Soroprevalência de Neospora caninum
João Henrique Natalino Fanti1, Graziela
Barioni2, Marcus Alexandre Vaillant Beltrame3
1.
Médico veterinário, Curso de Medicina
Veterinária; Centro Universitário Vila Velha
2.
Médica veterinária, doutora, professora
do Curso de Medicina Veterinária; Centro Universitário Vila Velha (UVV),
29.102-770, Vila Velha, ES, Brasil
E-mail:
gbarioni@uvv.br (autor correspondente)
3. Médico
veterinário, mestrando, professor do Curso de Medicina Veterinária;
Centro Universitário Vila Velha (UVV)
PALAVRAS-CHAVE:
Bovino,
doença parasitária, neosporose, prevalência, reação de imunofluorescência
indireta
ABSTRACT
SEROPREVALENCE
OF NEOSPORA CANINUM IN
CATTLE FROM THE MUNICIPALITY OF BARRA DE SÃO FRANCISCO, ESPÍRITO SANTO, BRAZIL
This study assesses the prevalence of
anti-Neospara caninum antibodies in
cattle from Barra de São Francisco, Espírito Santo, Brazil. Venous blood samples were collected from 40 cows
raised in 4 different properties. Anti-Neospora
caninum antibodies were detected by indirect immunofluorescence testing
(IIFT). A total of 7 animals (17,5%; 95% CI = 0,5 – 34,5%) were reactive. This
is the first report of Neospora caninum
infection in cattle herds from Espírito Santo. Although there was no evidence
of reproductive failure, this possibility can not be excluded due to the fact
that no control measures are adopted in the three farms where seropositive cows
were found. Therefore, results indicate a need for further research to verify
the actual prevalence of the disease in the state.
KEYWORDS: Cattle, indirect immunofluorescence, neosporosis, parasitic disease,
prevalence
INTRODUÇÃO
O Neospora caninum é
considerado um dos principais agentes causadores de forte impacto econômico na
pecuária, em decorrência dos abortos e perdas neonatais na espécie bovina
(NOAKES et al., 2001), ovinos, caprinos (LALLY ET AL., 1996), eqüinos
(RIET-CORREA et al, 2003), veados, lobos, chacais, alce (GONDIM et al., 2004),
camelos (DUBEY, 2003), búfalos e seres humanos (PETERSEN et al., 1999). Em
seres humanos pode causar infecção congênita e até mesmo aborto (WALKER, 2004).
Antes confundido com o Toxoplasma gondii pela semelhança
estrutural dos estágios evolutivos, o neosporose foi diagnosticada pela
primeira vez em 1988 em um cão, apesar de ser reconhecido como causa de aborto
em bovino desde 1970 (WALKER, 2004).
O protozoário é um
hospedeiro intracelular obrigatório, que é encontrado em vários tecidos,
principalmente no sistema nervoso central (URQUHART et al., 1998) e músculos
(RIET-CORREA et al., 2003) das espécies infectadas. Em bovinos causa abortos do
terceiro mês de gestação até próximo ao parto, mas em caninos e felinos seu
papel é desconhecido.
A doença difunde-se
rapidamente nos rebanhos, devido a transmissão horizontal, onde os cães e, mais
recentemente, os coiotes atuam realizando a transmissão. Acredita-se que outros
canídeos silvestres sirvam de hospedeiros definitivos (RIET-CORREA et al.,
2003), podendo também ocorrer transmissão vertical (WALKER, 2004). Sugere-se
que os cervos possam ter um papel importante na epidemiologia do parasito
(GONDIM et al., 2004).
Na Califórnia, a doença
é considerada a mais importante causa de aborto no rebanho leiteiro. O custo
associado aos abortos por N. caninum na
indústria leiteira da Califórnia foi estimado em 35 milhões de dólares, na Nova
Zelândia em 24 milhões, na Austrália 85 milhões na indústria leiteira e 25
milhões de dólares na indústria de carne (WALKER, 2004). Os custos adicionais
ficam por conta da redução da produção de leite (NOAKES et al., 2001).
Resultados indicam um maior número de
sororeagentes em animais com idade acima de 24 meses quando comparados às
demais faixas etárias e a soroprevalência é maior em bovinos leiteiros em
relação aos bovinos de corte (RAGOZO et al, 2003). DUBEY (2003) relata
prevalências de até 87 %
MATERIAL
E MÉTODOS
As amostras foram
colhidas no município de Barra de São Francisco, localizado na região norte do
Estado do Espírito Santo, Brasil, em julho de 2007. Neste município, foram
contabilizados aproximadamente 29.000 bovinos com aptidão leiteira, segundo
dados do IDAF-ES. Foi utilizado animais em lactação, sem raça definida,
aparentemente sadios e maiores que 24 meses. Colheu-se o sangue na da veia
mamária com agulha hipodérmica 40x12mm e tubo de ensaio sem anti-coagulante. Em
seguida armazenava-se em caixa isotérmica com gelo e, no laboratório,
centrifugava-se a 3.500rpm/10 min. para obtenção do soro que era identificado e
congelado a -30ºC até realização das análises. Foram colhidas 10 amostras por
propriedade totalizando 40 soros bovinos.
Os rebanhos leiteiros
avaliados, selecionados por conveniência, eram criados em regime extensivo e os
animais eram vacinados contra brucelose, raiva e febre aftosa. Em cada
propriedade foi aplicado um questionário para se obter informações
epidemiológicas do local.
As amostras foram
enviadas ao laboratório da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para a
pesquisa de anticorpos anti-Neospora
caninum por meio da técnica de reação de imunofluorescência indireta (IFI)
segundo a metodologia estabelecida pelo laboratório.
RESULTADOS
E DISCUSSÃO
Das 40 amostras
testadas sete animais apresentaram reação positiva ao teste. Portanto, a
prevalência geral detectada foi de 17,5% (7/40; 95%CI: 0,5-34,5%) para a
pesquisa de anticorpos anti-N. caninum
em vacas com idade acima de 24 meses. Quando analisados os resultados por
propriedade, pode-se identificar que na propriedade A, o percentual de animais
positivos foi de 30% (3/10), na propriedade B 0% (0/10) e nas propriedades C e
D, constatou-se uma percentagem de 20% (2/10). Em nenhuma das propriedades
estudadas houve relato de casos esporádicos de abortamentos, inviabilizando
relacionar o enterro de placenta e feto abortados com a inexistência da doença
nas propriedades pesquisadas.
A prevalência de
anticorpos anti-N. caninum
apresentou-se maior nas propriedades onde haviam cães com livre acesso às
pastagens e demais instalações. Este achado corrobora as afirmações de COSTA et
al. (2001) e WALKER (2004) ao relatarem que aspectos da região, ecossistemas e
manejo são fatores que podem beneficiar a ocorrência de infecção pelo N. caninum. WALKER (2004) considera que
a prevalência depende de fatores de risco que podem variar entre fazendas e
regiões como: carnívoros, tipo de alimentação, proximidade com áreas urbanas,
etc. Entretanto, um estudo no Paraná não identificou diferença significativa
quando analisados os aspectos de manejo, produção de leite, problemas
reprodutivos, alimentação, presença de cães, gatos e roedores (OGAWA et al
2005).
A prevalência
encontrada (17,5%) foi semelhante aos resultados encontrados por outros autores
utilizando a técnica de IFI como: 16,83% SP e MG (COSTA et al., 2001); 28,2%
MS; 22,2% PR; 14,7% RJ (RAGOZO et al., 2003); BA 35,9% em búfalos (GONDIM et
al., 2007). No RS a prevalência foi de 11,4% pela técnica de ELISA (VOGEL et
al., 2006).
O contato com animais
selvagens, uma vez que os bovinos tinham acesso às matas e florestas adjacentes
às pastagens, possivelmente, contribuiu com os resultados encontrados nas
propriedades. GONDIM et al. (2004) ao identificarem o aborto pelo parasita em
um rebanho de vacas co-infectadas por Hammondia
heydorni, sugeriram relação com uma população numerosa de gatos selvagens
presentes na região. A detecção de soroprevalência de 39% em lobos, 11% em
coiotes e 13% em alces, contribuem com a constatação da infecção pelo Neospora caninum na população de animais
selvagens.
Embora grande parte dos
abortos ainda permanecerem com etiologia desconhecida, abortos causados por
protozoários têm apresentado relevância mundial, apesar de SANTOS et al. (2005)
ressaltarem que o aborto por N. caninum
parece ser pontencializado pela presença de outros agentes causadores de aborto
como a Leptospirose, BVD, HVB tipo-1.
CONCLUSÕES
Nas condições em que
foi realizado o presente trabalho podemos concluir que: a infecção por N. caninum está presente em 75% (3/4)
dos rebanhos pesquisados, totalizando numa prevalência média de 17,5% (7/40) de
animais soropositivos; fatores de risco como, presença de caninos e contato com
animais selvagens, contribuíram com a prevalência da doença no rebanho; identificou-se
animais soropositivos nas propriedades, mesmo não havendo notificação da
ocorrência de abortos pelos proprietários.
Pesquisas de maior
amplitude e mais aprofundadas merecem ser realizadas no Estado do Espírito
Santo, para que seja demonstrada a real importância desta doença no âmbito da
cadeia produtiva de bovinocultura de leite e corte, permitindo estimar as
perdas econômicas decorrentes da presença deste agente no rebanho. Desta
maneira, a adoção de medidas sanitárias poderão ser justificadas e
implementadas dentro das propriedades.
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