RAIVA: RELATO DE CASOS CLÍNICOS EM OVINOS

Thiago Sampaio de Souza1, Neydiane Silva Rocha2, Joselito Nunes Costa3,

Byanca Ribeiro Araújo4, Vitor Santiago de Carvalho1 e Juliana Matos Batista4

 

1. Mestrandos em Ciência Animal nos Trópicos, Escola de Medicina Veterinária (EMV), UFBA.

CEP: 40 170-110 Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: thiago_sampaio@hotmail.com (autor correspondente)

2. Aluna do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).

3. Professor Doutor do Departamento de Patologia e Clínicas, EMV/UFBA.

4. Residentes do Centro de Desenvolvimento da Pecuária da EMV/UFBA.

 

PALAVRAS-CHAVES: Doença neurológica, Lyssavirus, ovinos, zoonose.

 

ABSTRACT

 

RABIES: CLINICAL CASES IN OVINES

Rabies is an acute, fatal, viral disease which affects mainly mammals. It is a zoonotic disease of global importance that can cause great economic losses. Therefore, this work discusses cases of ovine rabies. Two animals were attended to at the Clinic for Ruminants of the School of Veterinary Medicine, Universidade Federal da Bahia, presenting different clinical manifestations. After necropsy, fragments of tissues were sent to the Central Public Health Laboratory in Bahia, which confirmed the diagnosis of rabies.

 

KEYWORDS: Lyssavirus, neurologic disease, sheep, zoonosis.

 

INTRODUÇÃO

As enfermidades que acometem o sistema nervoso vêm se tornando cada vez mais importantes na clínica médica de grandes animais. No Brasil, a raiva tem gerado prejuízos incalculáveis à pecuária (BARBOSA et al., 2005). Sua importância é mundial, tanto pelas perdas econômicas, como por tratar-se de uma zoonose de grande relevância na saúde pública (REIS et al., 2003).

Trata-se de uma doença causada por um RNA-vírus envelopado, pertencente ao gênero Lyssavirus, da família Rhabdoviridae, que possui a estrutura do capsídeo em forma helicoidal (QUINN, et al., 2005). É caracterizada por uma encefalomielite aguda e fatal, que pode acometer todos os mamíferos, apresentando variação de suscetibilidade a depender da espécie (LIMA et al., 2005; FERREIRA, 2007).

Devido à diversidade dos sinais clínicos e a exacerbação ou omissão de algumas fases, diz-se que a raiva pode cursar com a forma furiosa ou forma paralítica. Nos herbívoros, a forma paralítica é a mais comum, porém pode ocorrer também a forma furiosa (FERNANDES et al., 2000; MAPA, 2005; BATISTA et al., 2007). O morcego hematófago Desmodus rotundus tem sido o principal reservatório do vírus nas áreas rurais (REIS et al., 2003).

Dessa forma, considerando a importância dessa enfermidade para a saúde pública, este trabalho teve por objetivo descrever casos de raiva em ovinos com diferentes manifestações clínicas.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Dois ovinos foram atendidos na Clínica de Ruminantes do Centro de Desenvolvimento da Pecuária (CDP) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Oliveira dos Campinhos - BA, sem apresentar sinais clínicos e histórico que pudessem fazer suspeitar-se inicialmente de raiva.

O primeiro, uma ovelha de elite da raça Dorper, fêmea, com 14 meses de idade, de ficha clínica 1245, oriunda de uma propriedade de ovinos localizada no município de Feira de Santana – BA, criada em sistema semi-extensivo. Foi recebida com a queixa principal de apatia observada na manhã do dia do atendimento clínico.  A ovelha não apresentava dados de vacinação, havia sido vermifugada há uma semana com moxidectina e foi submetida a procedimento de colheita de embrião há 25 dias.

O outro animal também era uma ovelha, sem raça definida (SRD), com aproximadamente seis meses de idade, de ficha clínica 1366, oriunda de uma propriedade de ovinos localizada em Santo Amaro-BA, criada em sistema semi-extensivo, sem histórico de vacinação. Este animal foi conduzido à Clínica de Ruminantes por ter sido visto em decúbito lateral à tarde, sendo que no mesmo dia pela manhã, segundo o tratador, apresentava-se aparentemente normal, da mesma forma que no dia anterior ao atendimento, quando o animal se movimentava e se alimentava normalmente.

Esses animais foram internados no CDP e submetidos ao exame clínico completo segundo MACHEN et al. (2004). Amostras de sangue foram colhidas após anti-sepsia com álcool iodado, através da punção da veia jugular com agulha descartável, utilizando-se tubos à vácuo com ácido etilenodiaminotetracético (EDTA), para realização de hemograma. Amostras de fezes também foram colhidas para realização de exame parasitológico de fezes.

Após o óbito, os animais foram submetidos à necropsia e colheram-se fragmentos do Sistema Nervoso Central - SNC (corno de Amon, cerebelo, hemisférios cerebrais, bulbo, colículos rostrais e caudais, pedúnculos cerebelares, tálamo, medula e óbex). Os fragmentos foram acondicionados em um coletor de vidro com tampa de rosca, sendo o coletor devidamente identificado e envolvido por sacos plásticos transparentes. As amostras foram mantidas a uma temperatura de -20°C até o envio para o Laboratório Central de Saúde Pública da Bahia (LACEN-BA), onde se realizou teste imunológico e biológico, pelo método de imunofluorescência direta para o diagnóstico da raiva.

 

RESULTADOS

Ao exame físico, o animal 1245 apresentou-se em estação, apático e consciente, com mucosas oculares hipercoradas, linfonodo poplíteo direito aumentado de volume, hipertermia (40.5°C), apetite presente, movimentos ruminais de médios a fracos e fezes pastosas de coloração verde amarronzada. Ainda observou-se taquicardia (126 bpm), taquipnéia (54 mrm), dorso arqueado, tenesmo e exposição parcial da mucosa retal.

Esse animal foi medicado com meloxicam (0,6 mg/kg), prescrito a cada 24 horas por três dias e enrofloxacino (5mg/kg), com intervalo de 48 horas entre uma dose e outra. Além disso, foi realizada fluidoterapia endovenosa com 500 mL de soro fisiológico e 500 mL de soro glicosado a 5%.

O hemograma revelou aumento da concentração sanguínea de fibrinogênio (600 mg/dL) e o exame parasitológico de fezes apontou verminose (2.800 OPG de Strongyloidea) e eimeriose (1.400 OOPG de Eimeria sp.).

Nos dois dias seguintes ao atendimento, a ovelha ainda apresentava-se apática, em estação, com dorso arqueado, mucosas hipercoradas, febre, apetite diminuído, movimentos ruminais fracos, tenesmo, fezes ressecadas com muco, taquicardia e taquipnéia. Deu-se continuidade à terapia implementada, administrando-se ainda oxfendazole (10ml por via oral), suplemento mineral e vitamínico por via oral e dipirona (50mg/Kg) por via intramuscular.

O animal não respondeu satisfatoriamente ao tratamento e foi a óbito três dias após o atendimento, apresentando convulsões tônico-clônicas. O exame necroscópico revelou mucosas aparentemente congestas e um leve prolapso retal. Os pulmões apresentaram superfícies intensamente avermelhadas e escurecidas, fluindo grande quantidade de sangue ao corte do parênquima, além de áreas de enfisema nas bordas. No coração, havia hemorragias dos tipos petequiais e sufusões no epicárdio. Na avaliação do SNC, observaram-se vasos ingurgitados no encéfalo.

Já o animal 1366 também apresentou apatia, mucosas oculares congestas, movimentos ruminais fracos, taquicardia (104bpm) e taquipnéia (36mrm). Entretanto, foi atendido em decúbito lateral, com temperatura de 39°C, demonstrando condição física e estado nutricional ruim. Não apresentou apetite e observou-se ainda secreção nasal catarral bilateral, crepitação pulmonar fina e sensibilidade superficial diminuída.

Foi implementada fluidoterapia endovenosa com soro glicosado a 5% e administrou-se vitamina B1 (tiamina) por via endovenosa (0,5g). Entretanto, o animal foi a óbito poucos minutos após estes procedimentos, apresentando sialorréia e opistótono. No hemograma, não foram observadas alterações. O exame necroscópico revelou apenas edema pulmonar.

Através da metodologia de imunofluorescência direta, utilizando-se os fragmentos do SNC colhidos após a necropsia das duas ovelhas, foi diagnosticado raiva pelo LACEN-BA.

 

DISCUSSÃO

Este relato abordou dois casos de raiva em duas ovelhas, uma da raça Dorper com 14 meses de idade e outra SRD, com seis meses de idade. De acordo com RADOSTITS et al. (2002), todos os animais de sangue quente apresentam suscetibilidade, havendo variação de acordo com a espécie, sem predisposição com relação a raça, sexo e idade, sendo que caprinos e ovinos possuem suscetibilidade moderada ao vírus.

Os dois ovinos apresentaram apatia e inapetência. O animal 1245 ainda apresentou febre, tenesmo e fezes ressecadas com muco, que segundo RADOSTITS et al. (2002) são sinais clínicos comumente observados. Entretanto, manteve-se em estação até o último dia, o que também foi observado por GOMES (2004) em um estudo sobre a epidemiologia da raiva.

A apatia é uma alteração que costuma anteceder as manifestações mais típicas, aparecendo no início do quadro, na fase prodrômica (BATISTA et al., 2007). Num estudo desenvolvido por LIMA et al. (2005), foram avaliados quatro casos de raiva em ovinos, onde um animal apresentou apatia. Segundo estes autores, tal alteração é decorrente de lesões localizadas no cérebro.

De acordo com RIET-CORREA et al. (2002) e BATISTA et al. (2007), o tenesmo é um achado frequente em ruminantes devido ao comprometimento de nervos lombares e sacrais. RADOSTITS et al. (2002) afirmam que sua ocorrência  costuma ser tardia, considerando-o como um achado característico, mas que pode ser transitório ou ausente. No entanto, no animal 1245, foi observado que esta alteração se manifestou no início do quadro, permanecendo até o dia do óbito e não foi observada no outro ovino.

Outro sinal manifestado pelo animal 1245 foi a hipertermia, que se manteve durante todo o quadro clínico. Segundo RIET-CORREA et al. (2002), lesões no hipotálamo podem causar distúrbios na regulação da temperatura. De acordo com RADOSTITS et al. (2002), alterações na temperatura corporal podem ocorrer nos estágios inicias da raiva devido à atividade muscular.

Após a confirmação do diagnóstico, os proprietários foram notificados de imediato e orientados a procurar o serviço médico especializado visando a imunoprofilaxia das pessoas que tiveram contato direto e indireto com os animais. A raiva é considerada como uma das mais importantes zoonoses, devido à sua alta letalidade e por apresentar ampla distribuição geográfica, além de influenciar economicamente a pecuária causando grandes prejuízos.

 

CONCLUSÕES

A confirmação de casos positivos de raiva em ovinos com diferentes cursos clínicos ressalta a importância da utilização de equipamentos de proteção individual quando do exame clínico de animais e a realização do controle da doença nesses rebanhos, através da vacinação e eliminação dos morcegos hematófagos.

 

REFERÊNCIAS

BARBOSA, J. D.; OLIVEIRA, C. M. C.; DUARTE, D. M.; ALBERNAZ, T. T. Intoxicações com manifestações neurológicas em ruminantes. In: SIMPÓSIO MINEIRO DE BUIATRIA. 2. 2005, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Buiatria, 2005.

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FERNANDES, C. G. Raiva. In: SCHILD, A. L.; RIET-CORREA, F.; MÉNDEZ, M. C.; LEMOS, A. A. Doenças de ruminantes e equinos. Santa Maria: Paloti, v. 2, p. 349-361. 2000.

FERREIRA, R. S. Levantamento epidemiológico da raiva no estado de Minas Gerais, no período de 2002 a 2006. 2007. 100f. Dissertação (mestrado em Ciência Animal) - Instituto de Ciências Agrárias, Universidade José do Rosário Vellano. Alfenas (MG). 2007.

GOMES, A. A. Epidemiologia da raiva: caracterização de vírus isolados de animais domésticos e silvestres do semi-árido paraibano da região de Patos, Nordeste do Brasil. 2004. 107f. Tese (Doutorado em Medicina Veterinária) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2004.

LIMA E. F.; CORREA, F. R.; CASTRO R. S.; GOMES, A. A. B.; LIMA, F. S. Sinais clínicos, distribuição das lesões no sistema nervoso e epidemiologia da raiva em herbívoros na região nordeste do Brasil. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4, p. 250-264. 2005.

MACHEN, M. R.; WALDRIDGE, B. M.; CEBRA, C.; CEBRA, M.; BELKNAP, E. B.; WILLIAMSON, L. H.; PUGH, D. G. In: PUGH, D. G. Clínica de ovinos e caprinos. São Paulo: Roca, p. 311-352, 2004.

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RADOSTITIS, O. M.; GAY, C. C.; BLOOD, D. C.; HINCHCLIFF, K .W. Clínica veterinária: um tratado de doenças dos bovinos, ovinos, suínos, caprinos e equinos. 9.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1077-1083 p. 2002.

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