AVALIAÇÃO DE BACTÉRIAS VIÁVEIS AO VENCIMENTO EM VACINAS B19 CONTRA BRUCELOSE COMERCIALIZADAS NO BRASIL

 

George Afonso Vitor Caldeira1, Paulo Martins Soares Filho2, Tomaz de Aquino Porfírio2  e Andrey Pereira Lage3

1 Médico Veterinário, MSc - Escola de Veterinária - Departamento de Medicina Veterinária Preventiva (DMVP) - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
2 Médico Veterinário, Fiscal Federal Agropecuário - Laboratório Nacional Agropecuário de Minas Gerais (LANAGRO/MG) - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Av. Rômulo Joviano S/N - Cx Postal 35/50 - CEP 33600.000 - Pedro Leopoldo - MG – Brasil
3  Médico Veterinário, DSc, Professor Adjunto - Escola de Veterinária - Departamento de Medicina Veterinária Preventiva (DMVP) - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Cx Postal 567 - Av. Antônio Carlos 6627 - CEP 30123.970 - Belo Horizonte - MG – Brasil – alage@vet.ufmg.br (autor para correspondência)

 

PALAVRAS-CHAVE: Brucelose bovina, contagem de bactérias viáveis, controle de qualidade, vacina B19

ABSTRACT

 

ASSESSMENT OF COMMERCIAL BRUCELLA ABORTUS B19 VACCINES IN BRAZIL

A total of 67 different production batches of commercial Brucella abortus B19 vaccines approved by the Brazilian Ministry of Agriculture (MAPA) were analysed. Expiration dates ranged between March and July 2007, and viable bacteria counts (VBC) were carried out in the expiration month. Results revealed that 74,6% of tested batches showed VBC ≥ 4,0 x 1010 CFU/dose, which varied according to the expiration period: 93,1%, 60,0% and 66,7% of vaccines with 12, 18 and 24 month expiration period, respectively.

 

KEYWORDS: Bovine brucellosis, B19 vaccine, quality control, viable bacteria count

 

INTRODUÇÃO

A brucelose bovina é uma doença infectocontagiosa causada por Brucella abortus que causa grandes prejuízos econômicos ao agronegócio. O controle da brucelose apresenta um papel de extrema importância, não somente para reduzir perdas econômicas no setor primário, mas também para eliminar barreiras ao comércio internacional de produtos de origem animal. Além do aspecto econômico, o controle da brucelose apresenta papel decisivo na prevenção dessa enfermidade na espécie humana.

No Brasil, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) instituiu em 2001 o Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal (PNCEBT). A principal estratégia do PNCEBT para o controle da brucelose é a vacinação de fêmeas bovinas com idade entre três e oito meses com a vacina B19 (BRASIL, 2004 a).

A vacinação de animais geralmente resulta na eliminação do principal quadro clínico da brucelose, que é o aborto, e na redução do número de microrganismos excretados por animais infectados (CORBEL, 2006). Sendo assim, a vacinação promove uma diminuição da prevalência e da incidência da doença, propiciando um avanço do programa de controle em direção à erradicação da doença (LAGE et al., 2005; OLSEN & STOFFREGEN, 2005).

A concentração de bactérias viáveis na vacina B19 presente no momento da aplicação tem uma relação direta com a imunogenicidade e consequente proteção conferida pela mesma (GARCÍA-CARRILLO, 1982). A Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) recomenda uma única dose de 5,0 a 8,0 x 1010 bactérias viáveis (OFFICE, 2004). O MAPA estabelece doses entre 6,0 x 1010 e 1,2 x 1011 bactérias viáveis para a aprovação da vacina para comercialização e que ao vencimento as vacinas B19 aprovadas tenham no mínimo 4,0 x 1010 bactérias viáveis por dose (BRASIL, 2004b).

Este estudo teve como objetivos avaliar a concentração de bactérias viáveis ao final do prazo de validade de vacinas B19 contra brucelose bovina comercializadas no Brasil.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Local do experimento

As análises das vacinas foram realizadas no Setor de Brucelose do Laboratório Nacional Agropecuário / Minas Gerais (LANAGRO/MG) do MAPA, em Pedro Leopoldo/MG.

 

Amostragem

Foram incluídas no estudo amostras de todas as partidas de vacinas comerciais B19 contra a brucelose bovina aprovadas pelo MAPA, com vencimento no período de março/2007 a julho/2007, totalizando 67 partidas. Destas, 29 possuíam prazo de validade de 12 meses, produzidas por dois laboratórios (sendo 26 pelo laboratório B e 03 pelo laboratório E), 35 possuíam prazo de validade de 18 meses (sendo 23 produzidas pelo laboratório A e 12 pelo laboratório C). O laboratório D produziu 3 partidas com prazo de validade de 24 meses.

 

Contagem de bactérias viáveis nas vacinas ao vencimento

Todas as partidas de vacinas foram coletadas no retém da indústria por um Fiscal Federal Agropecuário do MAPA e enviados ao LANAGRO/MG sob refrigeração (2ºC a 8ºC). Para realizar a contagem de bactérias viáveis ao vencimento foram utilizados três frascos de cada partida da vacina. Os frascos passaram por avaliação de vácuo (pressão negativa), utilizando-se um centelhador de alta voltagem antes de serem realizadas as contagens de bactérias viáveis (MANUAL..., 200?). Para o experimento foi utilizado o mesmo procedimento de contagem da análise para liberação oficial (contagem à fresco) (ALTON et al., 1988; MANUAL..., 200?). Os resultados foram emitidos em número de unidades formadoras de colônias (UFC) por dose de vacina.

 

RESULTADOS

À análise de pressão negativa pelo centelhador de alta voltagem todos os frascos de vacina utilizados no experimento apresentaram vácuo de boa qualidade.

Das 67 partidas de vacina B19 analisadas, com vencimento no período de março a julho de 2007, 50 (74,6 %) apresentaram contagem de bactérias viáveis igual ou superior a 4,0 x 1010 UFC/dose ao final do prazo de validade, valor este estabelecido pela legislação para o número de bactérias viáveis no vencimento para vacinas B19 comercializadas no Brasil (Brasil, 2004b). Houve variação entre o número de partidas com contagem de bactérias igual ou superior a 4,0 x 1010 UFC/dose em função do prazo de validade, com 93,1%, 60,0% e 66,7% das partidas consideradas satisfatórias, com prazos de validade de 12, 18 e 24 meses, respectivamente.

 

DISCUSSÃO

Segundo VERWEY et al. (1950), a determinação do número de microrganismos viáveis na vacina B19 tem sido utilizada como parâmetro para estimar se a vacina irá conferir proteção ou não. Assim, uma forma de predizer a qualidade de vacinas B19 é avaliar se a concentração de bactérias viáveis por dose, realizada in vitro, está dentro das normas do órgão regulador do programa de controle da brucelose no país.

Os resultados do presente experimento demonstraram que mais de 25 % das vacinas apresentaram contagem de bactérias viáveis ao vencimento abaixo do recomendado pela legislação, considerando-se o valor de 4,0 x 1010 bactérias viáveis por dose (BRASIL, 2004b). As vacinas com prazo de validade de 12 meses foram as que apresentaram o menor número de partidas com contagens abaixo do estabelecido pela legislação ao vencimento. Destas vacinas, quase 8 % estavam abaixo do recomendado. Somando-se as vacinas com prazo de validade de 18 e 24 meses, encontra-se que 42 % das partidas estavam com contagem inferior a 4,0 x 1010 bactérias viáveis por dose.

As diferenças entre as concentrações de bactérias viáveis ao final do prazo de validade nas vacinas com 12, 18 e 24 meses não podem ser justificadas por diferenças nas concentrações iniciais (à aprovação) uma vez que todas as vacinas foram aprovadas para comércio pelo MAPA com contagens acima do mínimo requerido para aprovação (6,0 x 1010 bactérias viáveis por dose) (BRASIL, 2004b).

Apesar de somente três partidas do laboratório D, cujo prazo de validade é de 24 meses, terem sido analisados neste experimento, duas partidas apresentaram contagens de bactérias viáveis superior ao exigido pela legislação ao vencimento. Isto demonstra que é possível produzir vacinas com boa viabilidade considerando o prazo máximo de validade de 24 meses previstos na legislação.

No presente estudo, onde as amostras foram mantidas sob temperatura controlada até o momento da análise, a temperatura e o tempo podem não ter sido os principais fatores responsáveis pela diferença entre as contagens de bactérias ao vencimento nas vacinas de 12, 18 e 24 meses. Outros fatores que interferem na viabilidade das vacinas durante estocagem devem ser considerados, como o veículo de liofilização (ANGUS et al., 1977; GARCÍA-CARRILLO, 1982), a umidade residual pós-liofilização (VALETTE et al., 1977; FAWTHROP, 1996) e a qualidade de frascos e rolhas (GARCÍA-CARRILLO, 1982; PIKAL & SHAH, 1991).

ARAÚJO (1976) analisou as quatro vacinas B19 que eram comercializadas no Brasil no ano de 1973. Foram realizados testes de contagem de bactérias viáveis e teste de potência em camundongos. A dose recomendada pela legislação era de 6,0 x 1010 bactérias viáveis (BRASIL, 1958). Nenhuma das vacinas apresentou a contagem mínima recomendada pela legislação então vigente mesmo quando recém-fabricadas e fornecidas pela indústria.

Os resultados das análises de Araújo (1976) comparados com os resultados deste trabalho demonstram que houve uma evolução na qualidade das vacinas B19 comercializadas no Brasil e isso se deve às melhorias no processo de fabricação e controle de qualidade da indústria e do controle oficial realizado pelo MAPA.

 

 

CONCLUSÕES

Os resultados deste trabalho permitem concluir que entre as vacinas B19 contra brucelose bovina comercializadas no Brasil com prazo de validade acima de 12 meses, observa-se elevado percentual de vacinas com concentração abaixo de 4,0 x 1010 bactérias viáveis por dose ao vencimento.

 

REFERÊNCIAS

ALTON, G.G., JONES, L.M., ANGUS, R.D., VERGER, J.M. Techniques for the brucellosis laboratory. Paris: INRA. 1988, 189 p.

ANGUS, R.D.; LOVE, E.L.; PIETZ, D.E. Evaluation of five mediums for the stabilization of Brucella abortus strain B19 dessicated by liophilization. Developments in Biologicals, Basel, v. 36, p. 307-312, 1977.

ARAÚJO, R.F. Avaliação de qualidades das vacinas B19, fabricadas no Brasil. 1976. 47 p., Dissertação (mestrado) – Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 1976

BRASIL. Ministério da Agricultura. Portaria Nº 438, de 22 de abril de 1958. Instruções para o combate à brucelose animal. Diário Oficial da União, Brasília, 25  abril de 1958, p. 9411-9413.

BRASIL. Secretaria de Defesa Agropecuária, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa Nº 06, de 08 de janeiro de 2004. Regulamento Técnico do Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal. Diário Oficial da União Nº 07, Brasília, 12  janeiro de 2004, Seção 1, p. 6-10. 2004 a.

BRASIL. Secretaria de Defesa Agropecuária, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa Nº 15, de 19 de fevereiro de 2004. Regulamento Técnico para Produção e Controle de Qualidade da Vacina contra Brucelose e Antígenos para Diagnóstico da Brucelose e Tuberculose Animal. Diário Oficial da União Nº 37, Brasília, 25 fevereiro de 2004, Seção 1, p. 2-3. 2004 b.

CORBEL, M.J. Brucellosis in man and animals. Geneva: WHO, 2006, 89p.

FAWTHROP, D. Regulatory requirements for veterinary vaccine stability in the European Community. In: BROWN F. (Ed). New approaches to stabilisation of vaccines potency. Developments in Biologicals, Basel, v. 87, p. 319-327, 1996.

GARCÍA-CARRILLO, C. Influencia de la temperatura y el grado de vacío sobre la conservación de la vacuna Brucella abortus cepa 19 liofilizada. Journal of Veterinary Medicine Series B, Berlin, v. 29, p. 57-66, 1982.

LAGE, A. P.; POESTER, F. P.; GONÇALVES, V. S. P. Controle da brucelose bovina. Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, Belo Horizonte, n. 47, p. 30-41, 2005.

MANUAL de Procedimentos e Técnicas de Controle de Qualidade de Vacinas Contra a Brucelose e Antígenos Para Diagnóstico da Brucelose. [s.l]: [s.n], [200?], (circulação interna).

ÓFFICE INTERNATIONAL DES EPIZOOTIES, 2004. Bovine Brucellosis. In: Manual of diagnostic tests and vaccines for terrestrial animals, 5.ed. v.1, Paris: World Organization for Animal Health, 2004, p. 409-438.

OLSEN, S. C.; STOFFREGEN, W. S. Essential role of vaccines in brucellosis control and eradication programs for livestock. Expert Review of Vaccines, v. 4, n. 6, p. 915-928, 2005.

PIKAL, M. J.; SHAH, S. Moisture transfer from stopper to product and resulting stability implications. Developments in Biologicals, Basel, v. 74, p. 165-179, 1991.

VALETTE, L.; STELLMANN, P.; PRECAUSIA, P.; DESMETTRE, P. H.; PEMP, M. L. Freeze-drying of Brucella vaccine strain B19. Developments in Biologicals, Basel, v. 36, p. 313-322, 1977.

VERWEY, W. F., HARRINGTON, N. H., MATT, C. Factors influencing the properties of desiccated Brucella abortus vaccine. U.S. 54, 1950, Proc. U.S. Livest. San. Assoc., 1950. p. 65-71.