EVOLUÇÃO CLÍNICA, DIAGNÓSTICO,
TRATAMENTO E ACHADOS DE NECROPSIA DA OTITE PARASITÁRIA POR Rhabditis sp.
Suyan
Brethel dos Santos Campos1,
Juliana Job Serodio2, Denize Silva Brazil3, Thiago Vilar
Silva3, Tales Dias do Prado4, Veridiana Maria Brianezi
Dignani de Moura5 e Luiz Antônio Franco da Silva6.
1Médica
veterinária. Especialista em Clínica e Cirurgia de Grandes Animais HV/ EV/ UFG.
Rua RC-1, quadra 2, lote 51, Residencial Campus, CEP 74640-191,
Goiânia, GO, Brasil.
E-mail:
suyanbrethel@bol.com.br (autor
correspondente).
2 Médica
veterinária. Residente de Clínica e Cirurgia de Grandes Animais HV/ EV/UFG.
3
Médico(a)
veterinário(a). Especialista em Clínica e Cirurgia de Grandes Animais HV/ EV/
UFG.
4
Médico
veterinário. Residente de Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais HV/ EV/ UFG.
5 Médica
veterinária. Doutora, professora de Patologia Animal do Curso de Medicina
Veterinária, UFG.
6 Médico
veterinário. Doutor, professor de Clínica Cirúrgica Animal do Curso de Medicina
Veterinária, Universidade Federal de Goiás (orientador).
PALAVRAS-CHAVE: Bovino,
complicações, orelha, parasito
ABSTRACT
CLINICAL
SIGNS, NECROPSY FINDINGS, DIAGNOSIS AND TREATMENT OF BOVINE PARASITIC OTITIS
CAUSED BY RHABDITIS SPP. IN GIR
CATTLE: CASE REPORT
A 4-year-old Girolando male calf was attended to at
the Veterinary Hospital of Universidade Federal de Goiás in September 2008. The
animal presented purulent secretion in in external ear canals and head
inclination to the right side. Anamnesis, clinical, and complementary
examinations all confirmed our suspicion of parasitic otitis caused by Rhabdits spp. Anthelmintics and
antibiotics were used in the treatment. Disease recurrence and complications were
evidenced six months later. This included tympanic membrane rupture, which
developed to a brain abscess resulting in neurologic impairment and eventual
death.
KEYWORDS: Cattle, complications, ear, parasite
INTRODUÇÃO
A otite parasitária em bovinos apresenta prevalência
expressiva, influencia a produção em regiões tropicais e subtropicais e no
Brasil requer gastos substanciais com medicamentos, compromete o manejo, diminuindo
a produção de leite, o ganho em peso e pode resultar em óbito (SOUZA et al., 2008).
A rhabtiose tem sido relatada em vários estados brasileiros (ABDALLA et al., 2008) e no Estado de
Goiás, a prevalência em bovinos da raça Gir chega a 78, 43% (VIEIRA, 1998). A raça Gir, por ser ideal para
cruzamentos, ocupa posição de destaque entre os criatórios, mas o formato da cabeça,
orelha e pavilhão auricular favorecem a retenção de cerume e, quando associada
à presença de pêlos, secreções orgânicas, calor e umidade propicia o
desenvolvimento de parasitos como o
Rhabditis sp. e infecções auditivas. As afecções parasitárias, em alguns
casos, são consideradas fatores predisponentes das otites bacterianas (VIEIRA,
1998). Tanto nematódeos quanto ácaros podem causar otites parasitarias, mas no
Brasil, os nematóides rhabditiformes, Rhabditis freitasi e a Rhabditis
costai, foram os agentes descritos
(MARTINS JR., 1985). Parasitas artrópodes, corpos estranhos e várias
infecções esporádicas podem causar irritação da orelha, levando o animal a
esfregar-se contra objetos e sacudir a cabeça com freqüência (RADOSTITS et al.,
2002). Quanto à rhabiditiose, esta pode acometer ambos os ouvidos, apresentar exsudação
ceruminosa ou purulenta, na qual pode ser evidenciada a motilidade dos
nematódeos. A doença pode evoluir para uma síndrome vestibular e nesses casos
freqüentemente ocorre lesão do nervo facial (ABDALLA et al., 2008). Nos estágios mais avançados o quadro pode
ser irreversível, com lesões neurais fatais (SOUZA et al., 2008).
Para o diagnóstico nas infestações clínicas e
subclínicas, recomenda-se o uso de zaragatoa e a lavagem do conduto auditivo,
sendo que, pode ser utilizado também no tratamento (LEITE et al., 1994). Os
tratamentos utilizados têm sido os mais variados possíveis, porem sem
resultados satisfatórios, com freqüentes relatos de recidivas. Isto tem
preocupado técnicos e criadores, principalmente porque contribui para o
insucesso da exploração da raça, desvalorizando animais na comercialização, além
do alto custo com medicamentos (VIEIRA, 1998). Apesar de a rhabditoise ser uma
parasitose descrita em vários trabalhos científicos (MARTINS JR., 1985; LEITE at
al., 1994; VIEIRA, 1998; DUARTE & HAMDAN, 2004; ABDALLA et al., 2008; SOUZA et al., 2008) ainda existem alguns questionamentos não respondidos, como o
melhor protocolo terapêutico, medidas preventivas mais eficazes e complicações
que podem levar ao óbito.
O objetivo deste trabalho foi relatar a evolução
clínica, diagnóstico, tratamento e achados de necropsia de um caso de otite
parasitária por Rhabditis sp. em
touro da raça Gir.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi
atendido no Hospital Veterinário da Escola de Veterinária da Universidade
Federal de Goiás (HV/EV/UFG), um bovino, raça Gir, quatro anos de idade,
pesando
Para
auxiliar no diagnóstico, foram colhidas amostras do cerúmen presente nos dois
ouvidos com a utilização de uma zaragatoa e encaminhados ao laboratório de
parasitologia da EV/UFG. Na seqüência, o animal foi alojado em um piquete cultivado
com capim Brachiaria sp. e disponibilizados
água e feno de Tifton 83, ad libidum. Os achados macroscópicos e
microscópicos, da secreção coletada do animal, foram sugestivos de otite parasitária
ocasionada por nematóides, adotando-se como protocolo terapêutico a
administração de moxidectina 10% (Onyx®, Fort Dodge Saúde Animal Ltda., Campinas,
SP), via subcutânea, na dose de 1 mg/ kg em dose única. Como infecções
bacterianas associadas a ocorrência da otite parasitária são comuns,
paralelamente foi aplicado penicilinas benzatina, procaína e potássica
associadas à estreptomicina (Septipen®, Vallée S. A., São Paulo, SP) via
intramuscular, na dose de 40.000 U.I./kg, a cada 48 horas, até completar cinco
aplicações. A limpeza dos condutos auditivos foi realizada diariamente com uma
solução a base de trichlorfon (Neguvon@, Bayer Produtos Veterinários,
São Paulo) diluído em solução fisiológica. Na sequência, durante 20 dias, aplicava-se
uma mistura de trichlorfon e ungüento (Pearson®, Eurofarma, Itapevi, SP) no interior
dos ouvidos a fim de manter o produto agindo nos condutos auditivos por maior
tempo.
Após
seis meses da alta clínica, a proprietária voltou a procurar o HV/ EV/ UFG
relatando que o touro apresentava incoordenação, apatia e salivação intensa. O
atendimento foi realizado na propriedade e ao exame clinico mostrou-se apático,
desidratado e estado nutricional regular. As freqüências respiratória,
cardíaca, pulso e tempo de preenchimento capilar mostravam-se aumentados,
mucosas normocoradas, temperatura retal normal e os movimentos rumenais diminuidos.
Constatou-se ainda cegueira no olho direito, comprovado pela ausência do
reflexo de fuga, a cabeça com uma inclinação acentuada para o lado direito, ptose
palpebral, muita secreção purulenta nos dois ouvidos e a presença de parasitos
rhabditiformes nos condutos auditivos. Todavia, o achado que mais chamava a
atenção era a incoordenação motora do animal, sendo sugestiva de uma síndrome
vestibular secundária à infecção nos ouvidos. Colheu-se amostras do corrimento
purulento presente nos dois ouvidos com a utilização de uma zaragatoa para
confirmar a suspeita clínica, realizou-se hidratação oral com solução
hipertônica e repetiu-se o mesmo protocolo terapêutico empregado por ocasião do
primeiro atendimento. Dois dias após, o animal assumiu posição de decúbito lateral,
deteve a alimentação e no dia seguinte, após a avaliação do quadro clínico do
animal, optou-se pela eutanásia in
extremis. A necropsia foi realizada à campo, sendo que, a cabeça do animal
foi enviada ao Setor de Patologia da EV/UFG para melhor avaliação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O histórico do animal, o tratamento anteriormente
realizado, a evolução do processo e a anaminese realizada foram considerados
dados importantes para esboçar a suspeita clínica de otite parasitária por Rhabditis sp. Como citado por RADOSTITS
et al. (2002), a presença de Rhabditis
sp. é uma causa comum em rebanhos de países tropicais, os animais acometidos
geralmente apresentam-se deprimidos e comem pouco. Na maioria dos casos, ambas
as orelhas são acometidas e ocorre a presença de secreção sanguinolenta e
fétida, a região fica dolorida ao toque e o meato auditivo externo torna-se
inflamado com aumento dos linfonodos parotídeos, concordando com os achados
aqui evidenciados. Como descrito por LEITE et al. (1994) e VIEIRA (1998), e realizado no presente estudo, a colheita de
material do conduto auditivo externo
empregando zaragatoas, deposito em tubos de ensaio identificados e transportado
para o laboratório à temperatura ambiente, colocação em solução fisiológica
preparo em lâmina de microscopia empregando lugol, cobertura com lamínula e
exame ao microscópico foi possivel identificar grande quantidade de formas
larvais adultas de Rhabdits sp.,
confirmando a suspeita clínica.
O tratamento realizado no HV/ UFG, empregando moxidectina
associada a antibioticoterapia de amplo espectro, fundamentou-se, em parte, nas
recomendações de RADOSTITS et al. (2002) eliminou o parasito e a secreção purulenta no interior do conduto auditivo, mostrando-se
eficaz. FINCHER & WANG (1992) e FRANCENER et al. (2008) relatam que a
moxidectina é altamente eficaz contra os vermes mais comuns do gado e contra
cepas de vermes resistentes à ivermectina. VIEIRA (1998) citou a ação do trichlorfon
como comprovada ação anti-helmintica e mosquicida. Todavia, apesar dos
resultados positivos não foi suficiente para impedir o recrudescimento do
processo após seis meses do tratamento, provavelmente devido a presença de
fatores de transmissão do parasito existentes na propriedade, como citados por
VIEIRA (1998). De acordo com DUARTE & HAMDAN (2004), o gênero Rhabdits é saprófito, sendo assim, vive
habitualmente em matéria orgânica em decomposição, fezes frescas e terras
úmidas, sendo, portanto de vida livre. VIEIRA et al. (2001) e SOUZA et al.
(2008) também citaram que as recidivas são freqüentes.
Embora tenha sido
prescrito o mesmo protocolo utilizado por ocasião do primeiro atendimento, a
hidratação oral foi uma tentativa de restabelecer a higidez do paciente. Particularmente,
no caso aqui descrito, o animal não respondeu ao tratamento, ocorrendo piora
clínica e realizada a eutanásia in
extremis. DUARTE & HAMDAN (2004); ABDALLA et al. (2008) e SOUZA et al. (2008) citaram
que o envolvimento do ouvido médio e interno com ruptura da
membrana timpânica podem vir causar danos cerebrais, resultando em
desordens vestibulares manifestadas por rigidez nucal, pendência da cabeça e
tendência do animal realizar movimentos em círculos para o lado da orelha
defeituosa, paralisia dos nervos facial e vestibulococlear e meningite.
Esses
animais tornam-se gravemente afetados podendo apresentar movimentos de
pedalagem sendo o quadro irreversível, com lesões neurais
fatais, estando de acordo com a evolução clínica do presente caso.
À necropsia do animal, à campo, não foi observada
lesões macroscópicas dignas de nota, mas a cabeça do animal ao ser dissecada no
Setor de Patologia da EV/ UFG revelou a presença de secreção purulenta bilateral
nos condutos auditivos, sendo mais acentuada do lado direito, apresentando
comprometimento do ouvido médio e interno com ruptura da membrana timpânica,
presença de abscesso cerebral comprometendo o tronco encefálico e cerebelo na
sua porção direita, além do ingurgitamento dos vasos cerebrais. Estes achados
estão de acordo com os sinais clínicos neurológicos apresentados pelo animal e foram
apontados por ABDALLA et al. (2008)
e SOUZA et al. (2008). Assim, argumenta-se
que procedimentos como o controle dos fatores de risco, quarentena para bovinos
recém-adquiridos, controle do nematóide por meio do manejo adequado de dejetos,
construção de esterqueiras, combate as moscas, tratamento dos animais doentes e
o descarte de animais com otites parasitárias crônicas se constituam em medidas
para evitar o recrudescimento da enfermidade e sua disseminação.
CONCLUSÃO
A otite parasitária por Rhabditis sp. em touro da raça Gir é diagnosticada observando os
sinais clínicos e o nematódeo em microscopia ótica, o tratamento com moxidectina
parenteral associado a aplicação local de trichlorfon elimina o parasito mas
não impede recidivas e o processo pode atingir ouvido interno, romper a
membrana timpânica e desenvolver abscesso cerebral, desencadeando sinais
clínicos neurológicos e levar o animal ao óbito.
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