ESTUDO
RADIOGRÁFICO DAS EXTREMIDADES DISTAIS DOS MEMBROS LOCOMOTORES DE BOVINOS COM
CLAUDICAÇÃO
Ingrid Rios Lima1; Ângela Moni
Fonseca2; Luiz Henrique da Silva2; Ana Paula Araújo
Costa2; Luiz Antônio Franco da Silva3; Naida Cristina Borges4
1. Médica veterinária, mestre em Clínica e Cirurgia de Grandes Animais
2. Acadêmicos (as) do Curso de Medicina Veterinária, Universidade
Federal de Goiás (UFG)
3. Médico veterinário, Dr., professor do Curso de Medicina
Veterinária, Universidade Federal de Goiás (UFG)
4. Médica veterinária, doutora, professora do Curso de Medicina
Veterinária, Escola de Veterinária, Hospital Veterinário, Universidade Federal
de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil, cep 74001-970.
E-mail: naida@vet.ufg.br (autor
correspondente)
PALAVRAS- CHAVE:
Alterações radiográficas, diagnóstico por imagem, enfermidades podais.
ABSTRACT
RADIOGRAPHIC
STUDY OF THE DISTAL EXTREMITIES OF LOCOMOTOR LIMBS IN CATTLE WITH LAMENESS
Radiography
has been widely used to classify and assess the degree of injuries that cause
lameness. This study reports a radiographic study of the distal
extremities of locomotor limbs. Scoring distribution considered limbs with and
without malformations, and related lameness and the severity of digital
injuries to radiographic images. A total of 50 confined male cattle presenting
locomotor disorders, with or without digital alteration, were evaluated, of
which 86% were affected by lameness. As regards severity of impairment, 14% of
animals' injuries were mild, 20% moderate, 52% severe, and 14% profound.
Analysis of 200 limbs revealed that only 29,5% had digital injuries, which
included multiple lesions (40,7%), septic pododermatitis (32,2%),
interdigital dermatitis (11,9%), heel-horn erosion (8,5%), and digital
dermatitis (68%). According to the radiographic evaluation, 25,5% of the
extremities presented some kind of digital alteration. The main injuries were:
degenerative joint disease (27,5%), osteitis (19,6%), periostitis (15,7%),
septic arthritis in distal interphalangeal joints (11,8%), calcification
of deep flexor tendon (7,8%), and extensor tendon (5,9%). Results indicate a
relationship between the presence of lameness, digital injuries and
radiographic alterations. Locomotion scores, associated with podal injury and
radiographic examinations, helped in the diagnosis of lameness.
KEYWORDS: Image diagnosis, podal injuries; radiographic
alterations.
INTRODUÇÃO
Claudicação em bovinos
tem sido associada a perdas econômicas e preocupações em relação ao bem estar
animal, e dentre suas causas, as enfermidades digitais estão entre as mais
importantes. SOUZA (2002) constatou prevalência de 89,8% de diversos tipos de
lesões causando claudicação em animais manejados semi-intensivamente e, segundo
SILVA et al. (2001) e NICOLETTI (2004), dependendo da gravidade das lesões
podais, a afecção apresenta graus variados de intensidade. Além do exame
clínico geral e específico do casco, STANEK (1997) afirma que o exame
radiográfico constitui método auxiliar importante no diagnóstico de
claudicação, pois indica a extensão das lesões, sua natureza e sugere o
prognóstico provável. BARNABÉ (2005), em estudo radiográfico com bovinos claudicantes, encontrou
enfermidades podais com a seguinte prevalência: doença degenerativa articular
(28,72%), osteíte (24,22%), periostite (11,42%), artrite séptica (7,96%) e
osteomielite (7,26%). BORGES et al., (2006) avaliando 70 extremidades de animais
portadores de enfermidades podais constataram 58% de osteíte, 32% de fisite
asséptica e 31% de periostite.
Ainda
que os estudos reforcem a importância do assunto, não se esclareceu quais
lesões são clinicamente relevantes e quais são os achados radiográficos
considerados normais. Assim, objetivou-se realizar o
estudo radiográfico das extremidades distais dos membros locomotores de bovinos
apresentando diferentes escores de locomoção e relacionar os achados.
MATERIAL E MÉTODOS
O
estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Goiás, protocolo No 009/2008. Empregou-se 50
bovinos, mestiços (Zebu X Europeu), machos, manejados em sistema intensivo
durante o período de 112 dias, contados a partir da entrada dos animais no
confinamento. O escore de locomoção, foi
estabelecido no momento da chegada ao confinamento (M1) e na saída para o
frigorífico (M 2), segundo relatos de FERREIRA et al. (2005).
Ao
final do período de confinamento os animais foram acompanhados durante o abate
para a colheita das extremidades distais dos membros locomotores. Os membros
foram desarticulados nas junções carpo-metacárpica e tarso-metatársica e
transportados à Escola de Veterinária para lavagem das peças e classificação
das lesões de acordo com as recomendações de SILVA et al. (2001) e NICOLETTI
(2004). A denominação “lesão mista” foi instituída quando se constatou a
presença de sinais clínicos compatíveis com mais de uma enfermidade digital na
mesma extremidade. Além disso, as lesões foram distribuídas de acordo com três
escores de severidade: Grau 1 para as lesões leves, Grau 2 para moderadas e
Grau 3 para graves.
Os
membros foram encaminhados para exame radiográfico em projeções
palmaro/plantaro- dorsal e latero-medial e as películas radiográficas foram
avaliadas de acordo com as recomendações de BARGAI et al. (1988).
Os resultados foram
apresentados na forma de distribuição de freqüência. O teste de regra dos
sinais de Descartes avaliou a característica do escore de locomoção (melhora e
piora) dos animais nos momentos M1 e M2. O teste de Correlação de Sperman foi
realizado para avaliar a relação entre os graus de escore de claudicação e os
graus de severidade das lesões podais. O teste do Qui-quadrado para
independência foi aplicado na verificação de associações entre claudicação
versus lesão podal, lesão radiográfica versus claudicação, lesão radiográfica
versus lesão podal e lesão podal versus localização da lesão radiográfica nos
dígitos laterais e mediais. As análises foram realizadas com auxílio do
programa SPSS, versão 15.0®, considerando a significância de 5% (p
< 0,05).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos
50 bovinos avaliados quanto ao escore de locomoção, 43(86%) manifestaram
claudicação igual ou superior ao grau dois. Nos demais sete (14%) foi observado
escore um, sendo, portanto considerados portadores de desordens locomotoras,
concordando com FERREIRA et al. (2005). A comparação entre M1 e M2 demonstrou
que em apenas cinco (10%) dos animais observou-se melhora na claudicação, 23
(46%) mantiveram o mesmo escore de locomoção e em 22 (44%) notou-se agravamento
da claudicação. Confrontando o número de animais que apresentou melhora no
escore de locomoção com aqueles que manifestaram agravamento desse parâmetro,
observou-se piora (p= 0,003) da claudicação dos animais durante os 112 dias de
confinamento. Como os animais não foram submetidos a qualquer protocolo
terapêutico, o manejo intensivo geralmente propicia acúmulo de sujidades e
resulta em maior concentração de animais por área e, fundamentando-se nas
afirmações de SILVA et al. (2001) e NICOLLETE (2004), essa situação pode ter contribuído
para o agravamento das enfermidades digitais e, conseqüentemente do escore de
locomoção.
Considerando
a avaliação realizada nas 200 extremidades, constatou-se que 59 (30%)
apresentaram lesões aparentes e em 141 (70%) não se observou lesões. Quanto à
classificação das lesões, verificou-se que 100% dos dígitos avaliados
apresentaram linhas de estresse horizontais, as quais ocorreram de forma
isolada em 141 extremidades (70,5%) e concomitante a outras lesões em 59
(29,5%). Destas, em 40,7% as lesões foram classificadas como mistas, 32,2% eram
características de pododermatite séptica, 11,9% dermatite interdigital, 8,5%
erosão de talão e 6,8% classificadas como dermatite digital. Acredita-se que
estes resultados distintos sejam presumíveis quando se considera o caráter
multifatorial das afecções digitais e dentre estes aspectos, as diferenças no
tipo de manejo, padrão genético, alimentação, aspectos regionais e climáticos.
Assim, as enfermidades digitais diagnosticadas encontram-se dentro da relação de
alterações podais apontadas por autores como MARTINS et al. (2002) e SILVA et
al. (2007).
O
escore de claudicação
aumentou à medida que o grau de comprometimento das
lesões também aumentou
(p<0, 001). De modo óbvio, esse achado pode ser justificado
em função do
aumento da dor desencadeado pelo agravamento das lesões. DYER
et. al (2007)
comprovaram que a ativação nos índices de dor no
casco aumentava o escore de
locomoção. Além disso, verificou-se
associação entre ocorrência de
claudicação
e de lesão podal (p<0, 001), sendo observados 79,1% de
lesões podais nos
membros claudicantes. Assim, infere-se que a claudicação
esteve relacionada com
a presença de enfermidade podal, ainda que tenham ocorrido
variações no grau de
severidade das lesões. MURRAY et al. (1996), em uma pesquisa
empregando bovinos
com enfermidades digitais observaram que 96% dos episódios de
claudicação
estavam relacionados à ocorrência de lesões podais.
Os demais animais
claudicantes foram diagnosticados como manqueiras altas.
Ao
exame radiográfico, constatou-se algum tipo de alteração em 51 (25,5%)
extremidades distais avaliadas. As lesões observadas e respectivas freqüências
foram: doença degenerativa articular-DDA (27,5%), osteíte (19,6%), periostite
(15,7%), artrite séptica da articulação interfalangeana distal (11,8%),
calcificação do tendão flexor profundo (7,8%), calcificação do tendão extensor
(5,9%), fratura em lasca, artrite anquilosante e calcificação do ligamento
cruzado proximal (3,9% cada uma). Dentre os poucos estudos radiográficos
realizados em bovinos com histórico de claudicação e com lesões digitais, CRUZ
et al. (2001) observaram osteíte em 48% dos animais, osteíte combinada a outras
lesões em 17% e DDA em 10% dos avaliados. BARNABÉ (2005) encontrou DDA (26,4%),
osteíte (23,6%), periostite (10,4%), artrite séptica (9,4%) e artrite
anquilosante (1,6%). Essas variações nos índices encontrados podem estar
relacionadas ao manejo e ao tipo de lesão podal.
Alterações
radiográficas estiveram presentes em 64,7% dos membros, cujos
bovinos
apresentavam claudicação evidente (p<0,001), indicando
que alterações
digitais internas podem desencadear mudanças no ato de caminhar.
Alterações
radiográficas também foram identificadas em 62,7% dos
membros com lesões podais
diagnosticadas clinicamente (p<0,001). Esses resultados sugerem que
são
maiores as chances das alterações radiográficas
estarem presentes em animais
portadores de lesões digitais. BARGAI et al.(1988) e GREENOUGH
(2007) afirmaram
ser a claudicação o principal sinal clínico
apresentado por animais portadores
de enfermidades podais. Avaliando a ocorrência das lesões
radiográficas
juntamente com as lesões podais observa-se que 43% bovinos com
DDA apresentaram
lesões mistas e em 37% não foram identificadas quaisquer
lesões. Assim, pode-se
afirmar que apesar de existir relação entre a
ocorrência de lesões podais e
lesões radiográficas, não é possível
estabelecer associação entre os tipos de lesões,
radiográficas ou podais.
Em
uma análise sobre os dígitos mais acometidos verificou-se que as lesões podais
e radiográficas ocorreram concomitantes (p<0,001) e em proporções
semelhantes para os dígitos mediais (81%) e laterais (82%). Possivelmente,
mudanças periódicas na distribuição do peso do animal sobre seus membros devido
à presença de lesões digitais podem resultar em maior pressão na falange
distal, situação que, em tese, propicia alterações tanto no estojo córneo como
nas estruturas anatômicas internas do dígito. Portanto, infere-se que a
possibilidade do aumento de pressão sobre a falange distal, também pode ter
desencadeado as lesões radiográficas diagnosticadas nos bovinos estudados. Essa
possibilidade foi aventada por RAVEN (1989).
CONCLUSÕES
O
escore de locomoção, associado à
caracterização das lesões podais e ao exame
radiográfico auxiliou no diagnóstico de
claudicação. Portanto, existe relação
entre claudicação, lesões podais e
alterações radiográficas. No entanto, não
é
possível relacionar os tipos de lesões
radiográficas às diferentes formas de
manifestação das doenças podais nos bovinos
estudados.
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