. 41-54, 2002.
ZAFALON L. F.; NADER FILHO A.; OLIVEIRA J. V.; RESENDE F. D. Comportamento da condutividade elétrica e do conteúdo de cloretos como métodos auxiliares de diagnóstico da mastite subclínica bovina. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 25, n. 3, p. 150-163, 2005.