INFLUÊNCIA DO ESTRESSE OXIDATIVO NA
APOPTOSE LEUCOCITÁRIA DE BOVINOS NATURALMENTE INFECTADOS PELO VÍRUS DA LEUCOSE
ENZOÓTICA BOVINA
Glauco
Dente Gurtler 1, Fernando Nogueira Souza 2, Maiara Garcia
Blagitz 3,Camila Freitas Batista 2, Camila Silano 1,
Kátia Antunes Caetano de Souza1, Clara Satsuki Mori4 e Alice Maria Melville Paiva Della Libera5
1 – Acadêmico do
Curso de Medicina Veterinária, Universidade de São Paulo
2 - Médico
Veterinário, Mestrando, Curso de Medicina Veterinária, Universidade de São Paulo
3 – Médica Veterinária,
Doutoranda, Curso de Medicina Veterinária, Universidade de São Paulo
4 – Química do
Laboratório de Doenças Nutricionais e Metabólicas da Faculdade de Medicina
Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo
5 – Médica
Veterinária, Doutora, Professora do Curso de Medicina Veterinária, Departamento
de Clínica Médica, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade
de São Paulo.
E-mail: dellalibera@usp.br (autor correspondente)
PALAVRAS
CHAVE: Bovinos, morte celular, radicais livres.
ABSTRACT
OXIDATIVE STRESS AND
LEUKOCYTE APOPTOSIS IN DAIRY COWS NATURALLY INFECTED WITH BOVINE LEUKEMIA VIRUS
This study
investigates the interrelation between oxidative stress and immune system
alterations, especially apoptotic processes. A total of 15 dairy cows were
divided according to their hematological profiles and results from serological
examination. Blood samples were collected for detection of bovine leukemia
virus. Methods included agar gel immunodiffusion (AGID), enzyme-linked
immunosorbent assay (ELISA), hematological, mononuclear and cell death
analysis, and determination of reduced glutathione (GSH), glutathione
peroxidase (GSH-Px), and malondialdehyde levels. Research findings revealed
high survival rates of B-cells and the involvement of oxidative stress leading
to disease progression and lymphocyte resistance.
KEYWORDS: Cattle, cell death, free radicals.
INTRODUÇÃO
O vírus da leucose
enzoótica bovina (VLEB), um deltaretrovírus tipo C, é incriminado como o agente
etiológico da enfermidade linfoproliferativa conhecida como leucose enzoótica
bovina (LEB), tendo ainda significante homologia com o vírus T linfotrópico
humano (HTLV). O VLEB, por sua vez, estabelece a persistência da infecção na
subpopulação de linfócitos B (SCHWARTZ et al., 1994) integrando-se o ácido
desoxirribonucléico (ADN) viral ao ADN das células do hospedeiro, estando desta
forma associado ao desenvolvimento de duas manifestações clínicas: a forma
multicêntrica adulta de linfossarcoma (neoplasia maligna mais comum do gado
leiteiro) e a linfocitose persistente (LP) de caráter benigno (PARODI, 1987).
Sabe-se
que os vírus desenvolveram estratégias para neutralizar a resposta apoptótica
das células do hospedeiro e acredita-se que a modulação da apoptose, associada
ou não ao aumento na taxa da proliferação celular, possa ser componente
fundamental na persistência viral e na progressão para a linfocitose induzida
pelos retrovírus.
Uma importante via
protetora intracelular contra o peróxido de hidrogênio é a da glutationa. É
também citado que mudanças na proporção de glutationa reduzida (GSH) /oxidada
(GSSH) estão associadas com importantes eventos redox que iniciam a resposta
proliferativa ou apoptótica, sendo que a redução da GSSH foi correlacionada com
o processo apoptótico. A GSH, por
exemplo, é transportada para o meio extracelular nos processos apoptóticos
celulares e a inibição deste processo pode dificultar ou retardar o processo
apoptótico (GHIBELI et al., 1998).
Ademais,
estudos demonstraram que a Bcl-2 funciona como importante via do sistema
antioxidante. Por exemplo, a redução da expressão da Bcl-2 está relacionada com
a depleção celular de glutationa (MCCULLOUGH et al., 2001). Desta forma, a
Bcl-2 modula a apoptose por intermédio do metabolismo da GSH. Pode-se citar
ainda que capacidade da Fas para ativar caspases (caspase-3 e caspase-8,) e conseqüentemente
induzir a apoptose, requer uma alta proporção de GSH/glutationa total (HENTZE
et al., 2002).
Este trabalho visou elucidar o
possível envolvimento do estresse oxidativo no desencadeamento das alterações
na resposta imune, com enfoque no processo apoptótico, de bovinos naturalmente
infectados pelo vírus da LEB.
MATERIAL
E MÉTODOS
Foram triadas 122
fêmeas adultas pertencentes ao mesmo rebanho destinado à produção de leite do
Estado de São Paulo, dos quais foram selecionados 15 animais mantendo a
homogeneidade dos grupos, buscando animais sob mesma dieta, fase lactacional, período
gestacional e idades semelhantes. Para a composição dos grupos experimentais,
os animais foram divididos uniformemente, segundo o resultado da sorologia e
subdivididos, conforme o resultado do leucograma, em animais com
sorodiagnóstico negativo, com sorodiagnóstico positivo alinfocitóticos e
animais com sorodiagnóstico positivo apresentando LP, segundo KETTMANN et.al.
(1987).
Foi coletada de cada
animal uma amostra de sangue em tubo siliconizado sem anticoagulante; o soro
assim obtido foi destinado para a determinação do índice de peroxidação lipídica,
dado pelo teor de monaldeído (MDA) conforme descrito por ESTERBAUER &
CHEESEMAN (1990), e armazenado à temperatura de
Os dados foram inicialmente
analisados usando o teste One-Way
Analysis of Variance (ANOVA), após verificação da normalidade e
homodasticidade. Os dados foram, então, confrontados pelo Teste de Kolgomorov e
Smirnov.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O
envolvimento do estresse oxidativo em pacientes com doenças virais tem sido
considerado importante em várias espécies, pois envolvem doenças com perfis
muito distintos, como o HTLV1 e o HIV. Fato que impulsionou o presente estudo
na determinação da influência exercida pelo estresse oxidativo na apoptose
leucocitária de bovinos infectados pelo vírus da leucose enzoótica bovina.
Dentre
as 122 fêmeas que foram triadas, foi encontrado maior positividade no
sorodiagnóstico pelo teste ELISA (95,04%) do que pelo IDGA (66,11%). A
avaliação do hemograma atendeu apenas à composição dos grupos, não sendo
encontradas maiores variações além do esperado e, óbvio, maior número de
linfócitos no grupo de animais positivos com linfocitose persistente. Sendo
7,01 + 2,82 x 103 de linfócitos / mL de sangue no grupo
negativo, 6,30 + 1,73 x 103 de linfócitos / mL de sangue no
grupo positivo AL e 21,5 + 7,5 x 103 de linfócitos / mL
de sangue no grupo positivo com LP.
O presente estudo indicou
menor porcentagem de células mononucleares e CD5 obtidas de animais
manifestando LP, em processo de apoptose e/ou necrose, que aquelas verificadas dos
animais pertencentes aos demais grupos experimentais. Embora não fora
encontrada diferença estatística, pode-se sugerir menor apoptose de células B
no grupo de animais com linfocitose persistente. Apesar das tentativas de
garantir maior homogeneidade aos grupos, o coeficiente de variação encontrado
na avaliação de apoptose pode ser considerado alto (CV= 0,45) e talvez o número
amostral tenha favorecido esse achado.
Assim, como resultados
obtidos têm-se para a apoptose precoce, anexina V- FITC+/iodeto de propídio
(PI)-, no grupo LP, os valores de 8,29 % (+ 3,71) (p= 0,989),
no grupo AL, de 15,51% (+ 9,57) e, no grupo negativo, de 14,82 (+
5,78); para a apoptose tardia, anexina V- FITC+/PI+, no
grupo LP, os valores de 0,85 (+ 0,60)
(p= 0,462), no grupo AL, de 9,86 (+ 17,27) e, no grupo negativo, de
3,45 (+ 4,36); para a necrose, anexina V– FITC-/PI-,
no grupo LP, os valores de 1,44 (+ 0,54) (p= 0, 655), no grupo AL, de 2,78
(+ 3,89) e, no grupo negativo, de 2,90 (+ 2,61).
Conseqüentemente, foi observado maior número de células viáveis, anexina V–
FITC-/PI-, no grupo LP, onde se encontrou 82,29 (+
8,70) (p= 0, 243), no grupo AL, 68,46 (+ 16,88) e, no grupo negativo,
78,80 (+ 11,24). Quanto a apoptose especificamente da subpopulação de
células CD5+, verificou-se, no grupo LP, 3,23 (+ 1,46) (p=
0,8012), no grupo AL, 3,72 (+ 2,17) (p= 0,801) e, no grupo negativo,
3,11 (+ 0,35).
Assim, supõe-se que a
manutenção do estado de LP, em bovinos com LEB, ocorra em função do
desequilíbrio entre a proliferação e morte de linfócitos B, o principal alvo do
VLB. A taxa de morte celular de linfócitos B de bovinos com LP é reduzida em
relação à dos animais alinfocitóticos, e que a proliferação destas células
também se encontra reduzida, porém em menor grau (DEBACQ et. al., 2002).
Corrobora
a isso, o maior número de células B encontradas nos animais LP, 63,42 (+
1,99) (p= 0, 0128), se comparado com o grupo AL, 11,98 (+ 5,35) e com o
grupo negativo, 39,25 + 14,37. Desta forma, pode se sugerir que a
inibição do processo de apoptose em células B, possa estar envolvida na
progressão da doença, resultando no desenvolvimento do quadro de linfocitose
persistente.
Na determinação do MDA, obteve-se 4,27 (+ 0,43),
2,20 (+ 1,61) e 3,74 + 1,40 nmol/L
(p = 0,057) de MDA para os grupos LP, AL e negativos, respectivamente, com
coeficiente de variação igual a 0,10. Na determinação da GSH, encontrou-se 22,21 (+
8,86), 19,78 (+ 7,84) e 25,63 (+ 6,19) nmol/L (p = 0,503) de GSH
para os grupos LP, AL e negativos, respectivamente, com coeficiente de variação
igual a 0,39. Na determinação da
GSH-Px, encontrou-se 224,65 (+ 88,31), 302,20 (+
80,58) e 213,96 + 56,93 µmol/L (p = 0,181) de GSH-Px para os grupos LP, AL
e negativos, respectivamente. Em
oposição ao MDA, a avaliação da atividade da GSH, mostrou-se não significativa,
uma vez que seu coeficiente de variação foi maior (0,39), se comparado com o do
MDA (0,10).
Assim, na avaliação do estresse oxidativo no presente estudo, pôde-se
sugerir o envolvimento do estresse oxidativo na progressão da doença e
estabelecimento do quadro de LP, uma vez que os dados mostraram-se relevantes
para tal conclusão. Porém na avaliação da GSH, esta também se mostrou reduzida
no grupo LP, o que reforça a idéia do estresse oxidativo, uma vez que esta
enzima participa ativamente de vias antioxidantes.
CONCLUSÃO
Os resultados observados, no presente estudo, demonstram que bovinos
naturalmente infectados pelo VLB manifestando LP tendem a apresentar menor
porcentagem de linfócitos sofrendo processo de apoptose e/ou necrose. Fato este
que deve contribuir para o estabelecimento da LP, reforçado pela maior
porcentagem de células B nestes animais. Além disso, pelos dados encontrados,
pode-se sugerir o envolvimento do estresse oxidativo, dado pela maior
concentração de MDA nos animais manifestando LP; estando tal fato provavelmente
envolvido na progressão da doença e manifestação do quadro de LP.
AGRADECIMENTOS
Á FAPESP – Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pelo apoio financeiro e pela
concessão da bolsa.
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