CRIPTOCOCOSE
EM OVINO – RELATO DE CASO
Saulo
de Tarso Gusmão da Silva1,
José Cláudio de Almeida Souza2, Marisa de Alencar Izael1,
Franklin Riet-Correa3, Roseana Portela4, Antônio
Flávio Dantas4, Carla Lopes de Mendonça5,
José
Augusto Bastos Afonso5.
1. Médico Veterinário Residente, Clínica de Bovinos,
Campus Garanhuns-PE, UFRPE.
2.
Médico Veterinário, Doutor, professor da Unidade Acadêmica de Garanhuns-PE, UFRPE.
3.
Médico Veterinário, Doutor, professor do Curso de Medicina Veterinária, Campus
Patos-PB, UFCG.
4.
Médica Veterinária, aluna do PPMV, Campus Patus-PB, UFCG.
5.
Médico Veterinário, Doutor, Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns-PE, UFRPE.
E-mail: cbg@prppg.ufrpe.br (autor
correspondente)
PALAVRAS-CHAVE:
Doenças fungicas, fungo, ruminante.
ABSTRACT
CRYPTOCOCCOSIS IN SHEEP: CASE REPORT
This study
reports the clinical and anatomopathological findings of nasal cryptococcosis
in a male Santa Inês sheep aged two and a half years old. It was treated at
Garanhuns Bovine Clinic in Universidade Federal Rural de Pernambuco,
KEYWORDS: Fungal disease, fungus, ovine.
INTRODUÇÃO
A
criptococose é uma infecção fúngica sistêmica, considerada incomum,
potencialmente fatal, que acomete mamíferos como o homem, cães, gatos, eqüinos,
bem como pássaros, répteis e alguns invertebrados. É uma doença de caráter
oportunista, causada pela levedura encapsulada Cryptococcus neoformans,
a qual possui tropismo pelo sistema nervoso central (SNC), respiratório,
tegumentar, sendo descrito também como causa de mastites
A criptococose tem distribuição mundial e afeta
pessoas e animais; o gato é a espécie doméstica mais comumente afetada. O C.
neoformans é cosmopolita isolado do solo, de detritos de árvores, de
frutas, da mucosa oronasal e da pele de animais e pessoas saudáveis e,
principalmente, do solo rico em excretas de aves, particularmente de pombos (Marcasso et al., 2005). A infecção, assim como a maioria das doenças
pulmonares causadas por fungos, é adquirida por inalação de poeira contaminada;
o diâmetro dos esporos é pequeno suficiente para permitir a penetração em vias
aéreas distais e alvéolos, podendo afetar principalmente o trato respiratório
superior ou inferior, mas pode ocasionalmente ocorrer de forma disseminada
(JUBB & KENNEDY,1993; Kommers et al., 2005;
QUINN et al., 2005; RODRÍGUEZ et al., 2006; SMITH, 2006).
As fezes de aves são fonte de infecção e os pombos
assumem papel importante como reservatório do C. neoformans var. neoformans
no ambiente urbano. Essas variedades são mais comuns em indivíduos
imunocomprometidos. O C. gattii ocupa um habitat específico. Em gatos, a doença é comum (QUINN et al.,
2005; JULIANO et al., 2006) e menos freqüente em cães, causando nestas espécies infecções respiratórias, cutâneas, nervosas e
oculares.
Embora ocorra
ocasionalmente em cavalos, a infecção por C. neoformans tem sido associada principalmente à rinite
(ROBERTS et al., 1981; ZOPPA et al., 2008) e meningite (SUMMERS et al., 1995;
QUINN et al.,2005), ou associada com encefalite, granuloma nasal, pneumonia,
aborto com placentite micótica e pneumonia no feto (RILEY et al., 1992; MURPHY
et al., 1996; JONES et al., 2000; Kommers et al., 2005; QUINN et al., 2005 ). KHADAKARAM-TAFTI &
DEHGHANI (2006) descreveram um caso de cryptococcus
sp. na pele e tecido subcutâneo em um jumento. Em animais de produção a
doença foi descrita pela primeira vez em caprino no Brasil por DACORSO &
CHAGAS (1957). RODRÍGUEZ et al. (2006) relataram surtos epidêmicos de Cryptococcus gattii, em cabras,
com pneumonia e encefalite e LEMOS et al. (2007) descreveram um caso de lesão
pulmonar em ovino abatido para consumo.
Embora, nos bovinos, a infecção por Cryptococcus
neoformans ocorra raramente (SUMMERS et al., 1995) a doença foi relatada em
um caso de meningoencefalite por RIET-CORREA et al. (2009).
O objetivo deste trabalho
foi relatar os achados clínicos e anatomopatológicos de um caso de criptococose
nasal em um ovino.
MATERIAL
MÉTODOS
Os achados foram
obtidos a partir do atendimento clínico de um ovino, macho, raça Santa Inês, de
dois anos e meio, pesando noventa e oito quilos, internado na Clínica de
Bovinos, Campus Garanhuns/UFRPE, com histórico de que há aproximadamente 15
dias havia traumatizado a cabeça junto a uma cerca e que há 10 dias apareceu
com um aumento de volume na região interna da cavidade nasal direita. O exame
clínico foi realizado seguindo a metodologia de DIFFAY et al. (2004). Fragmentos
de diferentes regiões do espécime foram coletados e fixados em formol a 10%
tamponado, processados, embebidos em parafina, cortados a 5µm e corados pelo
método de hematoxilina-eosina(HxE), acido periódico de Schift (PAS) e alcian blue
e examinados.
RESULTADOS
Ao exame físico o
animal estava alerta, apresentando conjuntivas congestas, linfonodos
submandibulares e pré-escapular direito aumentados. À percussão do seio nasal
apresentou som abafado na região frontal próximo a narina. Notou-se a presença
de tecido de granulação bastante hemorrágico que adentrava na cavidade nasal
direita. O animal apresentava taquipnéia com polipnéia, som de ronco na
inspiração, dispnéia inspiratória. O animal era vacinado contra clostridioses e
era vermifugado. Ao exame da cavidade nasal observou-se uma massa pendular de
aspecto rugoso, que ocupava grande parte do conduto nasal direito, comprimindo
o septo e ocasionando oclusão parcial da cavidade nasal esquerda.
O animal permaneceu 31 dias na clínica e durante
este período apresentou diminuição de apetite, graus variáveis de desidratação,
área de alopecia na região do seio nasal e amolecimento da estrutura óssea
nasal. A função respiratória variou
desde o padrão respiratório abdominal, com presença de ruídos, dispnéia
inspiratória, crepitações pulmonares, tosse esporádica, momentos de apnéia,
secreção nasal muco-purulenta e fétida.
Foi estabelecido um protocolo, com intuito de
remissão da massa nodular, onde foi infiltrado 5ml de formol a 10% na mesma,
havendo discreto ressecamento do tecido de granulação. O animal foi submetido a
uma cobertura antibiótica a base de penicilina, em intervalos de 24/24h,
recebendo ainda três aplicações de dexametasona. Foi feita a limpeza diária da
narina com água boricada, massagem com dimetilsufóxido no seio e nebulização
diária, porém sem resultados satisfatórios.
Diante do quadro de insucesso na terapia, optou-se
por um procedimento de retirada da massa proeminente, submetendo o animal a
jejum prévio de 24h e tranqüilização com 0,05mg/kg de acepromazina. Em
decorrência da gravidade quadro clínico e do comprometimento da função
respiratória, o animal veio a óbito durante o procedimento, sendo encaminhado para
necropsia.
No exame macroscópico das cavidades nasais foi
observado uma massa clara, medindo cerca de 25cm de comprimento, de forma
irregular, de aspecto gelatinoso, de consistência friável e superfície com
formações de nódulos polipóides. Esta massa originava-se na mucosa nasal
direita e se infiltrava nas estruturas adjacentes, estendendo-se por todo o
meato nasal direito (meato nasal dorsal, médio e ventral) até o labirinto
etmoidal, causando deformidade facial e obstrução do fluxo de ar. Notou-se, ainda,
a ausência do osso nasal direito e das conchas nasais (dorsal e média). Os demais órgãos não apresentaram lesões
dignas de nota.
Microscopicamente observou-se rinite granulomatosa,
necrosante, localmente extensa, acentuada, caracterizada por infiltrado
inflamatório mononuclear, constituído predominantemente por macrófagos, além de
alguns linfócitos e plasmócitos. Associado a inflamação havia áreas extensas de
necrose e miríades de estruturas arredondadas ou ovaladas leveduriformes, com
parede fina coradas basofílicas, medindo aproximadamente de
DISCUSSÃO
Embora a
criptococose acometa principalmente as espécies mais susceptíveis como cães e
gatos, e devido ao fato do Cryptococcus
spp ser isolado em excretas de pombos, estes têm um papel importante como
reservatório do agente no ambiente urbano. A levedura costuma ser encontrada também no solo, em frutas, na mucosa oronasal e na pele de indivíduos sadios,
além do seu isolamento em árvores típicas das matas das regiões Norte e
Nordeste, favorecendo a sua disseminação em espécies com hábitos
olfativos como os herbívoros (Marcasso et al., 2005; Juliano et al., 2006).
Segundo RODRÍGUEZ et al. (2006) é provável que o grande número de
casos diagnosticados em cães e gatos seja devido a presença de sinais clínicos
evidentes, ao contrário de outras espécies como os bovinos, os cavalos, as
ovelhas e as cabras onde a limitação do diagnóstico se baseia nos achados
anatomopatológicos. Outro aspecto de
interesse é o achado de cães e gatos assintomáticos e portadores do C. gatti, colonizando-o no sinus nasal.
Esta situação parece ser um fator de risco para criptococose progressiva nestes
animais (RODRÍGUEZ et al., 2006).
Os achados
clínicos observados no trato respiratório superior neste caso estão de acordo
com a literatura que relata um quadro de polipnéia e dificuldade na passagem do
ar. Conforme observação de RODRÍGUEZ et al. (2006), apesar
destes achados estarem na maioria das vezes acompanhados de pneumonia crônica, emaciação e até sintomas neurológicos,
neste trabalho as alterações limitaram-se ao trato respiratório superior. Segundo
LEMOS et al. (2007) a presença da criptococose pulmonar sugere o trato respiratório
como principal via de infecção pela inalação do agente.
O aspecto gelatinoso, as formações polipóides
observadas na mucosa da cavidade nasal e os achados histopatológicos são
pertinentes com as descritas por JUBB & KENNEDY (1993), CARLTON &
McGAVIN (1998) e JONES et al. (2000). A deformação da cavidade nasal observada
provocando a obstrução do fluxo de ar no animal em estudo, foi também relatada
por JONES et al. (2000).
CONCLUSÃO
Este relato ressalta a importância do conhecimento das doenças fungicas,
pois no caso da criptococose, os sinais clínicos em animais de produção, como
os ovinos, são pouco evidentes, sendo muitas vezes um achado incidental no
exame necroscópico ou agravamento de origem secundária em casos de animais
imunocomprometidos.
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