SURTO
DE FEBRE CATARRAL MALIGNA EM BOVINOS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Isadora Karolina
Freitas de Sousa1, Isabella de Oliveira
Barros1, Adaucides Câmara1, Antonio Humberto Hamad Minervino2,
Jael Soares Batista1, Raimundo Alves Barrêto Júnior1*,
Enrico Lippi Ortolani2
1 Departamento de Ciência Animal. Universidade
Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA). CEP: 59625-900. Mossoró- RN, Brasil. E-mail:
barreto@ufersa.edu.br (autor correspondente)
2 Departamento de Clínica Médica.
Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo –
FMVZ – USP.
PALAVRAS-CHAVE:
Congestão cerebral, doença infecciosa, herpesvírus, Rhadinovirus.
ABSTRACT
MALIGNANT CATARRHAL
FEVER IN CATTLE FROM RIO GRANDE DO NORTE, BRAZIL
This study
describes the clinical, epidemiological, and histopathological aspects of three
cases of acute malignant catarrhal fever in cattle from a rural property in the
municipality of Mossoró, Rio Grande do Norte. The main symptoms observed in the
affected animals were anorexia, fever, cornea opacity, mucopurulent nasal
discharge, and incoordination. Hematological analysis revealed leukopenia with
relative monocytosis. Prior to these
three cases, six other animals had died with similar symptoms. Postmortem
findings included ulcers in oral and nasal mucosa, lesions in the tongue and
palate, edema of glottis, hyperemia of esophagus and trachea mucosa,
hypertrophy and congestion of lymph nodes, cerebral and cerebellar congestion.
Histopathological examination showed generalized vasculitis, necrosis of vessel
wall, and perivascular infiltration of mononuclear cells in several organs. A
definitive diagnosis of malignant catarrhal fever was provided by the clinical
and histopathological changes observed.
KEYWORDS: Cerebral
congestion, herpesvirus, infectious disease, Rhadinovirus.
INTRODUÇÃO
Em bovinos a febre
catarral maligna (FCM) pode acontecer epidemiologicamente de duas forma, a
forma africana, também conhecida como FCM gnu-associada (FCM-GA), causada pela
cepa viral Alcelaphine herpesvirus 1 (AIHV-1) e a FCM ovino associada (FCM-OA),
causada pela cepa herpesvírus ovino 2 (OvHV-2) e transmitida por ovinos. Sendo
a FCM ovino associada à forma que ocorre no Brasil (GARMATZ et al., 2004).
Casos de FCM são relatados
no Brasil em alguns estados, como Mato Grosso (MENDONCA et al., 2008), São Paulo
(LEMOS et al., 2005), Rio Grande do Sul (GERMATZ et al., 2004) e na região
Nordeste no Estado da Paraíba (MACEDO et al., 2007). Os sinais clínicos comuns
são febre, corrimento nasal e ocular seroso que costuma evoluir rapidamente
para mucopurulento, opacidade bilateral de córnea, sialorréia, lesões erosiva-ulcerativas
na cavidade oral e diarréia. Entre os distúrbios neurológicos, incoordenação,
agressividade, tremores musculares, decúbito esternal evoluindo para lateral
permanente, opistótono, movimentos de pedalagem e depressão. Hematúria, desprendimento
da capa córnea dos cascos e chifres e cegueira também podem ser observados. (LEMOS
et al., 2005; RADOSTITIS et al. 2007).
Os tecidos
primariamente afetados são os órgãos linfóides, tecidos epiteliais, principalmente
do sistema respiratório e do trato gastrointestinal, e os vasos. Rins, fígado,
olho, articulações e sistema nervoso central também podem ser afetados (CALTON
& McGAVIN, 1998). Os achados histológicos característicos da doença
envolvem os vasos sanguíneos e o tecido linfóide e inclusive vasculite
fibrinóide necrosante, linfoproliferação acompanhada de infiltração de
linfócitos T em diversos tecidos do organismo, predominantemente em posição
perivascular, e lesão erosiva e ulcerativas nas superfícies cutâneas e mucosas
(BARKER et al., 1993).
Dados da literatura indicam que a FCM é uma doença
de ocorrência esporádica, mas que apresenta um importante desafio para o diagnóstico,
uma vez que pode ser confundida com doenças de maior impacto econômico e de
saúde pública, como a raiva, meningoencefalite por herpesvírus bovino-5, febre
aftosa, estomatite vesicular, diarréia viral bovina e língua azul (LEMOS et al.,
2005).
MACEDO et al. (2007) relatam a importância da
confirmação da FCM para o rebanho bovino do Nordeste e evidenciam a necessidade
de alertar aos produtores para a adoção das medidas de controle adequadas,
sendo a separação dos ovinos dos bovinos a única medida profilática eficiente,
que perante a estrutura produtiva atual da região semi-árida, é difícil de ser
adotada.
MATERIAL
E MÉTODOS
Foram atendidos três
bovinos no Hospital Veterinário (HOVET) da UFERSA, sendo o primeiro caso no mês
de outubro de 2008, o segundo em dezembro de 2008 e terceiro em abril de 2009. Todos os animais pertenciam
a uma mesma propriedade, localizada no município de Mossoró – RN. Os animais
eram mestiços sem raça definida, criados em regime semi- extensivo, onde
pastejavam áreas em conjunto com ovinos e eqüinos.
Após o exame clinico
inicial os animais foram internados no HOVET – UFERSA sendo monitorados
diariamente. Como exames complementares, foram realizados o exame do conteúdo
ruminal e hemograma. Quando da morte de algum animal, era realizada a necropsia
e coleta de amostras de cérebro, cerebelo, fígado, baço, rin, pulmão e esôfago,
as quais eram fixadas em formol a 10% para posterior exame histopatológico.
RESULTADOS
E DISCUSSÃO
Os animais criados na
propriedade tinham origens em diferentes regiões do estado do Rio Grande do
Norte. O rebanho era vermifugado e vacinado contra aftosa, raiva e
clostridioses. No exame clínico dos animais o proprietário relatou que outros nove
animais morreram na propriedade com os mesmos sintomas. Os animais acometidos
morriam dentro de no máximo sete dias, sendo animais de diferentes faixas
etárias e ambos os sexo.
Primeiro caso
No primeiro caso
atendido o bovino apresentava angustia respiratória, dispnéia abdominal, febre
de 41,5° C, desidratação, presença de secreção mucopurulenta nasal bilateral,
hiperemia da mucosa ocular, lacrimejamento, protusão da terceira pálpebra,
opacidade de córnea, lesões na mucosa oral, diarréia em jatos com presença de
sangue, apatia, sinais nervosos, como
incoordenação, tremores e quedas.
O animal foi atendido dois dias após o inicio dos sintomas. No hemograma
observou-se leucopenia com monocitose relativa.
O animal morreu três
dias após o inicio dos sintomas. Na necropsia as lesões macroscópicas
observadas foram: úlceras na mucosa oral e nasal, lesões na língua e na região
do palato, edema de glote, hiperemia da mucosa do esôfago e traquéia,
hipertrofia e congestão de linfonodos, congestão cerebral e cerebelar, fígado e
baço sem alterações macroscópicas.
Segundo caso
O animal inicialmente
apresentava sinais menos severos que o animal do primeiro caso, com
desidratação e apatia, opacidade de córnea, vasos episclerais ingurgitados e
secreção nasal mucopurulenta bilateral. A temperatura retal não excedeu 38,7 °C
e no hemograma foi observada leucopenia com monocitose relativa. Após o quarto
dia do atendimento animal permaneceu em decúbito e veio a obito, sete dias após
o início dos sintomas. Na necropsia não foram observadas lesões macroscópicas
de destaque.
Terceiro caso
O
animal atendido na propriedade cinco dias após o inicio dos sintomas. Com o
histórico de anorexia e apatia, incoordenação e quedas. Com a evolução do
quadro, o animal apresentou secreção nasal mucopurulenta bilateral e opacidade
de córnea, além de incoordenação. No momento do atendimento o animal morreu. Na
necropsia foram observadas lesões semelhantes as do primeiro bovino atendido, dentre
elas: lesões ulcerativas na mucosa oral, hiperemia do esôfago e da traquéia.
A taxa de letalidade
foi de 100%, semelhante a outros estudos (CORTEZ et al., 2002; RECH et al.,
2005; LEMOS et al., 2005; MACÊDO et al., 2007). Todos os casos da doença
aconteceram de forma aguda, onde os animais morreram dentro de no máximo sete
dias após o início dos sintomas. Os achados macroscópicos nos casos de FCM
desse estudo foram semelhantes aos encontrados no trabalho de RECH et al.
(2005) e do caso relatado por CORTEZ et al. (2002).
As alterações histopatológicas,
com destaque para a vasculite generalizada, necrose da parede dos vasos e
infiltração perivascular de células mononucleadas em diversos órgãos de todos
os animais atendidos, confirmaram o diagnóstico clinico de FCM (RECH et al.,
2005; MACEDO et al., 2007). Apesar de não ter sido realizada a identificação do
agente etiológico, supões que a enfermidade tenha sido causada pelo herpesvirus
ovino 2 (OvHV-2), relatado como o que acomete os rebanhos no Brasil (GARMATZ et al., 2004).
CONCLUSÃO
Relatou-se a ocorrência
de surto de febre catarral maligna de forma aguda em bovinos no Estado do Rio grande do Norte –
RN. O diagnostico foi firmado pelos achados clínicos e histopatológicos que
condizem com a literatura. Os dados obtidos com a anamnese, onde foi relatado o
contato entre os bovinos e os ovinos na propriedade estudada, foram de extrema
importância para a suspeita clínica.
Os achados
macroscópicos e histológicos são semelhantes aos encontrados em outros estudos
e foram definitivos para o diagnóstico dessa doença, assim como para a
diferenciação de outras enfermidades.
REFERÊNCIAS
BARKER, K .K., VAN DREUMEL, A. A., PALMER, N. The
alimentary system. In: Pathology of domestic
animals. 4. ed. San Diego: Academic Press, v. 2, p. 163 -172, 1993.
CARLTON, W. W., MC GAVIN, M. D. Patologia veterinária especial de Thomson. 2.ed.
Porto Alegre: Artmed, 1998.
CORTEZ, P. P.
Três casos confirmados de febre catarral maligna
GARMATZ, S.L.
et al. Febre
catarral maligna em bovinos no Rio Grande do Sul: transmissão experimental para
bovinos e caracterização do agente etiológico. Pesquisa Veterinária Brasileira,
Rio de Janeiro, v. 24, p. 93-106, 2004.
LEMOS, R. A. A.et al. Febre catarral
maligna em bovinos do Mato Grosso do Sul e de São Paulo. Ciência Rural, Santa Maria, v. 35, n. 4, p. 932-934, 2005.
MACEDO, J. T. S. A. Febre catarral maligna em bovinos na
Paraíba. Pesquisa Veterinária
Brasileira, Rio de Janeiro, v. 27, n.
7, p. 277-281, 2007.
MENDONÇA, F. S. et al. Febre catarral maligna em bovinos no
Estado de Mato Grosso. Pesquisa Veterinária
Brasileira, Rio de Janeiro, v. 28, n. 3, p. 155-160, 2008.
RADOSTITIS, O. M. et al. Clínica veterinária. 9.ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. 737p.
RECH, R. R. et al. Febre catarral maligna em bovinos no Rio Grande do Sul: epidemiologia,
sinais clínicos e patologia. Pesquisa
Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 25, n. 2, p. 97-105, 2005.