ANTICORPOS DE ORIGEM COLOSTRAL EM BEZERROS CONTRA O CLOSTRIDIUM CHAUVOEI

 

Rafael Ferreira de Araujo1, Vera Cláudia Lorenzetti Magalhães Curci2, Iveraldo dos Santos Dutra3

1. Médico Veterinário, MSc, Pós-graduando nível de doutorado do Curso de Medicina Veterinária área de Medicina Veterinária Preventiva, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus Jaboticabal – E-mail: rafaelvetxuxa@bol.com.br (autor correspondente)

2. Médica Veterinária, MSc, PhD, Pesquisadora Científica da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), Secretaria da Agricultura (SP), Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento de Araçatuba.

3. Médico Veterinário, PhD, Livre-docência, Laboratório de Enfermidades Infecciosas dos Animais Domésticos, Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Araçatuba

 

PALAVRAS-CHAVE: Bovinos, carbúnculo sintomático, doenças infecciosas, imunidade passiva.

 

ABSTRACT

 

COLOSTRAL ANTIBODIES AGAINST CLOSTRIDIUM CHAUVOEI IN CALVES

Blackleg is a cosmopolitan disease that causes major economic losses in livestock production. It mainly affects young cattle of 6 months and 2,5 years old due to the fact that, at this time, there is a reduction in antibody levels and animals are more vulnerable to the disease. This study evaluates colostral antibodies against Clostridium chauvoei in calves by an ELISA test with reference and field strains as antigens. Mother cows had been vaccinated with two commercial polyvalent vaccines at least 2 months before calving and received a booster after 42 days. The animals were randomly allotted to three groups (V2, V3, and control group) and serum samples were taken at 7 (± 2), 45 and 90 days of age. Results show the importance of the mother cow's vaccination a few months before calving because of colostral transfer of antibodies for protective immunity of the neonate against diseases. Furthermore, serological responses of calves were significantly lower when the field strain was used as antigen.

 

KEYWORDS: Blackleg, cattle, infectious diseases, passive immunity.

 

INTRODUÇÃO

O Clostridium chauvoei é o agente etiológico do carbúnculo sintomático. Essa clostridiose é uma enfermidade infecciosa e não contagiosa caracterizada por uma miosite necrosante. A moléstia é cosmopolita e responsável por perdas econômicas, predominando sua incidência no gado jovem de 6 meses e 2,5 anos de idade, quando ocorreriam as condições favoráveis, associadas à redução do título de anticorpos séricos (KRIEK & ODENDAAL, 2004).

A imunização contra o carbúnculo sintomático é uma medida profilática das mais importantes na bovinocultura mundial, sendo executada desde o século XX (ROGERS & SWECKER, 1997). A melhora da imunidade ativa dos bovinos por meio da vacinação visa o aumento dos valores de anticorpos séricos. Essa medida traz benefícios diretos à imunidade passiva, pois eleva significativamente a proteção dos bovinos jovens por meio de anticorpos passivos transferidos pelo colostro. Uma indicação prática para exacerbar a imunidade passiva seria aumentar os valores de anticorpos colostrais das vacas (mães) utilizando-se da vacinação antes do parto.

Entretanto, em diversas regiões do Brasil têm sido registrados surtos de carbúnculo sintomático, em bovinos com idade inferior a 6 meses. Essa situação indica uma eventual falha de ingestão do colostro pelo bezerro, esquemas de vacinação das vacas inapropriados ou até mesmo variações antigênicas entre as cepas vacinais e as de campo. Nesse sentido, o presente trabalho teve por objetivo mensurar, pelo teste de Elisa, os valores de anticorpos colostrais em bezerros contra o Clostridium chauvoei, empregando-se duas vacinas comerciais polivalentes e duas cepas distintas da bactéria como antígeno para avaliação sorológica.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foram avaliados sorologicamente 36 bezerros recém-nascidos da raça Nelore, cujas mães foram vacinadas contra o carbúnculo sintomático pelo menos dois meses antes da parição e receberam um reforço 42 dias após, com duas vacinas comerciais polivalentes (V2, n=12 e V3, n=12). Como controle (n=12), foi avaliado sorologicamente bezerros filhos de vacas não vacinadas.

As amostras de sangue foram coletadas dos bezerros aos 7 (±2), 45 e 90 dias após o nascimento através de punção da veia jugular externa, com auxílio de tubos Vacuntainer® e mantidas a temperatura ambiente até a retração completa do coágulo. Posteriormente, foram centrifugadas para obtenção do soro que permaneceu congelado (-20ºC) até o momento de sua utilização no teste sorológico.

A presença de anticorpos séricos contra o Clostridium chauvoei foi mensurada pelo teste de Elisa (CRICHTON et al., 1990) utilizando-se duas cepas distintas como antígenos: a cepa de referência (MT) fornecida pelo MAPA e a cepa de campo (SP) isolada de surto natural, devidamente identificada pelo método de reação em cadeia de polimerase (PCR) e mantida na bacterioteca do Laboratório de Enfermidades Infecciosas dos Animais, no Departamento de Apoio Produção e Saúde Animal, Unesp, Campus de Araçatuba. A comparação entre os tratamentos e as vacinas foi realizada pelo teste de Tukey.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Houve uma redução significativa (p<0,05) dos valores de anticorpos passivos dos bezerros, quando avaliados aos 45 e 90 dias após o nascimento. Não houve diferença entre as duas vacinas polivalentes avaliadas.

A avaliação da resposta sorológica passiva dos bezerros, nascidos de vacas vacinadas contra o Clostridium chauvoei pelo menos 30 dias antes do parto, revelou valores significativamente superiores aos bezerros cujas vacas não receberam a vacinação. Esses resultados são similares aos descritos por TROXEL et al (1997).

Entretanto, esses anticorpos colostrais diminuem significativamente no transcorrer de três a quatro meses (SCHIPPER et al., 1978; TROXEL et al., 2001). De fato, a estratégia da imunização natural passiva pelo colostro deve ser viabilizada operacionalmente em nível de rebanho, pois existe uma variação do tempo gestacional das vacas em sistema extensivo de pecuária de corte. Em tal situação deve-se considerar ainda a possibilidade de interferência entre a imunização ativa aos três meses de idade e os anticorpos de origem colostral.

Na análise dos valores obtidos pelos grupos aos sete dias de vida, foi verificada uma correlação linear entre os dias de vacinação das mães antes do parto e o nascimento dos bezerros. À medida que transcorreu mais tempo da vacinação das mães até o parto, menores foram os valores de anticorpos de origem materna detectados nos bezerros. Assim, a imunização das mães deve ser executada o mais próximo ao parto, com o intuito de elevar os valores de anticorpos passivos detectados nos bezerros. Sob esse aspecto, torna-se relevante a vacinação das fêmeas reprodutoras pelo menos 30 dias antes da parição (segunda dose).

A resposta sorológica passiva do grupo controle apresentou-se significativamente inferior (p<0,05) quando o antígeno empregado no teste de Elisa foi elaborado com a cepa de campo (SP). Esses resultados também foram demonstrados por SANTOS (2003), porém a cepa de campo (SP) foi empregada no teste de potência em cobaias.

Devido à ausência de conhecimentos técnico-científicos quanto à presença do antígeno O somático termoestável e do antígeno H flagelar termolábil na composição estrutural das cepas de Clostridium chauvoei, há uma dificuldade no processo de fabricação das vacinas quanto a sua potência e capacidade de estimular uma imunização aos animais de forma satisfatória quando estes são desafiados pelas cepas de campo, pois se acredita que esses antígenos sejam responsáveis pela imunogenicidade das cepas (MOUSSA, 1959).

A vacinação empregando-se cepas homólogas protege melhor contra o desafio homólogo do que contra o desafio heterólogo, pois algumas cepas induzem imunidade com maior espectro de proteção que outras (KERRY, 1967).

 

CONCLUSÕES

Analisando-se os resultados do presente estudo é possível afirmar que: independente das vacinas empregadas na imunização ativa das mães, a resposta sorológica passiva dos bezerros é similar até os três meses de idade; há uma correlação linear da resposta sorológica passiva dos bezerros com a data de vacinação das mães e o dia do parto; e a resposta sorológica dos bovinos é significativamente inferior quando se emprega a cepa de campo (SP) como antígeno. Assim, ressalta-se a importância da vacinação das mães próximo ao parto para assegurar a transferência de anticorpos colostrais capazes de garantir uma imunidade protetora frente a desafios naturais em bovinos com idade inferior a seis meses. Além disso, torna-se necessário a introdução de cepas de campo regionais no processo de fabricação das vacinas e a melhoria da vigilância epidemiológica.

 

REFERÊNCIAS

CRICHTON, R.; SOLOMON, J.; BARTON, A. M. The development of an Enzyme-linked immunosorbent assay for measuring the potency of vaccines cointaing Clostridium chauvoei antigens. Biologicals, London, v. 18, p. 49-54, 1990.

KERRY, J. B. Immunological differences between strains of Clostridium chauvoei. Research in Veterinary Science, London, v. 8, p. 89-97, 1967.

KRIEK, N. P. J.; ODENDAAL, M. W. Clostridium chauvoei infections. In: COETZER, R.; TUSTIN, R.C. Infectious diseases of livestock. Cape Town. Oxford Press, vol 3, p. 1856-1862, 2004.

MOUSSA, R. S. Antigenic formulae for Clostridium septicum and Clostridium chauvoei. Journal of Pathology and Bacteriology, Edinburgh, v. 77, p. 341-350, 1959.

ROGERS, G. M.; SWECKER, W. S. JR. Clostridial vaccines: timing and quality assurance. Food Animal, p. 278-285, 1997.

SANTOS, B. A. Avaliação da eficácia em cobaias de imunógenos contra carbúnculo sintomático em uso no Brasil. 2003, 35f. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária Preventiva,) - Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal.

SCHIPPER, I. A.; KELLING, C. L.; MAYER, J.; PFEIFFER, N. W. Effects of passive immunity on immune response in calves vaccinated against Clostridium chauvoei infection (blackleg). Veterinary Medicine/Small Animal Clinician, Lenexa, v. 73, p. 1564-1566, 1978.

TROXEL, R.; BURKE, G.L.; WALLACE, W. T.; KEATON, L. W.; McPEAKE, S. R.; SMITH, D.; NICHOLSON, I. Clostridial vaccination efficacy on stimulating and maintaining an immune response in beef cows and calves. Journal of Animal Science, Champaign, v. 75, p. 19-25, 1997.

TROXEL, R.; GADBERRY, M. S.; WALLACE, W. T.; KREIDER, D. L.; SHOCKEY, J. D.; COLBURN, E. A.; WIDEL, P.; NICHOLSON, I. Clostridial antibody response from injection-site in lesions in beef cattle, long-term response to single or multiple dose, and response in newborn beef calves. American Society of Animal Science, v. 79, p. 2558-2564, 2001.