COMPORTAMENTO DA EXCREÇÃO DE OOCISTOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. E DE CISTOS DE GIARDIA SPP. EM BEZERROS INFECTADOS NATURALMENTE

 

Laís Bitencourt Guimarães1, Elias Jorge Facury Filho2, Antonio Último de Carvalho2, Paulo Marcos Ferreira2, Múcio Flávio Barbosa Ribeiro3, Marina Guimarães Ferreira4, Moisés Dias Freitas4

 

1.     Estudante da Escola de Veterinária, da Universidade Federal de Minas Gerais – Bolsista do Setor de Clínica de Ruminantes. E-mail: lais_pomps@hotmail.com (autor correspondente)

2.     Médico Veterinário, Dr., professor da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais.

3.     Médico Veterinário, Dr., professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.

4.     Medico (a) Veterinário (a), aluno (a) de doutorado em Ciência Animal, Escola de Veterinária, da Universidade Federal de Minas Gerais.

 

PALAVRAS-CHAVE: Bovino, diarréia, patógenos intestinais.

 

ABSTRACT

 

EXCRETION DYNAMICS OF CRYPTOSPORIDIUM SPP. OOCYSTS AND GIARDIA SPP. CYSTS IN NATURALLY INFECTED CALVES

This study assesses the elimination of Cryptosporidium spp. oocysts and Giardia spp. cysts from confined calves that were naturally infected and observes how their excretion relates to diarrhea episodes. Faeces samples were collected daily from ten Holstein calves from week 1 to 60 days old and every week until they were 100 days old. Sample analysis allowed both visualization and quantification of Cryptosporidium spp. oocysts and Giardia spp cysts. Research findings revealed that the removal of Cryptosporidium spp. oocysts occurred from 6th to 12th day of life and lasted from 3 to 8 days. Most calves eliminated oocysts after 6 days, whereas Giardia spp. cysts presented intermittent excretion patterns after 17 days which continued until the last collection period.

 

Keywords: Bovine, diarrhea, intestinal pathogens.

 

 

 

INTRODUÇÃO

A diarréia de bezerros é um frequente problema na criação de bovinos, e causa grandes perdas econômicas (ÇABALAR et al., 2001). Dentre os microrganismos envolvidos, destaca-se o Cryptosporidium spp., relacionado com a doença nas primeiras semanas de vida podendo estar associado com Rotavirus, Coronavirus, Escherichia coli e Salmonella spp. (BJORKMAN et al., 2003).

A criptosporidiose afeta animais com aproximadamente duas semanas de vida através da ingestão de oocistos infectantes do parasito no ambiente. Há indícios de que esta ingestão ocorra logo nas primeiras horas após o nascimento dos animais pelo contato direto com fezes de animais infectados. Após a ingestão, os oocistos se rompem no intestino delgado liberando quatro esporozoítos que se aderem à membrana celular dos enterócitos, ficando intracelular e extracitoplasmáticos (FAYER et al., 1997). Ocorre inflamação, atrofia das vilosidades intestinais com conseqüente hipersecreção, e síndrome da má absorção e má digestão (ARGENZIO, 1985). O ciclo desde a ingestão até a eliminação de oocistos esporulados varia de 2 a 7 dias (KIRKPATRICK, 1985).

Outro possível agente relacionado com a ocorrência de diarréia nos animais é Giardia spp., embora existam poucos relatos na literatura. Sua transmissão é principalmente através de água contaminada com cistos do parasito. Estes são eliminados nas fezes dos animais já em sua forma infectante e após sua ingestão são liberados dois trofozoítos que se ligam à membrana dos enterócitos da parte proximal do intestino delgado. O contato do trofozoíto com a bile faz com que haja novo encistamento e liberação de novos cistos infectantes no ambiente, sendo o ciclo completado em 72hs (GEURDEN et al., 2006).

Tanto a criptosporidiose quanto a giardíase possuem potencial zoonótico na ocorrência de distúrbios entéricos em humanos (GARCIA et al., 2000; GEURDEN et al., 2006), sendo necessário maiores estudos sobre a frequência destas infecções nos animais.

As enterites infecciosas são muito frequentes em rebanhos brasileiros. Este trabalho tem como objetivo avaliar o comportamento da eliminação de oocistos de Cryptosporidium spp. e cistos de Giardia spp. relacionando essa eliminação com a ocorrência de diarréia em bezerros confinados.

 

 

 

MATERIAL E MÉTODOS

Animais, local e período:

O experimento foi realizado na escola de Veterinária da UFMG, em Belo Horizonte nos meses de novembro de 2008 a fevereiro de 2009.

Foram utilizados 10 bezerros holandeses, nascidos em uma fazenda comercial próxima a Belo Horizonte e transferidos para o Hospital Veterinário da Escola de Veterinária da UFMG (HV) nos primeiros dias de vida. Os bezerros nasceram em piquete maternidade com piso de terra e alta densidade de vacas. Foram separados da mãe imediatamente após o parto, receberam a cura de umbigo com tintura de iodo e a colostragem foi realizada com colostro descongelado, com qualidade intermediária, num volume de 4 litros até duas horas após o nascimento e mais 2 litros 12 horas após.

No HV, os animais foram mantidos em confinamento, no galpão de ruminantes, em sistema de tie stall, alimentados com leite em pó reconstituído até 45 dias e ração e feno a partir de uma semana de idade.

Os animais foram banhados semanalmente com cipermetrina para prevenir a infestação por carrapatos e moscas, e foram submetidos a monitoramento clínico diário para diagnóstico precoce de enfermidades freqüentes nesta fase, como diarréia e pneumonia. Os animais com diarréia foram tratados com fluidoterapia oral durante todo o período da enfermidade. Aqueles com pneumonia foram medicados com antibiótico.

 

Acompanhamento clínico e laboratorial:

Diariamente a partir da chegada dos animais ao HV, foi realizado exame físico dos bezerros, cujos resultados foram anotados em fichas próprias e coleta de fezes diretamente da ampola retal em sacos plásticos identificados. Dessas amostras eram retiradas 5 gramas de fezes que foram conservadas com a adição de 10 ml de formalina 10%.

A pesquisa dos parasitas foi realizada pela técnica de Centrífugo - Sedimentação pela Formalina-Éter (RTCHIE,1948; citado por UENO & GONCALVES, 1998), para visualização de oocistos de Cryptosporidium spp e cistos de Giardia spp.

As lâminas para visualização de oocistos de Cryptosporidium spp. foram coradas pelo método de Ziehl-Nielsen modificado utilizando corantes prontos (Newprov) a base de fucsina, álcool-ácido e azul de metileno. As lâminas foram secas em temperatura ambiente e observadas ao microscópio. Foram observados 40 campos em cada lâmina e considerada a média de oocistos por campo para classificá-la nos seguintes escores: 0, ausência de oocistos; 1, menos que 1 oocisto; 2, de 1 a 5 oocistos; 3, de 6 a 10 oocistos; 4, de 11 a 20 oocistos e 5, mais do que vinte oocistos. Foram observados 100 campos para considerar a amostra negativa.

A visualização de cistos de Giardia spp. foi feita pelo método direto com coloração por lugol. A contagem de cistos foi realizada observando-se toda a lamínula e feita a média de cistos por campo, a partir da qual a amostra foi classificada em escores: 0, ausência de cisto; 1, de 0 a 2 cistos; 2, de 2 a 5 cistos e 3 mais de 5 cistos por campo.

Este acompanhamento foi realizado diariamente até que os animais completassem 60 dias de vida, após isso foram coletadas amostras semanalmente até que os animais completassem 100 dias de vida.

 

Análise estatística:

Os dados foram submetidos à análise descritiva.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o período experimental a incidência de infecção por Cryptosporidium spp. e Giárdia spp. nos 10 bezerros foi de 100%, não sendo observados oocistos de Eimeria spp. nos exames realizados.

A eliminação mais precoce de oocistos de Cryptosporidium spp. teve início aos seis dias de vida, com média de 8,8 dias e a mais tardia aos 12 dias, sendo que a maior parte dos animais começou a eliminar oocistos ao 9°dia de vida. Esta eliminação durou em média 5,5 dias, variando 3 a 8 dias, sendo que a maior parte dos bezerros eliminou oocistos durante 6 dias. O tempo de eliminação coincide com o encontrado na literatura, de 1 a 12 dias (FAYER et al., 1997). O pico da eliminação foi em média dos 10 aos 11 dias. Houve quatro recidivas que ocorreram dos 43 aos 54 dias dos animais.

A eliminação de cistos de Giardia spp. teve início desde o 17° dia no animal mais precoce até o 25° no mais tardio, sendo que esta eliminação foi intermitente e presente em três animais até a última amostra coletada (90-100 dias de idade). A duração da eliminação foi em média 29 dias divididos em três períodos, houve variação entre 2 a 44 dias de eliminação, alguns animais eliminaram cistos em um único longo período e outros eliminaram de forma intermitente chegando a oito períodos distintos de eliminação.

O início da eliminação de cistos de Giardia spp. aos 17 dias indica que a infecção dos animais aconteceu no período em que eles já se encontravam no HV, já que o período pré patente descrito na literatura para o parasito é de três a 10 dias (GEURDEN et al.,2006). Já o início da eliminação de Cryptosporidium spp aos seis dias de vida indica que os animais foram infectados ainda na fazenda, já que o período pré patente descrito para o Cryptosporidium spp é de dois a sete dias (KIRKPATRICK, 1985).

Todos os animais apresentaram diarréia, sendo que esta teve início do sétimo ao 15° dia de vida, o que descarta a possibilidade de infecção por Escherichia coli enterotoxigênica, já que este agente causa infecção em animais recém nascidos de até três dias de idade (RADOSTITS et al., 2007). Embora neste trabalho não tenha sido realizado o isolamento viral, a literatura sugere que a associação entre Rotavirus e Cryptosporidium spp. seja umas das associações mais importantes para a patogenia de diarréia neonatal de bezerros, podendo agravar o quadro clinico do animal e o prognóstico em infecções mistas (GRAAF et al., 1999). É sugestivo que a diarréia foi causada pelo Cryptosporidium spp. com possível associação ao Rotavírus. A eliminação de oocistos de Cryptosporidium spp. sempre foi acompanhada por diarréia contínua. Ao final da eliminação dos oocistos a diarréia passou a intermitente, na maior parte dos animais, ou contínua, perdurando por longo período, o que é sugestivo que sua posterior causa seja a infecção por Giardia spp.

 

CONCLUSÃO

A incidência dos patógenos Cryptosporidium spp. e Giardia spp. foi de 100%, demonstrando a importância destes agentes na etiologia das diarréias de bezerros jovens. No entanto, é pertinente maiores estudos a respeito da giardíase para elucidar a importância deste patógeno na ocorrência da diarréia nessa categoria animal.

 

REFERÊNCIAS

ARGENZIO, R. A. Pathophysiology of neonatal calf diarrhea. Veterinary Clinics of North America: Food Animal Practice, Philadelphia, v. 1, n. 3, p. 461-469, 1985.

BJORKMAN, C.; SVENSSON, C; CHRISTENSSON, B.; et al. Cryptosporidium parvum and Giardia intestinalis in calf diarrhea in Sweden. Acta Veterinaria Scandinavica, Copenhagen, v. 44, n. 3, p. 145-152, 2003.

ÇABALAR, M.; BOYNUKARA, B.; GÜLHAN, T. et al. Prevalence of rotavirus, Escherichia coli k99 and O157: H7 in health dairy cattle herds in Van, Turkey. Turkey Journal Veterinary Animal Science, v. 25, n. 1, p. 191-196, 2001.

FAYER, R.; SPEER, C. A.; DUBEY, J. P. Cryptosporidium and cryptosporidisis CRC Press, Inc. p.1-239, 1997.

FEITOSA, F. L. F; SHIMAMURA, G. M; et al. Importância de Cryptosporidium spp. como causa de diarréia em bezerros. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 28, n.10, p. 452-456, 2008.

GARCÍA, A.; RUIZ-SANTA-QUITERIA, J. A.; ORDEN, J. A. et al. Rotavirus and concurrent infections with other enteropathogens in neonatal diarrheic dairy calves in Spain. Comparative Immunology, Microbiology and Infectious Diseases, Oxford, v. 23, n. 1, p.1 75-183, 2000.

GEURDEN, T., CLAEREBOUT, E., DURSIN, L., DEFLANDRE, A., BERNAY, F., KALTSATOS, V., VERCRUYSSE, J. The efficacy of an oral treatment with paromomycin against an experimental infection with Giardia in calves. Veterinary Parasitology, Amsterdam, v. 135, p. 241-247, 2006.

GRAAF, D. C.; VANOPDENBOSCH, E.; ORTEGA-MORA, L. M. et al. A review of the importance of cryptosporidiosis in farm animals. International Journal for Parasitology, Oxford, v. 29, n. 1, p. 1269-1287, 1999.

KIRKPATRICK, C. E. Cryptosporidium infection as a cause of calf diarrhea. Veterinary Clinics of North America: Food Animal Practice, Philadelphia, v. 1, n. 3, p. 515-528, 1985.

RADOSTITS, O.M.; GAY, C.C.; HINCHCLIFF, K.W.; CONSTABLE, P.D. Veterinary medice: A textbook of the diseases of cattle, horses, sheep, pigs and goats. 10.ed. Philadelphia: Elsevier, 2007, 2156p.

TZIPORI, S.; CAMPBELL, I.; SHERWOOD, D. et al. An outbreak of calf diarrhea attributed to cryptosporidial infection. Veterinary Record, London, n. 107, p. 579-580, 1980.

UENO, H.; GONÇALVES, P.C. Manual para diagnóstico das helmintoses de ruminantes. 4.ed. Tokio: Japan International Cooperation Agency, 1998. p.14-28.