FREQUÊNCIA DE ANTICORPOS CONTRA O VÍRUS DA DIARRÉIA VIRAL BOVINA (BVDV) EM BOVINOS LEITEIROS NÃO VACINADOS NA BACIA LEITEIRA DA ILHA DE SÃO LUÍS-MA

 

Vanessa Evangelista de Sousa1, Nancyleni Pinto Chaves2, Danilo Cutrim Bezerra3, Hamilton Pereira Santos4 e Hélder de Moraes Pereira5

 

1. Acadêmica do Curso de Medicina Veterinária, Universidade Estadual do Maranhão

2. Médica Veterinária, MSc, Universidade Estadual do Maranhão

3. Pós-graduando, Mestrado em  Ciências Veterinárias (MCV), Universidade Estadual do Maranhão

4. Médico Veterinário, MSc, Prof. da disciplina de doenças bacterianas, Universidade Estadual do Maranhão

5. Médico Veterinário, Doutor, Professor da disciplina clínica médica e terapêutica de Ruminantes, Departamento das Clínicas, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), CEP 65055-970 – São Luís-MA. E-mail: helderpereirap@yahoo.com.br (autor correspondente)

 

PALAVRAS-CHAVE: Doenças infecciosas, ELISA indireto, viroses.

 

ABSTRACT

 

PREVALENCE OF NEUTRALIZING ANTIBODIES AGAINST BOVINE VIRAL DIARRHEA VIRUS (BVDV) IN DAIRY CATTLE RAISED ON THE ISLAND OF SÃO LUÍS, MARANHÃO

This study assesses the frequency of antibodies against bovine viral diarrhea virus (BVDV) in dairy cattle raised on the island of Sao Luís, Maranhão. Blood samples from 156 cows that were not vaccinated against BVDV were analyzed by indirect ELISA. The research was carried out in 16 dairy farms located in 4 different municipalities. An epidemiological questionnaire was used during sample collection period to find out which factors could be associated with the infection. Seropositive results were detected in all 4 municipalities and farms. This is the first report of BVDV on the island of São Luís.

 

KEYWORDS: Indirect Elisa, infectious diseases, virosis.

 

INTRODUÇÃO

A diarréia viral bovina (BVD) é uma das doenças mais importantes dos bovinos. O agente etiológico é um RNA vírus da família Flaviviridae, gênero Pestivírus, espécies BVD-1 e BVD-2 e biotipos citopatogênico (CP) e não-citopatogênico (NCP). O vírus é altamente infeccioso e apresenta instabilidade do material genético o que confere variação antigênica, genotípica e biotípica ao vírus (ICTV, 200).

A infecção pelo BVDV pode resultar em grande variabilidade de sinais clínicos associados a enfermidades reprodutiva, respiratória ou digestiva (diarréia viral bovina, BVD), doença das mucosas (DM) e BVD agudo-hemorrágica. Tradicionalmente, as manifestações da infecção são apresentadas em três categorias: infecção pós-natal ou BVD, infecção fetal e doença das mucosas (DM) (BROWNLIE, 1990).

O vírus pode ser transmitido através da saliva, secreções nasal, ocular, urina, fezes, sêmen, embrião, placenta, fômites contaminados e sangue. Os animais se infectam de duas maneiras, pela infecção pós-natal de bovinos que não tiveram exposição prévia ao vírus ou pela infecção fetal durante a gestação. Quando a infecção fetal ocorre entre 90 a 120 dias de gestação produzirá imunotolerância ao vírus e o nascimento de animais persistentemente infectados (PI). Esse animal desenvolverá a doença das mucosas sendo a fonte de infecção mais importante em um rebanho (HOUE, 1999).

Na maioria dos países a BVD é endêmica, com soroprevalência de 50% a 90%, (HOUE, 1999). A infecção pelo BVDV está amplamente difundida no rebanho bovino brasileiro. Isolamentos do vírus foram realizados nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul e nos estados de São Paulo (78%), Rio de Janeiro (71%), Minas Gerais (61%), Goiás (54%), Mato Grosso do Sul (43%), Rio Grande do Sul (73%), Paraná (67%), Bahia (56%), Pernambuco (70%) e Sergipe (64%), os resultados sorológicos comprovam que o vírus está disseminado na população bovina (VIDOR, 1974; DIAS & SAMARA, 2003).

Deste modo, considerando-se a importância que a BVD possui nos rebanhos bovinos, principalmente aqueles voltados à exploração leiteira, o trabalho foi realizado com o objetivo de estabelecer a frequência de anticorpos anti-BVDV nos rebanhos bovinos da bacia leiteira da Ilha de São Luís, estado do Maranhão.

 

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado na bacia leiteira da Ilha de São Luís (municípios de Paço do Lumiar, São José de Ribamar, São Luís e Raposa). Inicialmente foram realizados sorteios para determinar quais propriedades deveriam ser amostradas. O tamanho amostral determinado foi de 156 animais, utilizando uma expectativa de prevalência de 70%, margem de erro de 3% e um nível de confiança de 95% (STEVENSON, 1981).

Alguns critérios foram considerados por ocasião da escolha das propriedades, entre eles sistema de criação semi-intensivo, condições de manejo e nutrição semelhantes e sem histórico de vacinação anterior para BVD. Com essas características, foi possível selecionar 16 propriedades. Em cada propriedade foi aplicado questionário epidemiológico para obter informações referentes às propriedades e aos animais estudados, como idade, produção de leite/dia, alterações reprodutivas e assistência veterinária.

O sangue foi coletado de fêmeas bovinas pela punção da veia jugular, com agulhas descartáveis e sistema de vácuo, em tubos esterilizados. O soro foi separado do sangue total por centrifugação a 250 x g, durante 15 min. Em seguida, as amostras foram acondicionadas em microtubos e estocados à temperatura de -20°C até o momento do uso. A detecção qualitativa de anticorpos anti-BVDV foi realizada mediante a técnica de ELISA, conforme descrito por Howard et al. (1985) utilizando o reagente (CHEKIT BVD – SERO - Dr. BOMMELI AG / Liebefeld – Bern – Swiss) comercial de ELISA indireto (I-ELISA).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O presente estudo sorológico revelou que 67,30% (n=105) das amostras analisadas apresentaram anticorpos anti-BVDV. Essa frequência, por sua vez, está de acordo com as estimativas de prevalência de anticorpos que varia entre 50% a 90% (BROWNLIE, 1990; HOUE, 1999). Ao contrário das afirmações feitas por muitos profissionais ligados à pecuária bovina, que a BVD é uma doença exótica e que não ocorre no Brasil, o estudo realizado mostra o contrário.

Nos 16 municípios estudados, 100% apresentaram pelo menos dois animais reagentes. Esses resultados diferem dos encontrados por VIEIRA et al. (1999), que ao analisar amostras de 23 municípios de Goiás, detectaram que 52% (n=15) destes apresentaram amostras reagentes. Essa variação pode estar relacionada a questões regionais, tipo de exploração e idade dos animais utilizados no estudo.

Das 16 propriedades amostradas, 100% apresentaram animais reagentes ao BVDV, resultados semelhantes foram encontrados por RICHTZEINHAIN (1997) em pesquisa realizada no estado de São Paulo. Reforçam esses resultados as observações feitas por NETTLETON & ENTRICAN (1995), em que teoricamente todos os rebanhos bovinos estão infectados com BVDV. O percentual de positividade variou de 20% a 100%. Essa variação ocorreu tanto nas propriedades onde houvera aquisição recente de animais como naquelas que não receberam novos bovinos há pelo menos 01 ano, o que significa que a fonte de infecção deve provavelmente estar dentro das próprias fazendas.

Entre as variáveis abordadas no questionário epidemiológico, algumas propriedades apresentaram dados sugestivos da presença da infecção pelo BVDV. Quanto à faixa etária foi encontrado maior frequência para animais de três a sete anos de idade, com 62% (n= 39,74) de reagentes. Situação semelhante foi observada por CASTRO et al. (1993), no estado de Pernambuco. Isto pode ser atribuído ao fato destes animais estarem no pico das atividades produtiva e reprodutiva, tornando-os susceptíveis a enfermidades de etiologias diversas.

As maiores frequências de animais reagentes foram encontradas nas propriedades menos tecnificadas, com volume menor (1-5 litros de leite/dia) de produção e nos rebanhos com pouco aprimoramento genético. SAMARA et al. (2004), concluem que as maiores frequências de animais reagentes para BVDV são encontradas nos rebanhos menos tecnificados corroborando com os resultados do presente estudo.

A alteração reprodutiva mais frequente (abortamento) foi detectada nas 16 propriedades, porém não foi informado o nascimento de bezerros débeis, com alterações motoras ou más-formações congênitas em nenhuma das propriedades. No entanto estes nascimentos podem até ter acontecido, porém não tiveram atenção dos proprietários e provavelmente não foram levados ao conhecimento de médico veterinário, já que, apenas 18,75% (n=3) das propriedades tinham a assistência veterinária. No presente estudo, a falta de assistência médica veterinária pode ter refletido especialmente no diagnóstico e na ausência de implantação de programas de controle para BVD.

Portanto, de modo geral, os resultados obtidos neste estudo reforçam que a BVD consiste em mais um problema com o qual os pecuaristas brasileiros têm de conviver. Tanto é que FREDRIKSEN et al. (1998) afirmaram que depois da mastite, é a BVD que causa as maiores perdas econômicas nos rebanhos leiteiros em muitos países.  Adotar medidas de controle, identificar animais PI, e o uso da vacinação pode ser o meio mais vantajoso para controlar essa situação, conforme afirmação de DEREGT & LOEWEN (1995), porém é importante ressaltar que essas vacinas nem sempre são eficazes. Isso porque existe o agravante de que algumas estirpes isoladas no Brasil são pouco neutralizadas pelos anticorpos contra estirpes de referência internacional usadas nas vacinas comerciais.

O pouco conhecimento que muitos profissionais têm sobre a importância da doença, associado à alta prevalência de animais soropositivos, pode aumentar a probabilidade da disseminação da infecção entre os rebanhos, o que reforça a necessidade da implantação de programas de controle. Esses programas devem iniciar basicamente com a difusão da informação sobre as consequências da doença, nos procedimentos racionais de identificação da presença e na magnitude do problema.

 

CONCLUSÕES

Com este trabalho registra-se a primeira ocorrência de anticorpos anti-BVDV na Bacia leiteira da Ilha de São Luís e pode-se concluir que a infecção foi constatada nos rebanhos estudados e as maiores frequências de animais reagentes quanto à presença de anticorpos contra o BVDV foram encontradas principalmente nos rebanhos mais simples e menos tecnificados.

 

REFERÊNCIAS

BROWNLIE, J. The pathogenesis of bovine viral diarrhea virus infections. Revue Scientifique et Tecnique, Office International des Epizooties, v.9, p.43-59, 1990.

CASTRO, R. S.; MELO, L. E. H.; ABREU, S. R. O.; MUNIZ. A. M. M.; ALBUQUERQUE. A. P. S. Anticorpos neutralizantes contra pestivirus em soros bovinos do estado do Pernambuco. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 28, n. 11, p. 1327-1331, 1993.

DEREGT, D.; LOEWEN, K. G. Bovine viral diarrhea virus - biotypes and disease. Canadian Veterinary Journal, Ottawa, v. 36, n. 6, p. 371-378, 1995.

DIAS, F. C.; SAMARA, S.I . Detecção de anticorpos contra o vírus da diarréia viral bovina no soro sangüíneo, no leite individual e no leite de conjunto em tanque de expansão de rebanhos não vacinados. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science, São Paulo, v. 40, p. 161-168, 2003.

FREDRIKSEN, B.; ODEGAARD, S. A.; LOKEN, T. The effect of bovine virus diarrhoea virus on reprodution in recently infected Norwegian dairy herds. Acta Veterinaria Scandinavica, Copenhagen, v. 39, n. 1, p. 99-108, 1998.

HOUE, H. Epidemiological features and economical importance of bovine viral diarrhea virus (BVDV) infections. Veterinary Microbiology, Amsterdam, v. 64, p. 89-107, 1999.

HOWARD, C. J.; CLARKE, M. C.; BROWNLIE, J. An enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA) for the detection of antibodies to bovine viral diarrhea virus (BVDV) in cattle sera. Veterinary Microbiology, Amsterdam, v. 10, p. 359-369, 1985.

ICTV. Seventh Report of the International Commitee on Taxonomy of Viruses, 2000.

NETTLETON, P. F.; ENTRICAN, G. Ruminant pestiviruses-review. British Veterinary Journal, London, v. 151, n. 6, p. 615-642, 1995.

RICHTZEINHAIN, L. J. Em busca de respostas. Revista dos Criadores, n. 808, p. 40, 1997.

SAMARA, S. I.; DIAS.; F. C.; MOREIRA.; S. P. G. Ocorrência da diarréia viral bovina nas regiões sul do Estado de Minas Gerais e nordeste do Estado de São Paulo. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science, São Paulo, v. 41, p.396-40, 2004.

STEVENSON, W. J. Estatística aplicada à administração. São Paulo: Harper e Ron do Brasil, 1981. 485p.

VIDOR, T. Isolamento e identificação do vírus da doença das mucosas no Estado do Rio Grande do Sul. Boletim do Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, Porto Alegre, p. 51-58, 1974.

VIEIRA, S.; DIAS F, F. C.; QUEIRÓZ, D. A. O.; BRITO, W. M. E. D. Seroepizootiological study on bovine herpesvirus-1 (BHV-1) and bovine viral diarrhoea virus (BVDV) in cattle from Goiás, Brazil. Journal of the Brazilian Society for Virology, v.4, p.58, 1999. In: ENCONTRO NACIONAL DE VIROLOGIA, X, 1999, Curitiba. Resumos... Curitiba, PR: Sociedade Brasileira de Virologia, 1999. p. 58