Biopsia Hepática no Diagnóstico da Esteatose em Ovinos

 

Ernane de Paiva Ferreira Novais1; Guilherme Carneiro Reckziegel2; João Gabriel Cesar Palermo3; Augusto Ricardo Coelho Moscardini4; Vanessa da Silva Mustafa5, Márcio Botelho Castro6; José Renato Junqueira Borges6, Roberta Ferro de Godoy6.

 

  1. Residente do Hospital Escola de Grandes Animais – UnB  

E-mail: ernanedepaiva@gmail.com (autor correspondente)

2. Médico veterinário autônomo

3. Acadêmico do Curso de Medicina Veterinária da UnB

4. M.V. Msc Tenente do Regimento de Policia Montada – RPMon – Brasília/DF

5. M.V. Mestrando da UnB

6. Professor da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da UnB

 

Palavras-chave: Cetose, hepatopatia, toxemia da gestação, ultrassom.

 

ABSTRACT

 

Liver Biopsy in the Diagnosis of Steatosis in Sheep

Pregnancy toxaemia is a common metabolic disorder in sheep flocks which is characterized by the sheep’s inability to keep its energetic balance in the last month of pregnancy. It usually causes hepatic steatosis and death by hepatic encephalopathy. A histopathological assessment of liver biopsies provides evidence of severe fatty degeneration of the liver. An early and accurate diagnosis is essential, reinforcing the importance of liver biopsy. In order to prevent pregnancy toxaemia, it is important to carry out a percutaneous liver biopsy by comparing histopathological, clinical, and laboratory findings. Ultrasound-guided biopsy as a supplementary examination may be useful in diagnosing both subclinical and clinical hepatic steatosis in sheep. In this study, there were few and non-specific clinical and laboratory changes – such as serum levels of aspartate aminotransferase, gama-glutamyl transferase, total plasmatic protein, albumin and globulins, glycaemia, and ketone bodies in urine. Liver biopsy proved its effective detection of steatosis cases on animals. The presence of light to moderate hepatic steatosis on clinically healthy animals may be normal, which increases the need for new studies to prove the importance of liver biopsy as a preventive measure.

 

Keywords: Hepatopathy, ketosis, pregnancy toxaemia, ultrasound scan.

 

Introdução

A toxemia da gestação é um transtorno metabólico que se caracteriza por hipoglicemia e hipercetonemia como conseqüência de uma incapacidade da ovelha em manter o seu equilíbrio energético no último mês de gestação. Geralmente causa esteatose hepática, sendo mais comum quando as ovelhas estão obesas e há acúmulo de gordura abdominal, o útero está muito grande devido o tamanho do feto ou gestação com dois, três ou até quatro fetos. Isso faz com que o rúmen diminua seu volume e o animal não consiga satisfazer suas necessidades energéticas que são 70-80% maiores neste período devido ao crescimento rápido do feto ou fetos. A diminuição da ingestão de alimentos pode ser também devido a uma doença primária ou estresse e há casos em que a causa é a desnutrição (NAVARRE & PUGH, 2002; BRUGÈRE-PICOUX, 2004).

Os animais apresentam depressão severa, hipoglicemia, e a acetonemia não é sempre observada principalmente em ovelhas desnutridas. A morte geralmente ocorre por insuficiência hepática devida a esteatose severa. FORD (1983) afirma que a esteatose existe também em ovelhas normais, se diferenciando dos casos de toxemia pela sua gravidade. NAVARRE & PUGH (2002) afirmam que a biopsia hepática é determinante para o diagnóstico da esteatose e sua gravidade.

O diagnóstico da doença hepática envolve uma combinação de anamnese, exame físico, exames laboratoriais e eventualmente avaliação por recursos de imagem e histopatologia. Em determinadas condições, o perfil enzimático não atende às necessidades do clínico em responder a real natureza da hepatopatia. A biopsia hepática permite uma visão mais ampla da natureza da doença hepática, determinando o acesso à morfologia da lesão (TOSTES & BANDARRA, 2002).

Os benefícios da biopsia hepática são muitos. As facilidades de realização, assim como as infreqüentes complicações e a importância diagnóstica, tem incrementado seu uso. Apesar dos avanços nos métodos de investigação das doenças hepáticas, incluindo-se os de imagem e biologia molecular, o exame histopatológico do tecido hepático é essencial para o diagnóstico, especialmente nas hepatopatias crônicas (SHERLOCK et al., 1984). A biopsia hepática em ruminantes tem importante aplicação clínica, pois fornece aos profissionais informações sobre a estrutura morfológica e sobre a composição bromatológica do fígado (AMORIM et al., 2003).

Das técnicas de biopsia hepática desenvolvidas para animais, a biopsia percutânea com agulhas tipo Tru-Cut prevalece como uma das mais utilizadas, tanto pela sua praticabilidade como pela possibilidade de oferecer um grau de risco menor ao paciente (TOSTES & BANDARRA, 2002).

AMORIM et al. (2003), estudando a técnica de biopsia hepática percutânea em bovinos concluíram, que a técnica é segura e eficaz por não provocar dano hepático extenso e por obter rapidamente fragmentos adequados para análise bromatológica ou histopatológica. As pequenas lesões teciduais causadas por esta técnica não provocam alterações significativas nas variáveis do hemograma, no fibrinogênio e nas atividades séricas enzimáticas da fosfatase alcalina (ALP) e gama glutamiltrasferase (GGT).

 

 

Material e Métodos

 

Foram utilizadas 18 ovelhas adultas, da raça Santa Inês, distribuídas em três grupos (Vazias, Paridas no primeiro mês pós-parto e Prenhe no último mês de gestação) pertencentes à Fazenda Água Limpa da UnB. Os animais se alimentavam de pasto formado de Andropogon gayanus com sal mineral para ovinos ad libitum. No fragmento obtido por biopsia hepática foi analisado, por meio de histopatologia, o grau de esteatose hepática com “0” para as amostras sem lesão hepática, + esteatose leve, ++ esteatose média e +++ esteatose grave. Durante um mês esses animais e suas crias foram acompanhados, observando-se o índice de mortalidade das matrizes e borregos relacionando com o grau de esteatose hepática.

Foram coletadas amostras de soro sanguíneo por meio de venopunção da jugular para determinação das concentrações séricas de albumina, proteínas totais, e atividade das enzimas hepáticas, aspartato aminotransferase (AST) e GGT. As amostras foram coletadas em tubos tipo vacutainer e mantidas sob refrigeração até a chegada ao laboratório. Os níveis sangüíneos de glicose foram obtidos com o uso do medidor portátil de glicemia Accu-Chek® Advantage (Roche Diagnostica Brasil Ltda – São Paulo-SP,  Brasil). A pesquisa de corpos cetônicos na urina foi feita através da fita de urinálise Combur 10Test® UX (Roche Diagnostica Brasil Ltda – São Paulo-SP,  Brasil).

A biopsia foi obtida por meio de agulhas semi-automáticas do tipo Tru-Cut tamanho 14G x 200mm e as imagens para guiar o procedimento foram obtidas pelo aparelho de ultrassom 180 Plus Sonosite® com transdutor convexo de 5,0 MHz. O animal foi contido e colocado em decúbito lateral esquerdo e após a identificação do tecido hepático pela imagem ultrassonográfica, entre o 8° e o 11° espaço intercostal direito. O local de introdução da agulha foi tricotomizado, anestesiado com 1mL de lidocaína 2%, limpo e preparado cirurgicamente. Após anti-sepsia com álcool iodado, uma incisão de 1 cm foi realizada com o bisturi na pele para facilitar a penetração da agulha de biopsia, que atravessa o músculo intercostal e o diafragma, chegando ao fígado. A agulha de biopsia foi introduzida, ventral ao transdutor paralelo às costelas, com auxílio da imagem da agulha no parênquima hepático no campo visual do aparelho de ultrassom. Após a colheita do fragmento de biopsia procedeu-se a dermorrafia com fio de nylon da incisão e aplicação de pasta repelente. O fragmento obtido pela biopsia foi fixado em 40mL de solução de formol a 10% e posteriormente processado, sendo a lâmina corada com hematoxilina-eosina.

Os dados obtidos na histopatologia dos fragmentos de fígado foram relacionados aos valores encontrados na patologia clínica (níveis séricos de enzimas e proteínas) e sinais clínicos apresentados pelos animais. As ferramentas estatísticas utilizadas foram a análise de variância e a comparação das médias com Teste T.

 

 

Resultados e Discussão

A atividade de AST dos três grupos estão dentro dos valores de referência (RADOSTITS et al., 2002) para a espécie (Vazias: 102,1±9,083; Prenhes: 113,3±20,44; Paridas: 136,5±51,40). O grupo “Paridas” apresentou a maior atividade desta enzima. Demonstrando que não há degeneração e/ou necrose hepática, que poderiam elevar a atividade da AST (KANEKO et al., 2003).

Os valores médios da proteína plasmática total (PPT) (Vazias: 7,300±0,3033; Prenhes: 7,483±1,289; Paridas: 6,667±1,042), globulinas (GLO) (Vazias: 3,678±0,4906; Prenhes: 3,930±1,238; Paridas: 3,982±1,131) e albumina (ALB) (Vazias: 3,622±0,2840; Prenhes: 3,553±0,5650; Paridas: 2,685±0,4057) estão dentro dos limites de referência, não havendo diferenças significativas entre os grupos para GLO e PPT. A menor média de ALB ocorreu no grupo Paridas, possivelmente pela drenagem de proteína pelo leite.

A glicemia apresentou-se dentro dos valores de referência para a espécie (Vazias: 48,00±2,098; Prenhes: 59,67±9,114; Paridas: 64,50±13,61), exceto pelo grupo Vazias que apresenta discreta diminuição na glicemia em relação ao grupo Paridas, podendo esta diferença estar relacionada com a alimentação deficiente das ovelhas vazias.

A atividade da GGT apresentou-se dentro dos valores referência para a espécie (Vazias: 40,83±7,600; Prenhes: 40,67±14,35; Paridas: 39,67±7,711), com pequena variação das médias entre os grupos.

Nenhum dos animais de todos os grupos apresentou corpos cetônicos na urina. Segundo RADOSTITS et al. (2002), a dosagem quantitativa dos corpos cetônicos urinários pode ser insatisfatória devido às amplas variações que ocorrem de acordo com a concentração de urina.

Os resultados do exame histopatológico dos fragmentos de biopsia hepática evidenciaram esteatose leve a moderada em 50% dos animais do grupo Vazias e esteatose leve em 66,6% dos animais do grupo Prenhes. Nenhuma alteração hepática foi encontrada nos animais do grupo Paridas, mesmo com 50% destas fêmeas tendo passado por gestação múltipla de até trigêmeos. Apesar dos achados de esteatose hepática, nenhum dos animais do estudo apresentou a sintomatologia clínica de toxemia de gestação. O grupo de ovinos Vazias apresentou o maior grau de esteatose, corroborando com os achados de glicemia mais baixa, por possível déficit alimentar. O grupo de Prenhes, a esteatose deve estar relacionada com as últimas semanas de prenhez (FORD, 1983).

Nenhum dos animais do estudo apresentou qualquer complicação devido ao procedimento de biopsia, mostrando-se um processo fácil, rápido e seguro.

 

 

Conclusões

A biopsia hepática guiada por ultrassom demonstrou ser um ótimo meio diagnóstico e de avaliação do grau de esteatose hepática, oferecendo mínimo risco aos animais submetidos, sendo rápido e seguro. Tais qualidades corroboram para a inserção da biopsia hepática como teste diagnóstico na rotina clínica não só para o diagnóstico da esteatose hepática, mas também das outras hepatopatias que possam acometer os pequenos ruminantes. Além disso, apenas os achados laboratoriais da bioquímica sérica não seriam suficientes para o diagnóstico da esteatose hepática nos ovinos do presente estudo, demonstrando a sensibilidade da biopsia hepática mesmo na ausência de maiores alterações sistêmicas ou de sinais clínicos.

 

REFERÊNCIAS

AMORIM, R. M.; BORGES, A. S.; KUCHEMBUCK, M. R.; TAKAHIRA, R. K.; ALENCAR, N. X. Bioquímica sérica e hemograma de bovinos antes e após a técnica de biopsia hepática. Ciência Rural, Santa Maria, v. 33, n. 3, p. 519-523, 2003.

BRUGÈRE-PICOUX, J. Maladies des moutons. 2.ed., Paris: Edition France Agricole, 2004.

FORD, E. J. H. Pregnancy toxemia. In: MARTIN, W. B. Diseases of sheep. Oxford: Blackwell Scientific Publications, 1983.

KANEKO, J. J.; HERVEY, J. W. ; PRASSE, K. W. Dunkan e Presse´s veterinary laboratory medicine - clinical pathology. 4.ed., Iowa: Blackwell Publishing, 2003, 450p.

NAVARRE, C. B.; PUGH, D. G: Diseases of the gastrointestinal system. In: PUGH, D. G. Sheep and goat medicine. Philadelphia: Saunders, 2002.

RADOSTITS, O. M.; GAY, C. C.; BLOOD, D. C.; HINCHCLIFF, K. W. Clínica veterinária. tratado de doenças dos bovinos, ovinos, suínos, caprinos e eqüinos. 9.ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

SHERLOCK, S.; DICK, R.; VAN LEENWEN, D. J. Liver biopsy today. Journal of Hepatology, Oxfordshire, v.1, p. 75-85, 1984.

TOSTES, R. A.; BANDARRA, E. P. A biopsia hepática em cães. Revista do Conselho Federal de Medicina Veterinária, Brasília, n. 27, p. 28-31, 2002.