ESTUDO COMPARATIVO DA INFECÇÃO EXPERIMENTAL DE BEZERROS COM SALMONELLA DUBLIN E SALMONELLA TYPHIMURIUM

 

Daniela Gomes da Silva1, Larissa Gabriela Ávila2, Péricles Ricardo Lacerda e Silva3, Rafael Akira Sato3 e José Jurandir Fagliari4

 

  1. Pós-doutoranda do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da FCAV – UNESP – Campus de Jaboticabal. Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane, s/n. 14.884-900 – Jaboticabal, SP, Brasil.

E-mail: danielafcav@yahoo.com.br (autor correspondente)

2. Docente do Centro Universitário de Rio Preto – UNIRP – São José do Rio Preto, SP

3. Médico veterinário autônomo

4. Docente do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da FCAV – UNESP – Campus de Jaboticabal

 

PALAVRAS-CHAVE: Bovinos, diarréia, salmonelose.

 

ABSTRACT

 

A COMPARATIVE STUDY OF EXPERIMENTAL SALMONELLA DUBLIN AND SALMONELLA TYPHIMURIUM INFECTIONS IN NEWBORN CALVES

Salmonellosis is a disease that can affect domestic animals and humans, and its clinical signs can vary extensively. Although cattle may be infected with many different serotypes, bovine salmonellosis is caused mainly by two of them: Salmonella Dublin and Salmonella Typhimurium. Thus, to evaluate the effects of experimental infection of newborn calves, a total of twelve 10 to 15-day-old male Holstein calves were randomly allotted to one of the following groups: those infected with 108 CFU of Salmonella Dublin (Group 1); and those infected with 109 CFU of Salmonella Typhimurium (Group 2). All animals were submitted to physical examination just before inoculation and every 24 hours for six days after experimental infection. Rectal swabs and blood samples were collected to isolate Salmonella, count blood cells, and determine glucose, fibrinogen, pH, sodium, and chloride levels. Clinical evaluation of experimental S. Typhimurium infection in calves revealed mild enteritis, whereas experimental S. Dublin infection resulted in a severe systemic disease, characterized by acute enteritis, respiratory signs and higher mortality rates. Biochemical findings included increase in fibrinogen concentrations and white blood cell counts, and decrease in glucose, pH, sodium, and chloride values.

 

KEY WORDS: Cattle, diarrhea, salmonellosis.

INTRODUÇÃO

            A salmonelose bovina é uma enfermidade que tem se destacado em função da sua ocorrência, importância econômica e implicações em saúde pública (SANTOS et al., 2002). Salmonella Dublin e Salmonella Typhimurium são os sorotipos mais comumente isolados em bovinos, sendo S. Dublin o sorotipo adaptado à espécie bovina (VELING et al., 2002).

            Os sinais clínicos da salmonelose dependem, entre outros fatores, do sorotipo envolvido e da idade do animal (SARWARI et al., 2001). Os bezerros neonatos são particularmente suscetíveis à salmonelose devido à imaturidade de seu sistema imune (BARRINGTON et al., 2002).

            Os sinais clínicos típicos de salmonelose em bezerros com até oito semanas de idade incluem diarréia, desidratação, febre, perda de apetite e apatia (SANTOS et al., 2002). Por serem bactérias intracelulares facultativas, as salmonelas também podem sobreviver e multiplicarem-se no interior de macrófagos, sendo subsequentemente transportadas aos linfonodos e a outros órgãos, causando pneumonia, meningite, poliartrite, osteíte e gangrena, dentre outras complicações (WRAY & DAVIES, 2000; LOEB et al., 2006).

O objetivo do presente estudo foi avaliar comparativamente os efeitos da infecção experimental de bezerros neonatos com 108 UFC de Salmonella Dublin e 109 UFC de Salmonella Typhimurium.

 

MATERIAL E MÉTODOS

            Após a realização de experimentos pilotos para verificar a patogenicidade das cepas de S. Dublin (registro IOC 3101/03) e S. Typhimurium (registro IOC 6333/06) e estabelecer a dose dos inóculos, 12 bezerros sadios da raça Holandesa, com 10 a 15 dias de idade, foram distribuídos em dois grupos de seis animais: grupo infectado experimentalmente com 108 UFC de Salmonella Dublin (grupo 1) e grupo infectado experimentalmente com 109 UFC de Salmonella Typhimurium, ambos pela via oral. Durante o período experimental os bezerros foram alojados em abrigos individuais e receberam quatro litros de leite pasteurizado, duas vezes ao dia, além de ração, feno e água à vontade. O estudo teve aprovação da Comissão de Ética e Bem Estar Animal da FCAV-UNESP-Campus de Jaboticabal (Protocolos n°013597-06 e nº009986-07).

            As colheitas de sangue e de suabes retais foram realizadas imediatamente antes da inoculação (0 hora) e a partir daí, a cada 24 horas até o final do experimento, ao sexto dia após a inoculação. Os bezerros também foram submetidos a exame físico diário (DIRKSEN et al., 1993).

            O isolamento de Salmonella foi realizado a partir de amostras de suabes retais, enriquecidos em caldo selenito cistina (CM0699, Oxoid) e tetrationato Muller-Kauffmann (CM0343, Oxoid) e plaqueados em ágar verde brilhante modificado (CM0329, Oxoid) contendo 50 µg/ml de ácido nalidíxico.

            As contagens de hemácias e de leucócitos e a determinação do teor de hemoglobina foram realizadas em hemocitômetro semi-automático (CELM CC-530), enquanto que a contagem de plaquetas foi realizada na câmara de Neubauer. O volume globular foi obtido pela técnica do microematócrito. O teor plasmático de fibrinogênio foi obtido pelo método de precipitação pelo calor e leitura em refratômetro. A concentração plasmática de glicose foi mensurada pelo método de GOD-Trinder (Labtest), em espectrofotômetro semi-automático (Labquest). Os valores do pH sanguíneo e das concentrações sanguíneas de sódio (Na) e de cloretos (Cl) foram determinados em analisador automático de pH, gases sanguíneos e eletrólitos (Roche Omni C).

            Os resultados foram submetidos à análise de variância (ANOVA) e ao teste de Tukey para comparação entre médias, ao nível de significância de 5% (ZAR, 1999).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

            Antes da infecção experimental, todos os parâmetros avaliados estavam dentro dos valores considerados normais para a espécie bovina. A partir de 24 horas após a infecção experimental os bezerros dos dois grupos apresentaram diarréia, com muco e estrias de sangue. Apenas os bezerros infectados com S. Typhimurium (grupo 2) apresentaram episódios de tenesmo. Os primeiros sinais de desidratação e febre foram observados às 48 horas, em ambos os grupos. Os sinais clínicos de salmonelose foram mais intensos nos bezerros infectados com S. Typhimurium, 24 a 96 horas após a infecção experimental. Depois deste período todos os bezerros do grupo 2 iniciaram melhora clínica natural. Por outro lado, os bezerros infectados com S. Dublin (grupo 1) apresentaram agravamento da diarréia e desidratação a partir de 96 horas após a inoculação. Os bezerros do grupo 1 também apresentaram temperaturas mais elevadas (40,2ºC, em média), em comparação com aquelas registradas nos bezerros do grupo 2 (39,9ºC). Apenas os animais infectados experimentalmente com S. Dublin apresentaram apatia, diminuição do apetite e sintomas respiratórios (tosse, taquipnéia e secreção nasal e ocular).

            Esses resultados são semelhantes aos descritos pela maioria dos estudos sobre infecção experimental de bezerros com Salmonella, que relatam sinais de desidratação logo após o início da diarréia (SEGALL & LINDBERG, 1991; SANTOS et al., 2002; FECTEAU et al., 2003) e doença sistêmica ou quadro clínico grave associado ao sorotipo adaptado a determinada espécie animal (JOSEPH, 1988; VELING et al., 2002).

            O isolamento microbiológico de S. Dublin e S. Typhimurium, a partir dos suabes retais, ocorreu 24 horas após a infecção experimental em ambos os grupos, sendo verificada excreção mais contínua e por maior tempo nos bezerros do grupo 2.

            Com relação ao hemograma, não foram observadas diferenças relevantes no eritrograma e no plaquetograma dos bezerros dos dois grupos. Entretanto, os bezerros do grupo 1 apresentaram resposta leucocitária mais evidente após a infecção experimental com S. Dublin. A concentração plasmática de fibrinogênio também foi maior nestes bezerros, entre 24 e 96 horas e às 144 horas após a inoculação. Reduções nas concentrações de glicose, pH, Na e Cl foram registradas imediatamente após a infecção experimental dos bezerros com Salmonella Typhimurium e mais tardiamente, e de forma mais intensa, nos bezerros infectados com Salmonella Dublin. Durante o período experimental foi registrado um óbito no grupo de bezerros infectados com S. Dublin.

            Os resultados das análises laboratoriais também refletem a gravidade da infecção por S. Dublin, uma vez que quadros diarréicos intensos e de maior duração provocam maiores perdas de fluido, bicarbonato e eletrólitos no lúmen intestinal (KANEKO et al., 2008; SANTOS et al., 2002).

 

CONCLUSÃO

            A infecção experimental de bezerros com Salmonella Typhimurium foi capaz induzir quadro clínico de salmonelose, caracterizado principalmente por enterite autolimitante, enquanto que a infecção experimental com Salmonella Dublin induziu quadro clínico mais grave, caracterizado por enterite severa, sintomas respiratórios e um caso de morte.

 

AGRADECIMENTOS

            Os autores agradecem à FAPESP pela concessão de bolsa e auxílio financeiro e à Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ pelo fornecimento das cepas de Salmonella Dublin e Salmonella Typhimurium.

 

REFERÊNCIAS

BARRINGTON, G. M.; GAY, J. M.; EVERMANN, J. F. Biosecurity for neonatal gastrointestinal diseases. Veterinary Clinics of North America: Food Animal Practice, Philadelphia, v. 18, n. 1, p. 7-34, 2002.

DIRKSEN, G.; GRÜNDER, H. D.; STÖBER, M. Rosenberger: Exame clínico dos bovinos. 3.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993. 419p.

FECTEAU, M. V.; HOUSE, J. K.; KOTARSKI, S. F.; TANKERSLEY, N. S.; ONTIVEROS, M. M.; ALCANTAR, C. R.; SMITH, B. Efficacy of ceftiofur treatment of experimental salmonellosis in neonatal calves. American Journal of Veterinary Research, Schaumburg, v. 64, n. 7, p. 918-925, 2003.

JOSEPH, P. G. The Salmonella problem in animals and prospects for its control in livestock and man. Tropical Biomedicine, Kuala Lumpur, v. 5, p. 1-8, 1988.

KANEKO, J. J.; HARVEY, I. W.; BRUSS, M. L. Clinical biochemistry of domestic animals. 6.ed. San Diego: Academic Press, 2008, 916 p.

LOEB, E.; TOUSSAINT, M. J.; RUTTEN, V. P.; KOEMAN, J. P. Dry gangrene of the extremities in calves associated with Salmonella Dublin infection; a possible immune-mediated reaction. Journal of Comparative Pathology, Edinburgh, v. 134, n. 4, p. 366-369, 2006.

SANTOS, R. L.; TSOLIS, R. M.; BAÜMLER, A. J.; ADAMS, L. G. Hematologic and serum biochemical changes in Salmonella ser Typhimurium-infected calves. American Journal of Veterinary Research, Schaumburg, v. 63, n. 8, p. 1145-1150, 2002.

SARWARI, A. R.; MAGDER, L. S.; LEVINE, P.; McNAMARA, A. M.; ARMSTRONG, G. L.; ETZEL, R.; HOLLINGSWORTH, J.; MORRIS JR., J. G. Serotype distribution of Salmonella isolates from food animals after slaughter differs from that isolates found in humans. Journal of Infectious Diseases, Chicago, v. 183, p. 1295-1299, 2001.

SEGALL, T.; LINDBERG, A. A. Experimental oral Salmonella Dublin infection in calves. A bacteriological and pathological study. Zentralblatt fur Veterinarmedizin, Reihe B, Hamburg, v. 38, n. 3, p. 169-185, 1991.

VELING, J.; BARKEMA, H. W.; SCHANS, I.; ZIJDERVELD, F.; VERHOEFF, J. Herd-level diagnosis for Salmonella enterica subsp. enterica serovar Dublin infection in bovine dairy herds. Preventive Veterinary Medicine, Amsterdam, v. 53, n. 1-2, p. 31-42, 2002.

WRAY, C.; DAVIES, R. H. Salmonella infections in cattle. In: WRAY, C.; WRAY, A. Salmonella in domestic animals. Oxon: CABI Publishing, 2000. p. 169-191.

ZAR, J. H. Biostatistical analysis. 4.ed. New Jersey: Prentice Hall, 1999. 663p.