LINFADENITE CASEOSA EM REBANHOS OVINOS NO ESTADO DE MINAS GERAIS, BRASIL: PREVALÊNCIA E INFORMAÇÕES DE MANEJO

 

Alessandro de Sá Guimarães1; Núbia Seyffert2, Aurora Maria Guimarães Gouveia3, Andrey Pereira Lage3, Ricardo Wagner Dias Portela4, Roberto Meyer4, Vasco Ariston de Carvalho Azevedo5, Filipe Borges do Carmo1, Juliano César Minardi Cruz1,Marcos Bryan Heinemann6

 

1. Médico Veterinário, doutorando da Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.

2. Médico Veterinário, doutoranda do Instituto de Ciências Biológicas, UFMG.

3. Médico Veterinário, MSc, DSc, Professor da Escola de Veterinária, UFMG.

4. Médico veterinário, Dr., Prof. do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal da Bahia, – UFBA.

5. Médico Veterinário, MSc, DSc, Professor do Instituto de Ciências Biológicas, UFMG.

6. Médico Veterinário, MSc, DSc, Professor, Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Av. Antônio Carlos 6627, Caixa Postal 567, CEP 30123-970, Belo Horizonte, MG Fone: +55 31 3221-6966.

E-mail: mabryan@vet.ufmg.br (autor correspondente)

 

PALAVRAS-CHAVE: Corynebacterium pseudotuberculosis, epidemiologia, ovinos

 

ABSTRACT

 

CASEOUS LYMPHADENITIS IN SHEEP FLOCKS FROM MINAS GERAIS, BRAZIL: PREVALENCE AND MANAGEMENT SURVEYS

Corynebacterium pseudotuberculosis (Cp) is the etiological agent of caseous lymphadenitis (CL) and an economically important disease that affects sheep. Seroprevalence of pseudotuberculosis and risk factors associated with CL were studied in sheep herds from Minas Gerais, Brazil. Blood samples were collected from 642 sheep from 97 flocks and sera was tested for antibodies by ELISA. A questionnaire was applied in order to gather information about the farm, flock, and animals, such as breed, sex and age. This is the first seroepidemiological survey for CL in sheep flocks from Minas Gerais. Estimated animal prevalence was 70,9% (95% CI: 64,7 - 77,0%) and prevalence of infected flocks was 95,9% (95% CI: 89,8 - 98,9%). These values were considerably higher than those predicted in the questionnaire. Seropositivity frequency in sheep sera varied significantly depending on breed (P=0,021), and age (P=0,049), and the highest rates were observed in animals older than 12 months.

KEYWORDS: Corynebacterium pseudotuberculosi, epidemiology, sheep

 

INTRODUÇÃO

A linfadenite caseosa (LC) é uma doença crônica supurativa que afeta principalmente caprinos e ovinos e tem como agente etiológico o Corynebacterium pseudotuberculosis. Causas consideráveis prejuízos econômicos como condenação de peles e carcaças por abscessos, até perdas expressivas em eficiência na reprodução, na produção de lã, carne e leite. Infecções subclínicas também são importantes, pois possibilitam a disseminação do C. pseudotuberculosis intra- e inter-rebanhos. A dificuldade de erradicá-la decorre da fraca resposta aos antibióticos, da habilidade do agente em persistir no meio ambiente e das limitações em detectar animais infectados pelos sinais clínicos ou testes sorológicos (WILLIAMSON, 2001).

Poucos são os inquéritos epidemiológicos realizados no Brasil (SILVA et al, 1982; TINÔCO, 1983, GUIMARÃES, 2006) e não foram encontrados relatos anteriores de evidência sorológica de LC em Minas Gerais.

Esse estudo teve como objetivos determinar a soroprevalência da infecção por C. pseudotuberculosis em ovinos em Minas Gerais e os possíveis fatores de risco relacionados com a LC.

 

MATERIAL E MÉTODOS

A amostragem foi realizada em dois níveis, propriedades e animais. Para a determinação do número de rebanhos a serem estudados foi utilizada amostragem simples empregando a prevalência crítica (50%), com intervalo de confiança de 95% e erro de 15% (NOORDHUIZEN et al., 1997). A partir da lista conjunta de propriedades da Associação dos Criadores de Caprinos e Ovinos de Minas Gerais (Caprileite/ACCOMIG) e do órgão governamental de defesa sanitária, Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), foram sorteados 97 rebanhos de ovinos, oito animais por propriedade (total 776) de nove das doze mesorregiões de Minas Gerais.

Questionário previamente testado (PINHEIRO et al., 2000) foi aplicado em cada rebanho, para a obtenção de dados da propriedade, do criador e características individuais (características raciais, sexo, idade). Os questionários foram aplicados e os soros coletados em 2002, por veterinários do IMA.

O ELISA indireto para realizado segundo (CARMINATTI et al., 2003). A sensibilidade e especificidade agregadas foram calculadas empregando-se o programa Herdacc (Jordan, D.; Guelph, Ontario, Canada) (JORDAN, 1996). A distribuição da frequência de soropositivos foi correlacionada com variáveis individuais (sexo, idade, grupo racial) por meio do teste de qui-quadrado e empregando-se um erro α de 0.05, com os programas Epi-Info 6.04 (DEAN et al., 1995) e WinEpiscope® 2.0 (NOORDHUIZEN et al., 1997).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Este é o primeiro estudo soroepidemiológico para a LC em rebanhos ovinos em Minas Gerais e demonstra que a prevalência é alta, com soropositividade de 70,9%. Isto contrasta com as informações obtidas pelo questionário que mostram a ausência de vacinação contra a linfadenite caseosa na amostra estudada, pois nenhum ovinocultor afirmou vacinar contra LC e 11 (11,3%) declararam ter a doença no rebanho. Além disso, como a sensibilidade e especificidade do ELISA empregado são altas (CARMINATTI et al., 2003) e o teste pode detectar a infecção em animais em estágios iniciais da doença, antes que os abscessos fiquem evidentes, muitos animais infectados poderiam se apresentar sem sinais clínicos que evidenciassem a doença aos proprietários. Isso comprova que a doença é negligenciada nesses rebanhos ou que há falta de informação sobre ela para os criadores. Além disso, o período de incubação longo (até 180 dias) e a ocorrência da forma visceral, detectada somente por testes sorológicos, no exame post-mortem ou no abate, contribuem para a menor percepção da doença no rebanho, com consequente maior facilidade de disseminação do agente.

Das propriedades amostradas, 95,9% (93/97) apresentaram pelo menos um animal positivo, demonstrando que quase a totalidade das propriedades amostradas possui animais infectados por C. pseudotuberculosis e dos 94 municípios amostrados, 90 (95,7%) apresentaram pelo menos uma propriedade positiva, indicando que o agente está disseminado uniformemente por todo o Estado. A caracterização, neste estudo, de focos de linfadenite caseosa a partir do encontro de apenas um animal infectado no rebanho foi possível pela alta sensibilidade e especificidade de rebanhos calculadas em função das características do teste diagnóstico e dos níveis de prevalência esperados e observados (JORDAN, 1996).

No Brasil, somente dois imunógenos comerciais estão disponíveis e a vacinação sistemática de ovinos contra o agente da LC é prática pouco utilizada, visto que nenhum produtor entrevistado afirmou utilizar essa vacina. Pode-se supor que um programa de controle da doença baseado na vacinação de animais possa ser de grande valia para a redução das prevalências de infecção por C. pseudotuberculosis no Estado.

         Não houve diferença significativa na frequencia de ovinos infectados entre os sexos (χ2 = 0,75, gl = 1, P = 0,386), concordando com o observado por Silva et al (1982) que demonstraram que o C. pseudotuberculosis acomete igualmente machos e fêmeas.

Os animais foram agrupados em puro exótico (Texel, Sulfolk e Merino), puro nacional (Morada Nova, Somalis, Santa Inês), mestiço (cruzamentos entre raças nacionais ou exóticas) e SRD (sem raça definida) para a realização das análises. A frequencia de animais soropositivos nos diferentes grupos raciais foi diferente (χ2 = 9,78, gl = 3, P = 0,021) e estas diferenças foram observadas entre os grupos puro nacional e mestiços (χ2 = 4,34, gl = 1, P = 0,037) e puro nacional e SRD (χ2 = 7,51, gl = 1, P = 0,006). A raça Santa Inês e o grupo sem raça definida são os componentes raciais principais do rebanho ovino mineiro, em grande parte composto por animais procedentes da região Nordeste do Brasil (ARCO, 2008), onde a incidência de LC é alta e a cocriação de ovinos e caprinos é frequente (TINÔCO, 1983; PINHEIRO et al, 2000).

Também houve diferença significativa na frequência de animais reagentes nas faixas etárias estudadas (χ2 = 6,04, gl = 2, P = 0,049), sendo maior o número de animais soropositivos dentre os animais adultos (faixa etária acima de 12 meses) quando comparada ao animais na faixa etária compreendida entre 5 e 12 meses (χ2 = 5,36, gl = 1, P = 0,021).

Os potenciais fatores de risco, selecionados pela influência na epidemiologia da LC, foram: não identificação individual de animais (razão de prevalência 1,060), ausência de assistência técnica (1,064), participação em exposições (1,067) e sistema de criação extensivo/semi-extensivo (1,082), porém essas variáveis não devem ser consideradas como reais fatores de risco, pois as razões de prevalência só foram marginalmente superiores a 1 e, para uma delas, ausência de assistência técnica, o intervalo de confiança da razão de prevalência incluiu a unidade (NOORDHUIZEN et al. 1997; MEDRONHO, 2003). Estes resultados podem se dever ao tipo de estudo realizado, transversal, que não é o melhor desenho experimental para se identificar fatores de risco e à alta prevalência de focos encontrada, pois somente quatro rebanhos não apresentaram animais infectados (MEDRONHO, 2003). Mesmo não tendo sido significativamente identificadas como fatores de risco para linfadenite caseosa nos rebanhos ovinos do Estado de Minas Gerais, mudanças nos níveis de manejo nas variáveis com razão de prevalência ligeiramente superiores a 1 podem ajudar no controle da doença. A correta identificação dos animais propicia um melhor controle do produtor sobre o rebanho, pois permite a separação de animais infectados e a introdução de práticas específicas de controle da linfadenite caseosa. Para isto se faz necessária a atuação do técnico no estabelecimento e monitoramento do programa de controle da LC para cada propriedade, bem como no treinamento e educação sanitária dos recursos humanos envolvidos. A participação em exposições e leilões é sempre um risco para a introdução da LC na propriedade.

 

CONCLUSÃO

Pode-se concluir que a linfadenite caseosa está amplamente disseminada no rebanho ovino do mineiro e é negligenciada pela maioria dos criadores, favorecendo o caráter endêmico da doença no Estado.

 

AGRADECIMENTOS

Este trabalho contou com o suporte financeiro da Fapemig, do IMA, do CNPq e da FEP-MVZ Coordenação Preventiva. ASG, AVCA, APL são bolsistas do CNPq.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARMINATI, R., BAHIA, R., COSTA, L. F. M, PAULE, B. J. A., VALE, V. L., REGIS, L., FREIRE, S. M., NASCIMENTO, I., SCHAER, R., MEYER, R.. Determinação da sensibilidade e da especificidade de um teste de ELISA indireto para o diagnóstico de linfadenite caseosa em caprinos. Revista de Ciências Médicas e Biológicas, Salvador, v. 2, n. 1, p. 88-93, 2003.

DEAN, A. G.; DEAN, J. A.; BURTON, A. H.; DICKER, R. C.. Epi info, version 6: A word processing, database and statistic program for epidemiology on micro-computers. Center for Disease Control, Atlanta, Geórgia, 1995.

GUIMARÃES, A. S. Caracterização da caprinovinocultura em Minas Gerais. 84p. 2006. Dissertação (Mestrado) - Escola de Veterinária, Universidade Federal Minas Gerais, Belo Horizonte.

JORDAN, D. Aggregate testing for the evaluation of Johne's disease herd status, Australian Veterinary Journal, Brunswick, v. 73, p. 16-19, 1996.

MEDRONHO, R. A.; CARVALHO, D. M.; BLOCH, K. V.; LUIZ, R. R.; WERNECK, G. L. Epidemiologia. São Paulo: Atheneu, 2006. 493p.

NOORDHUIZEN, J. P. T. M.; FRANKENA, K.; VAN DER HOOFD, C. M.; GRAAF, E. A. M. Application of quantitative methods in veterinary epidemiology. Wageningen: Wageningen Pers, 1997. 445p.

PINHEIRO, R. R.; GOUVEIA, A. M. G.; ALVES, F. S. F.; HADDAD, J. P. Aspectos epidemiológicos da caprinocultura cearense. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, Belo Horizonte, v. 52, n. 5, p. 534-543, 2000.

SILVA, S. F., SANTOS, A. F., LAUZER J. J., COSTA, D. F. Linfadenite caseosa em ovinos abatidos na região de Campanha do Rio Grande do Sul. Revista do Centro de Ciências Rurais, Santa Maria, v. 12, n. 2-3, p. 149 – 154, 1982.

TINÔCO, A. L. A. Diagnóstico de situação da ovino/caprinocultura em três municípios do sertão baiano – Euclides da Cunha, Quijingue, Monte Santo – Bahia, 1981/1982. Belo Horizonte: Escola de Veterinária da UFMG, 13p. (Seminário), 1983.

WILLIAMSON, L. H. Caseous lymphadenitis in small ruminants; Veterinary Clinics of North America: Food Animal Practice, Philadelphia, v. 17, p. 359–371, 2001.