ESTUDO RETROSPECTIVO DA OCORRÊNCIA DOS CASOS DE TUBERCULOSE BOVINA DIAGNOSTICADOS NA CLÍNICA DE BOVINOS DE GARANHUNS - PE, DE 2000 A 2009

 

Marisa de Alencar Izael1, Saulo de Tarso Gusmão da Silva1, Nivaldo de Azevedo Costa2, José Cláudio de Almeida Souza3, Carla Lopes de Mendonça2, José Augusto Bastos Afonso2

1. Médico Veterinário, Residente, Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns-PE, UFRPE.

2. Médico Veterinário, Doutor, Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns-PE, UFRPE.

3. Médico Veterinário, Doutor, professor da Unidade Acadêmica de Garanhuns-PE, UFRPE.

E-mail: cbg@prppg.ufrpe.br (autor correspondente)

 

PALAVRAS-CHAVE: Doenças respiratórias, lesões pulmonares, ruminante.

 

ABSTRACT

 

A RETROSPECTIVE STUDY OF CASES OF BOVINE TUBERCULOSIS DIAGNOSED AT CLÍNICA DE BOVINOS, GARANHUNS, PERNAMBUCO

Tuberculosis is a chronic infective disease which causes great economic losses evidenced by a 10-20% decrease in milk production. This study investigates all positive cases of tuberculosis registered at Clínica de Bovinos from the year 2000 to 2009. A total of 36 cases were found. Epidemiological aspects, physical and laboratory examinations, and necropsy findings were considered. Results revealed that 67% of cows were raised in rural cities where dry weather is predominant and 81% were reared under a semi-intensive system. A total of 86% were female, 14% were male, and 39% were between four and five years of age. Only 5% reacted positively to the tuberculin test. All of the animals had caseating granulomatous lesions in many organs. The suppurative infection was initially thick and creamy, then gradually took on a crumbly cheese-like appearance. Histological evidence included lung lesions and inflammatory reaction due to the presence of giant Langerhans cells. Bovine tuberculosis causes many disadvantages to cattle raising activities. Therefore, it is necessary to develop more effective diagnostic tests and control measures to help reduce the negative impact on public health.

 

KEY WORDS: Lung lesions, respiratory diseases, ruminant.

 

 

Introdução

O aumento da tecnificação, intensificação da pecuária, a introdução de material genético proveniente de outros países e alterações no manejo sanitário e reprodutivo, facilitaram a disseminação de diversos microrganismos patogênicos de grande importância sanitária e econômica para a bovinocultura leiteira (POLETO, 2004). A tuberculose bovina é uma doença infecciosa crônica que vem afligindo a pecuária há mais de alguns séculos. Seu agente etiológico é o Mycobacterium bovis, sendo esta enfermidade de ocorrência mundial que determina prejuízos à pecuária e riscos a saúde da população que consume produtos de origem animal (LILENBAUM et al., 1998; CAMPOS, 1999; LILENBAUM, 2000).

As perdas econômicas determinadas por esta enfermidade se manifestam pela redução de 10-20% da produção leiteira, do ganho de peso, infertilidade, condenação de carcaças e mortes dos animais (ROXO, 1996; HERNANDEZ, 1998; LILENBAUM, 2000).      Os bovinos, caprinos e suínos, são as espécies mais suscetíveis, ao passo que os ovinos e equinos mostram uma alta resistência natural. A doença acomete também a espécie humana (ABRAHÃO, 1999; CHADDOCK, 2006; RADOSTITIS et al., 2007; RIET-CORREA & GARCIA, 2007).

            Os sinais da infecção por M. bovis em ruminantes são muito inespecíficos, a maioria dos animais infectados não demonstra anormalidades clínicas, causando risco de saúde para outros animais pecuários e seres humanos. Os pacientes podem apresentar perda de peso crônica, apetite variável, mastite e febre flutuante, que pode acentuar-se após o parto. Os sinais respiratórios incluem tosse crônica, dispnéia, taquipnéia e ruídos pulmonares adventícios. Nódulos mediastínicos e mesentéricos intumescidos podem causar timpanismo, falha de transporte ou obstruções. Alterações reprodutivas como infertilidade e aborto são pouco frequentes (GRIFFIN & DOLAN, 1995; HERNANDEZ, 1998; CHADDOCK, 2006; RIET-CORREA & GARCIA, 2007; SOBREIRA-Filho et al., 2008).

            O diagnóstico da tuberculose bovina no Brasil segue as normas preconizadas pelo Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e tuberculose (PNCEBT). O Programa estabelece uma realização periódica da prova da tuberculina e abate dos animais que reagirem positivamente. A legislação brasileira não prevê o tratamento de animais reagentes (BRASIL, 2006).

            Diante do exposto, objetivou-se fazer um estudo da ocorrência dos principais aspectos epidemiológicos, enfocando seu potencial zoonótico, impacto econômico e distribuição geográfica dos casos clínicos de tuberculose bovina, diagnosticados na Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns-PE/UFRPE, nos últimos 10 anos.

 

Material e métodos

            Realizou-se um estudo retrospectivo dos casos clínicos, do arquivo da Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns/UFRPE, onde foram selecionadas as fichas dos bovinos diagnosticados com tuberculose, referentes aos anos de 2000 a 2009, obtendo-se um total de 36 casos de animais acometidos. As fichas foram avaliadas quanto aos aspectos epidemiológicos (origem, sexo, idade, tipo de criação, histórico reprodutivo, queixa principal e destino do animal), exame clínico, seguindo a metodologia de DIRKSEN et al. (1993), a tuberculinização (BRASIL, 2006) e os achados anátomo-histopatológicos.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A distribuição dos casos positivos revelou que 67% eram provenientes de municípios do agreste meridional de Pernambucano, 22% do agreste central, 5% da mata setentrional e 6% foram oriundos do Estado de Alagoas. Dos 36 casos analisados, 86% eram fêmeas e 14% machos. Destes, 39% apresentavam idade entre quatro a cinco anos, 16% acima de cinco anos, 14% entre um a três anos e 3% inferior a um ano. De acordo com a característica de pecuária leiteira da região, onde as fêmeas têm uma vida produtiva maior, faz com que os animais mais velhos sejam acometidos em função da coabitação prolongada com indivíduos enfermos, marcando assim o caráter crônico da doença e a situação de estresse causado pelo impacto da vida produtiva (LILENBAUM, 2000; OLIVEIRA et al., 2008).

Em relação ao sistema de criação; 8% dos casos apresentaram-se oriundos de sistema extensivo, 11% intensivo e 81% semi- intensivo. Estes resultados mostram que o confinamento e aglomeração dos animais são elementos determinantes para a epidemiologia da doença (BEDARD, 1993; HINES et al., 1995; HERNANDEZ, 1998). Um fato que vem a contribuir para esses achados é a característica regional, onde as condições climáticas na maioria das vezes não permitem uma criação extensiva, além de que, os elevados custos do sistema intensivo, tornam-no praticamente inviável, sendo o sistema semi-intensivo a melhor alternativa econômica para região. Dos casos diagnosticados, 50% foram direcionados para sacrifício e 50% vieram a óbito. As informações mais comumente relatadas foram: emagrecimento (16/36), tosse (12/36), queda na produção leiteira (16/36), timpanismo (04/36) e tratamentos prolongados não responsivos. Os achados clínicos foram referentes praticamente a diminuição de produção e perda da condição corporal, além de desordens respiratórias como tosse e descargas nasais. Desta forma fica evidente as intensas perdas econômicas e os achados corroboram com os sinais comumente encontrados na doença (BEDARD, 1993; HINES et al., 1995; HERNANDES, 1998; LILENBAUM, 2000; CHADDOCK, 2006; RADOSTITIS et al., 2007; RIET-CORREA & GARCIA, 2007).

Do total de 36 animais, apenas 17 foram testados a prova da tuberculina, onde revelou que 88% (15) reagiram negativamente ao teste, e apenas 12% (2) foram positivos, revelando assim que grande parte dos animais atendidos estava em processo avançado ou estágio terminal da doença, onde há um excesso de antígeno circulante que induz uma imunossupressão específica, causando assim uma exposição excessiva do estímulo antigênico por um longo tempo, tratando-se do fenômeno de anergia (BRASIL, 2006; RADOSTITS et al., 2007).  Esses animais falso-negativos interferem também no diagnóstico, em casos de infecção recente ou em fêmeas no período pré ou pós-parto (SALAZAR & GUIMARÃES, 2006). A não realização dos testes de tuberculinização em 19 (53%) bovinos estava associado aos fatos de que muitos animais vieram a óbito antes da conclusão do teste ou não mostraram sinais clínicos sugestivos de tuberculose que foram revelados como achados incidentais.

Nos achados anatomopatológicos, foram observados que todos os animais apresentavam lesões granulomatosas em diversos órgãos, com abscessos de conteúdo purulento e caseificado, além de lesões pulmonares características, como também, lesões nos rins, coração, fígado, linfonodos, tubérculos múltiplos sobre a superfície pleural e peritoneal e lesões disseminadas de caráter miliar. Desta forma caracterizam-se como lesões de tuberculose onde na maioria das vezes apresentam necrose de caseificação no centro da lesão ou ainda calcificação nos casos mais avançados (Jones et al., 2000; BRASIL, 2006).

Os achados histopatológicos mais freqüentes foram; linfonodos e fígado com extensas áreas de necrose de caseificação e calcificação, reação inflamatória linfo-histiocitária e presença de células gigantes de Langhans, concordando com os achados de JONES et al. (2000) onde relatam a presença de lesões epitelióides circundadas por uma orla de fibroblastos com linfócitos entremeados, onde os macrófagos circunjacentes assumem um aspecto diferenciado, as células epitelióides contendo um abundante retículo endoplasmático, coalescendo e levando a presença de células gigantes multinucleadas, denominadas de células gigantes de Langhans, nas quais os núcleos estão dispostos em meia lua na periferia da célula.

 

CONCLUSÃO

            A tuberculose bovina traz prejuízos à região, pois a evidência da sintomatologia clínica revela um quadro de cronicidade e de ampla disseminação da doença no rebanho, fazendo-se necessário reforçar as medidas de controle e diagnóstico, com o intuito de reduzir as perdas econômicas e o impacto negativo na Saúde Pública.

 

REFERÊNCIAS

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