PERFIL BIOQUÍMICO DE BOVINOS NATURALMENTE INFECTADOS POR Trypanosssoma vivax

 

Dênia Monteiro de Moura1, João Cláudio do Carmo Paneto2, Eustáquio Resende Bittar2, Joely Ferreira Figueiredo Bittar3

1.Professora do Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Uberaba. UNIUBE/FAZU/ABCZ.

2. Professor Doutor do Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Uberaba UNIUBE/FAZU/ABCZ.

2. Professor Doutor do Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Uberaba UNIUBE/FAZU/ABCZ.

3. Professora Doutora do Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Uberaba UNIUBE/FAZU/ABCZ. Av: Nenê Sabino 1801, B: Universitário. CEP: 38055-500 Uberaba-MG, Brasil.

E-mail: joely.bittar@uniube.br (autor correspondente)

 

PALAVRAS-CHAVE: Doenças parasitárias, patologia clínica, tripanossomatídeos.

 

ABSTRACT

 

Biochemical profileS IN CATTLE naturally infected with TRYPANOSOMA VIVAX

Animal trypanosomiasis represents serious health problems in most tropical countries, and the use of drugs is usually necessary to control the disease. The city of Uberaba, in Minas Gerais, is an important center of cattle breeding in Brazil. It has the finest zebu herds, and it is where the Brazilian Association of Zebu Breeders (ABCZ) is located. Due to lack of information on T. vivax parasites in Minas Gerais, this study evaluates biochemical profiles of infected animals. Blood samples from 45 animals were collected, of which 17 presented T. vivax infection. A semiautomatic spectrophotometer exam determined levels of aspartate transaminase (AST), alanine transaminase (ALT), gamma-glutamyl transpeptidase (GGT), alkaline phosphatase (ALP), creatinine kinase (CK), urea, creatinine, calcium, and phosphorus. No significant differences were observed between infected and non-infected groups.

 

KEYWORDS: Clinical pathology, parasitic diseases, trypanosomiasis.

 

 

INTRODUÇÃO

O agente etiológico da tripanosomose bovina é o Trypanossoma vivax, um protozoário flagelado, pertencente à família Trypanossomatidae. Os tripanossomas patogênicos de importância pecuária se encontram todos localizados na seção Salivaria, dos quais apenas Trypanosoma vivax, T. equiperdum e T. evansi podem ser encontrados na América do Sul. Membros do gênero Trypanosoma são parasitas digenéticos, normalmente um animal vertebrado é o hospedeiro final, enquanto diversos invertebrados hematófagos representam os hospedeiros intermediários ou vetores, os quais transmitem a infecção para novos hospedeiros vertebrados (SEKONI, 1990).

A tripanossomose limita a possibilidade da introdução de reprodutores de raças exóticas nas áreas de produção pecuária e também impede que algumas áreas sejam utilizadas o ano todo devido às variações sazonais na incidência da doença; e a economia, por causa do déficit na produção de carne e leite que fazem com que as regiões ou os países sejam obrigados a importar esses produtos (UZOIGWE, 1986). Embora os bovinos possam se infectar com esse parasita, freqüentemente não é observada enfermidade clínica. No continente africano, algumas raças de bovinos são resistentes a T. vivax. Este fenômeno, denominado tripanotolerância (SCHENK, 2001), tem origem genética e ambiental, e pode variar ainda de acordo com a idade, estado nutricional, condições de estresse, infecções intercorrentes e cepas envolvidas (DAVILA et al., 1997).

Nesse contexto, visando amenizar o impacto econômico e os prejuízos causados por esta hemoparasitose, o presente trabalho objetivou avaliar o perfil bioquímico dos animais parasitados. Uma vez que existem poucos estudos relacionados às alterações bioquímicas em animais naturalmente infectados por este hemoprotozoário, a realização destes testes e avaliação destes parâmetros torna-se uma ferramenta valiosa de identificação nas alterações clínicas e fisiológicas.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizadas 45 fêmeas, bovinas mestiças, adultas provenientes de uma Central de inseminação da região de Uberaba onde, anteriormente fora observada a presença de tripanossomatídeo em esfregaço sanguíneo (dados não publicados). Os animais foram acompanhados e utilizados para obtenção de sangue. Os experimentos bioquímicos foram realizados no Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Veterinário de Uberaba. Os animais positivos avaliados bioquimicamente por meio das determinações dos níveis séricos de aspartato aminotransferase (AST), alanino aminotransferase (ALT), gama glutamiltransferase (GGT), fosfatase alcalina (ALP), creatina quinase (CK), uréia, creatinina, cálcio, fósforo (KANEKO, 1997).

As amostras de sangue utilizadas colhidas por intermédio da venopunção coccígea, sem anticoagulante (EDTA) para a obtenção do soro em tubos estéreis a vácuo. As determinações bioquímicas realizadas conforme recomendações do fabricante (Labtest)®, e as análises do AST, ALT e GGT, determinadas por meio de técnicas cinéticas. A fosfatase alcalina (ALP), creatina quinase (CK), fósforo, fálcio, e as proteínas totais foram obtidas através do ensaio do ponto final (WOO et al., 1970). As absorvâncias foram obtidas utilizando o espectrofotômetro Bioplus 2000®. A análise estatística dos resultados foi realizada utilizando o software Minitab 9.2. O estudo estatístico comparativo foi realizado empregando a Análise de Variância – ANOVA ONEWAY (STATSOFT, 2003). Diferenças estatisticamente significativas foram identificadas pelo teste t de Student. A diferença entre grupos foi considerada significativa quando p<0,05.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dezessete animais foram considerados positivos onde foi detectada a presença da forma tripomastigota do Trypanossoma vivax. Na avaliação bioquímica, os parâmetros de AST analisados variaram de 36 a 78 U/L, considerando para o padrão normal, o intervalo entre 0 a 150 U/L, os animais não apresentaram alterações nos valores de AST. Na enzima ALT a variação foi de 5 a 89 U/L. Considerando para o padrão normal o intervalo de 11- 40 U/L, cinco animais (29,4%), apresentaram alterações, destes, três (17,64%) apresentaram aumento e dois animais (11,76%) diminuição. Considerando que a concentração de ALT nos hepatócitos de ruminantes é baixa, consequentemente, a atividade sérica de ALT nestas espécies não é útil para detectar doença hepática. Na avaliação dos níveis de GGT a variação foi de 8 a 29 U/L, considerando para o padrão normal o intervalo de 6,1 a 17,4 U/L. Cinco animais (29,4%) apresentaram alterações nos índices de GGT, destes, três (17,64%) apresentaram aumento no GGT, e dois animais (11,76%) diminuição no GGT. A γ-glutamiltransferase (GGT) é considerada uma enzima de indução. No entanto, a lesão hepática aguda pode provocar aumento imediato na atividade sérica do GGT, possivelmente devido à liberação de fragmentos de membrana que a contém. Em ruminantes, a limitada faixa de normalidade da atividade sérica de GGT torna mais valiosa a determinação de tal enzima.

Em relação à determinação dos níveis de uréia a variação foi de 11 a 31 mg/dL. Considerando para o padrão normal o intervalo de 21 a 43 mg/dL, 16 animais (88,23%) apresentaram diminuição nos índices de uréia. A diminuição de nitrogênio uréico sanguíneo (NUS) pode ser considerada como indicador de doença hepática grave, uma vez que a uréia é sintetizada nos hepatócitos a partir da amônia. Em animais com insuficiência hepática, a menor quantidade de hepatócitos provoca menor taxa de conversão de amônia em uréia. Consequentemente, a taxa de amônia aumenta e o teor de nitrogênio da uréia sanguínea diminui.

Na avaliação dos parâmetros de creatinina a variação foi de 0,76 a 2,28 mg/dL, considerando para o padrão normal o intervalo de 1,0 a 2,0 mg/dL, quatro animais (23,52%) apresentaram alterações, e destes três (17,64%) apresentaram aumento e um (5,88%) apresentou diminuição. A produção diária de creatinina é relativamente constante não sendo influenciada por fatores extra-renais como acontece com a uréia. No entanto, a verdade é que a maioria das dietas pode causar diminuição do teor sérico da creatinina, porque os nutrientes absorvidos induzem um aumento pós-prandial da taxa de filtração glomerular.

O fósforo variou de 0,1 a 10,0 mg/dL, considerando para o padrão normal o intervalo de 2,3 a 9,06 mg/dL. Dois animais (11,76%) apresentaram alterações, e destes animais um (5,88%) apresentou aumento e um (5,88%) diminuição nos níveis de fósforo. A variação nos parâmetros das proteínas totais foi de 4,6 a 11,3 g/dL, considerando para o padrão normal o intervalo de 6,7 a 7,5 g/dL, 13 animais (76,47%) apresentaram aumento. A elevação nas concentrações de proteínas totais, também foram observadas em trabalho realizado com bovinos por MORAIS (2001), onde após 60 dias de infecção houve aumento significativo, refletindo a hemoconcentração ou estimulação antigênica causada pelo Trypanossoma vivax. Com relação à tripanossomíase, estudos demonstram que esta induz o catabolismo protéico (VERTEGEN et al., 1991).

A variação nos parâmetros de cálcio foi de 0,5 a 11,3 mg/dL. Considerando para o padrão normal o intervalo de 9,4 a 12,2 mg/dL. Onze animais (64,70%) apresentaram hipocalcemia. Nota-se ainda hipocalcemia acentuada nos animais, decorrente apenas da hipoalbuminemia transitória observada entre o 49º e 60º dia de infecção em bovinos infectados experimentalmente, ou ainda a concentração de cálcio ionizado pode estar normal, mas a fração ligada à proteína está decrescida.

A variação nos parâmetros de creatina quinase foi de 24 a 121 U/L. Considerando para o padrão normal o intervalo de 60 a 120 U/L. 15 animais (88,23%) estavam com os valores diminuídos. A atividade de CK aumenta rapidamente após a lesão muscular (miopatia) e diminui imediatamente depois da sua resolução. Esta lesão pode ocorrer devido ao estresse do animal, quando o mesmo se debate no tronco de contenção no momento da coleta das amostras.

A variação dos parâmetros de fosfatase alcalina foi de 24 a 257 U/L. Considerando para o padrão normal o intervalo de 0,0 a 488 U/L. Nenhum animal apresentou alterações nos valores normais. Na análise estatística dos parâmetros bioquímicos, não foram encontradas diferença estatística com significância de 5% (p<0,05).

 

CONCLUSÃO

As alterações bioquímicas apresentadas no presente trabalho, não podem ser atribuídas exclusivamente ao parasitismo exercido pelo Trypanossoma vivax nos animais. Estas alterações bioquímicas podem estar relacionadas a causas multifatoriais, como a nutrição, manejo, e a genética dos animais avaliados, uma vez que as alterações laboratoriais causadas pelo protozoário podem estar diretamente relacionadas com o estágio de evolução da doença (fase aguda ou crônica) e ainda estar ligada a adaptabilidade dos animais a ação do parasito (relação parasito/ hospedeiro).

 

REFERÊNCIAS

DÁVILA, A. M. R.; RAMIREZ, L.; SILVA, R. A. M. S. Morphological and biometrical differences among Trypanosoma vivax isolates from Brazil and Bolivia. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v.92, p. 357- 358, 1997.

KANEKO J. J. Clinical biochemistry of domestic animals. 5.ed. Academic Press, San Diego. 1997. 932p.

MORAIS, M. A. V. Infecção experimental em bovinos (Bos indicus) com Trypanosoma vivax (ZIEMMAN, 1905). 2001. Tese (Mestrado) – Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2001.

SCHENK, M. A. M. et al.; Avaliação clínico-laboratorial de bovinos Nelore infectados experimentalmente com Trypanosoma vivax. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 21, n. 4, p. 157-161, 2001.

SEKONI, V. O.; et al. Comparative haematological changes following Trypanosoma vivax and T. congolense infections in zebu bulls. Veterinary Parasitology, Amsterdam, v. 35, p. 11-19, 1990.

SEKONI, V. O.; et al. Pathological changes in male genitalia of cattle infected with Trypanosoma vivax and Trypanosoma congolense. British Veterinary Journal, London, v. 146, n. 2, p. 175-180, 1990.

Statsoft. south America Statistica livro base, São Caetano do Sul, 2003, 142p.

UZOIGWE, N .R. Self-cure in zebu calves experimentally infected with Trypanosoma vivax. Veterinary Parasitology, Amsterdam, v. 22, p. 141-146, 1986.

VERTEGEN, M. W. A.; ZWART, D.; VAN DER HEL, W.; BROUWER, B. O.; WENSING, T. Effect of Trypanosoma vivax infection on the energy and nitrogen metabolism of West African Dwarf Gotas. Journal of Animal Science, Champaign, v. 69, p. 1667-1677, 1991.

WOO, P. T. K. The haematocrit centrifuge technique for the diagnosis of African trypanosomiasis. Acta Tropica, Basel, v. 27, p. 384-386, 1970.