ISOLAMENTO DE TRYPANOSOMA EVANSI EM BOS TAURUS INDICUS NO PANTANAL NORTE, BRASIL

Carlos Eduardo Pereira dos Santos¹, Luiz Carlos Marques², Rosângela Zacarias Machado², Márcia Cristina Alves Teixeira¹

1. Doutorandos do Programa de Clínica Médica Veterinária, UNESP campus de Jaboticabal. São Paulo. Brasil. E-mail: cep.vet@ig.com.br (autor correspondente)
2. Professor titular da Universidade Estadual de São Paulo “Júlio de Mesquita Filho” campus de Jaboticabal. Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias. Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária. São Paulo. Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Bovino, doenças parasitárias, tripanossomíase.

ABSTRACT

ISOLATION OF TRYPANOSOMA EVANSI IN BOS TAURUS INDICUS IN NORTHERN PANTANAL, BRAZIL

A herd of 200 animals, originally raised in cerrado areas, were transferred to Mato Grosso's Pantanal, after which 5 cows died. Previous clinical analysis had shown progressive cachexy – though appetite was maintained, aggressiveness, submandibular edema, incoordination, frequent falls, and recumbency. Hematological results included anemia, leukocytosis, thrombocytosis, and increased platelet aggregation. Direct blood examination, such as thick drop smears and Woo tests, were negative for T. evansi, whereas IIF and PCR tests were positive. A severely affected cow was euthanized in extremis. It had signs of marked cachexy, submandibular edema, infarction of lymph nodes, sternal recumbency, and pleurothotonus. Histological and necropsy findings revealed lymphadenomegaly, splenic lymphoid hyperplasia, and lymph nodes showing immature cells or blasts. Wistar rats were inoculated by intraperitoneal blood injection at the moment of euthanasia and T. evansi strains were isolated. It was not possible to reproduce the clinical disease by inoculating cows with the same strain, although re-isolation of the agent from inoculated rats was achieved up to 30 days after inoculation in the cow. This study reports a case of trypanosomiasis by T. evansi in a symptomatic cow in Northern Pantanal.

KEYWORDS: Bovine, parasitic diseases, trypanosomiasis.

INTRODUÇÃO

Autores apontam que T. evansi é patogênico para a maioria dos animais domésticos e, de maneira geral, os animais mais severamente afetados são os camelos, eqüinos, cães e elefantes asiáticos, sendo a doença mais branda em carneiros e cabras e, geralmente inócua para bovinos e suínos. Entretanto, o grau de patogenicidade desse protozoário apresenta grande variação de acordo com a região e o hospedeiro envolvido (DAVILA, et al., 1999).

Dentre os animais domésticos, os eqüídeos e os cães naturalmente infectados pelo T. evansi, apresentam desenvolvimento evidente da doença. Ovinos, caprinos e bovinos desenvolvem infecções assintomáticas (WELLS, 1984). O sistema muscular parece ser alvo importante do T. evansi (FINOL et al., 2001), pois nos animais infectados há emagrecimento progressivo até caquexia, com perda de tônus muscular caracterizados por movimentos lentos até a incapacidade de sustentação do próprio peso nos membros pélvicos, evoluindo para paraplegias atribuídas às lesões envolvendo o SNC e o muscular (MARQUES et al, 2000; RODRIGUES et al., 2005).

Enfermidade caracterizada por caquexia progressiva, seguido de êxito letal, acometeu caninos e bovinos de um estrato localizado na região de Poconé – MT. Em investigação clínico-patológica acerca dos referidos casos isolou-se de um bovino sintomático, estirpes de T. evansi, que até o momento era considerado não patogênico para esta espécie, sendo o objetivo deste trabalho descrever características epidemiológicas, clínicas e patológicas desta entidade nosológica em Bos taurus indicus.

MATERIAL E MÉTODOS

            Os dados epidemiológicos, clínicos e patológicos, foram subsidiados por visitas a propriedade onde surgiram os casos. Durante as visitas um bovino sintomático foi acompanhado por um período de uma semana e coleta de sangue fora executada por venopunção jugular, com alíquotas acondicionadas em frasco contendo EDTA destinado a hemograma, pesquisa de hematozoário em gota espessa, esfregaços e técnica de WOO (1970), além de alíquotas sem anticoagulante para sorologia. O animal foi eutanasiado in extremis sendo que imediatamente antes 1ml de sangue foi inoculado intraperitonealmente em 04 ratos Wistar mantidos posteriormente em gaiolas visando prova biológica. Seguidamente realizou-se necropsia e coleta de fragmentos de vísceras acondicionadas em formalina a 10% para análise histológica. Amostras de fezes foram colhidas e destinadas a exame de Mc Master.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Um lote de bovinos com idades variando entre 8 a 18 meses, composto por 200 unidades foi adquirido em leilão. Os animais eram procedentes de áreas de cerrado e foram introduzidos em um estrato da região norte do Pantanal de Mato Grosso em fevereiro de 2007. Em março do mesmo ano foi constatada a morte de um animal seguido de cinco outros óbitos que se estenderam até julho de 2007 com a mesma padronização de sintomatologia segundo informações dos tratadores, que envolvia, emagrecimento progressivo, moderadas diarréias, edemas submandibulares, seguidos de quedas freqüentes e inanição até decúbito e morte. Não haviam registros anteriores em bovinos, porém ressalte-se que dois meses precedendo estes óbitos, síndrome clínica similar foi constatada em cães nesta propriedade e no estrato vizinho, com óbitos e constatação de tripanossomíase por T. evansi em quatro animais nos exames complementares. Nenhum relato de ocorrência similar ocorrera em eqüinos nos dois estratos. A temporalidade dos casos é coincidente com maior amplitude de tabanídeos na área e chama atenção este aspecto epidemiológico, pois normalmente a doença é mais agressiva em eqüinos (RODRIGUES et al., 2005). Embora não tenham sido observadas alterações na população de capivaras que ali coabitavam o mesmo ambiente com os animais da propriedade, estas são apontadas como reservatórios principais do agente (MUÑOZ & CHAVEZ, 2001).

  Oportunamente um bovino de aproximadamente 18 meses apontado com os mesmos sinais, apresentava um escore corporal baixo relativo à média do lote, com pelagem irregular e presença de piodermites distribuídas de modo difuso, alerta, porém com movimentos de esquiva desordenados com quedas freqüentes. Evidente edema submandibular e linfadenectasia generalizada foram observados. Dentre os sinais vitais, havia hipertermia e mucosas levemente hipocoradas. As fezes estavam semidiarreicas. O referido animal foi observado por uma semana, ponto em que os sinais se agravaram com animal demonstrando expressiva caquexia permanecendo a maior parte do tempo em decúbito esterno abdominal com pleurotótono e conjuntivite bilateral, não conseguindo manter-se em estação. Estes sinais são compatíveis com tripanossomíases, sendo esta caquexia por vezes associada à atrofia de grandes massas musculares conforme verificado em surtos a campo envolvendo eqüinos no RS (RODRIGUES et al., 2005) e em condições experimentais (MARQUES et al., 2000). Não havia sinais significativos à necropsia exceto por anasarca. Trato gastrintestinal repleto de ingesta aparentemente normal. Esta condição é observada em casos de evolução crônica da enfermidade em eqüinos (MARQUES et al., 2000) e caninos (SOARES et al., 2007). Na microscopia os achados foram inespecíficos, porém, encontrados em outras tripanossomíases.

 As alterações histológicas limitaram-se aos linfonodos com moderada quantidade de macrófagos com citoplasma espumoso nos seios subcapsulares e zonas paracorticais principalmente e contendo células morfologicamente imaturas (blásticas). Havia hiperplasia de folículos linfóides no baço. Estes achados foram verificados por RODRIGUES et al. (2005) em casos naturais envolvendo eqüinos. O mesmo autor aponta que são infrequentes descrições envolvendo histopatologia e necropsias, pois estas técnicas ainda são pouco executadas e julgadas desnecessárias uma vez que se encontram os parasitos circulantes. Por outro lado, parasitas circulantes são escassos quando de uma adaptação à resposta imune, condição comum em caráter subclínico ou de portadores assintomáticos.  No fígado havia agregados multifocais leves com células espumosas, achados comuns em bovinos e normalmente relacionados ao consumo de plantas do gênero Brachiaria. Não foram encontrados ovos de parasita pela técnica de McMaster.

Exames hematológicos revelaram diminuição do hematócrito, fato compatível em condições naturais ou experimentais em outras espécies afetadas por T. evansi (MARQUES, 1996; AQUINO et al., 1999; MENEZES, 2004) por prováveis fenômenos imunosupressivos ou hemolíticos; leucocitose, normalmente associado a infecções, variável com curso clínico (LOSOS, 1980; AQUINO et al., 1999). Havia trombocitose com presença de aglomerados plaquetários e hipoproteinemia discreta. Exames de gota espessa, prova de Woo e pesquisa de hematozoários em diversos esfregaços testaram negativos. Prova biológica testou positiva na totalidade dos animais experimentais (ratos Wistar), sendo que os parasitas foram isolados a partir de 15 dias, e óbitos ocorreram em 30 dias PI ou houve cronificação do processo com sinais também de caquexia. Em face de dificuldade em observar parasitos circulantes decorrentes da cronicidade do processo e mecanismos de evasão dos parasitas, esta prova deveria ser mais amplamente utilizadas em animais a campo com suspeitas, corroborando como mais uma ferramenta de diagnóstico, mesmo porque é uma estirpe de tripanossomos que se replica nestes animais de laboratório, e que têm sido amplamente utilizados em modelos experimentais. Embora não seja considerado patogênico para bovino, esta é uma condição questionável, pairando dúvidas acerca da ocorrência ou mesmo diagnóstico, pois sinais inespecíficos e esporádicos são comuns a diversas enfermidades e invarialvelmente não são investigados com profundidade em rotinas de campo. Condição de estirpe não patogênica, também, se estendia a humanos, porém há um relato de caso na Índia (JOSHI et al., 2005) com envolvimento de síndrome clínica similar e transmitida provavelmente por sangue de animal infectado.

CONCLUSÃO

Os dados clínicos, epidemiológicos e relativos a exames complementares foram consistentes para diagnóstico de T. evansi em bovino infectado naturalmente. Adaptação à região associada a causas multifatoriais como estresse determinado por desmame e transporte podem ter contribuído para expressão clínica, uma vez que não são considerados patogênicos para a espécie, obviamente não descartando co-infecções. Dados a partir da não ocorrência de outros casos e impossibilidade de reprodução experimental do quadro qualificam esta espécie como portadora e fonte de disseminação para outras sendo necessários estudos aprofundados a partir de isolados primários.

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos a CAPES pela concessão da bolsa de estudos Programa PRODOUTORAL

REFERÊNCIAS

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