BRAQUIÁRIA: FATORES QUE INTERFEREM NOS NÍVEIS DE SAPONINA

 

Flávia Gontijo Lima1, Carolina Santos Ribeiro2, Diogo Di Francescantonio Andrade2, Victor Yunes Guimarães2, Harry Léo Wysocki Júnior3, Mitsue Haraguchi4, Maria Clorinda Soares Fioravanti5

 

1.Pós-Graduanda em Ciência Animal da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás

2.Graduandos em Medicina Veterinária da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás

3.Graduando em Farmácia na Universidade do Grande ABC

4.Pesquisadora Doutora do Instituto Biológico

5.Professora Doutora da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás Caixa Postal 131,

CEP 74001-97, Goiânia-GO, Brasil. E-mail: clorinda@vet.ufg.br

 

PALAVRAS-CHAVE: Gramíneas tropicais, fígado, intoxicação, protodioscina

 

ABSTRACT

 

STUDY OF BRACHIARIA SPECIES AND SAPONIN LEVELS

Saponins are found in plants that are vulnerable to fungal or bacterial attack, or insect predation. They serve as chemical barriers in the plant's defense system. A total of 24 experimental plots with dimensions of 3x4m were manually planted, half Brachiaria decumbens cv. Basilisk, half Brachiaria brizantha cv. Marandu. Treatment combinations consisted of three levels of nitrogen (0, 50, 100 kg/ha) and their development was observed during 12 months. Sample analysis was carried out 60, 120, 180, 240, 300 and 360 days after planting. Saponin concentrations were higher in B. decumbens than B. brizantha, It was also true during growth phases in both plants, although there was some variation along the rest of the year. Levels of nitrogen fertilizers did not alter saponin production.

 

KEYWORDS: Liver; poisoning; protodioscin; tropical grasses

 

INTRODUÇÃO

          As saponinas são compostos originários do metabolismo secundário das plantas, geralmente encontrados nos tecidos de maior vulnerabilidade ao ataque fúngico, bacteriano ou predatório dos insetos. Conseqüentemente, um de seus papéis é atuar como uma barreira química ou como um protetor do sistema de defesa da planta (WINA et al., 2005).

São glicosídios com núcleo tipo furostanólico ou espirostanólico, que contém uma ou várias cadeias de açúcares, possuem 6 isoprenos e 30 átomos de carbono, chamando-se de triterpenos, Como o próprio nome indica, as saponinas são prontamente reconhecidas pela formação de espuma persistente e abundante quando em solução aquosa (PERES, 2004).

Segundo PIRES et al. (2002), existem quatro saponinas esteroidais e três sapogeninas das partes aéreas de B. decumbens. A gramínea pertence ao grupo de plantas capazes de induzir fotossensibilização hepatógena semelhantes aquelas descritas por Panicum spp., Tribulis terrestris, Agave lecheguilla e Narthecium ossifragum. Essas espécies são todas conhecidas por conterem saponinas esteróides que tem sido associada com a deposição de material cristalóide no sistema biliar e fotossensibilização.

          Diante de várias lacunas quanto a etiopatogenia de lesões hepáticas detectadas em ruminantes saudáveis ou com sinais de fotossenbilização alimentados com gramíneas do gênero Brachiaria, faz-se necessário o desenvolvimento de estudos controlados efetuando-se a quantificação da saponina nas pastagens.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foram plantados manualmente 24 canteiros de dimensões 3x4 metros, 12 com B. decumbens cv. Basilisk e 12 com B. brizantha cv. Marandu, em um terreno da Universidade Federal de Goiás (UFG). Cada canteiro de 12m2 foi dividido em 14 linhas de 4m lineares, de modo que em cada colheita foram retiradas duas linhas, sobrando duas linhas como margem de segurança. Foi aplicado no solo, calcário para a correção de acidez e fósforo, potássio e micro minerais para correção das deficiências de acordo com análise do solo. Para cada espécie de braquiária foram utilizados três níveis crescentes de nitrogênio (0, 50, 100 kg/ha), com quatro repetições de cada nível, que foram aplicados a partir de uréia fertilizante diluída em água e aspergidos sobre as plantas 30 dias após o plantio.

O desenvolvimento das plantas foi acompanhado por 12 meses. Cada canteiro foi amostrado aos 60, 120, 180, 240, 300 e 360 dias, após o plantio, para a determinação da concentração de saponina durante esse período (crescimento, florescimento, frutificação), de modo a acompanhar as variações na quantidade de saponina protodioscina ao longo do ano.

            Os canteiros foram plantados no dia 19/12/2007 e as colheitas de capim foram realizadas a cada 60 dias até completar um ano de acompanhamento nos dias: 18/02/2008 (1ª colheita 60 dias após o plantio), 17/04/2008 (2ª colheita 120 dias após o plantio), 16/06/2008 (3ª colheita 180 dias após o plantio), 15/08/2008 (4ª colheita 240 dias após o plantio), 14/10/2008 (5ª colheita 300 dias após o plantio) e 13/12/2008 (6ª colheita 360 dias após o plantio).

Para a determinação da quantidade de saponina as plantas foram cortadas rente ao solo (5cm) em a quantidade de pastagem fresca suficiente para a análise. As folhas secas moídas, de B. decumbens e B. brizantha ficaram em maceração no etanol (EtOH) 92%, sendo posteriormente submetidas ao rotaevaporador para extração dos respectivos extratos etanólicos brutos (EE). Cada EE foi suspenso em água e sucessivamente fracionado por partição, em funil de decantação, com éter sulfúrico, etil acetato e butanol saturado com H2O com o objetivo de produzir as frações solúveis em éter, etil acetato e butanol (BuR), respectivamente. Todas as frações foram evaporadas por secagem em câmara de vácuo. Cada resíduo EE e BuR das amostras e uma mistura de protodioscina e seus isômeros (controle) foram aplicados em placas de cromatografia de camada delgada (CCD) com sílica gel no seguinte sistema de solventes: clorofórmio, metanol e água (64:36:8) e butanol, ácido acético e água (4:1:2). Posteriormente as placas foram aspergidas com H2SO4 10% e com o reagente de Ehrlich. As amostras positivas foram submetidas à determinação espectrofotométrica para saponina furostanol segundo o método descrito por GJULEMETOWA et al. (1982). 

Os dados referentes às precipitações pluviométricas mensais (mm), temperatura (°C) e insolação (horas de exposição à radiação solar ao longo do dia) do município de Goiânia, do período de dezembro de 2007 a dezembro de 2008 foram fornecidos pelo Setor de Engenharia Rural da Escola de Agronomia da UFG, uma estação evaporimétrica de primeira classe.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As porcentagens de saponina encontradas variaram de 0,48% a 3,88%. A quantidade de saponina detectada na Brachiaria decumbens foi significativamente maior (P<0,05) que na Brachiaria brizantha, em todos os momentos avaliados. Ambas as espécies de braquiária apresentaram a maior concentração média de saponina na primeira colheita (BB= 2,39% e BD= 3,15%) e a menor média foi observada na quinta colheita (BB= 0,61% e BD= 1,06%).

A porcentagem de saponina protodioscina nos diferentes níveis de adubação, considerando os canteiros de B. decumbens (BD) e B. brizantha (BB) não apresentou diferença significativa (P>0,05), o que permitiu o agrupamento dos dados por gramínea e por período, desconsiderando os três níveis de adubação.

Os resultados deste estudo mostraram variação da saponina protodioscina entre as espécies e dentro da mesma espécie considerando a idade da gramínea. Resultados semelhantes são apontados por MEAGHER et al. (1996) em um estudo com Panicum sp e B. decumbens que mostrou que os níveis de saponinas e sapogeninas podem variar entre as espécies e dentro da mesma espécie, de acordo com a idade da planta e o local de colheita. Observações similares foram feitas por FLAØYEN et al. (2004) que avaliaram a concentração de sapogeninas em amostras de Narthecium ossifragum e descreveram variação entre os locais, ao longo de uma estação do ano e possivelmente entre as plantas.

O clima no Estado de Goiás caracteriza-se por duas estações bem definidas, o período seco (abril a setembro) e o período chuvoso (outubro a março). A maior média de precipitação pluviométrica no período deste experimento ocorreu entre a primeira colheita (19 de fevereiro) e a segunda (17 de abril) e diminuiu consideravelmente nas colheitas posteriores à voltando a subir a partir do mês de setembro, próximo à quinta colheita (14 de outubro). A temperatura se manteve constante durante todo período experimental e a insolação foi maior nos meses de abril a outubro.

Durante a quinta colheita, feita posteriormente ao período de menor precipitação pluviométrica (meses de julho, agosto e setembro) notou-se uma menor porcentagem de saponina nas pastagens. Já na primeira colheita, realizada no período de maior precipitação pluviométrica (meses de janeiro, fevereiro e março), foi quando se obteve maior porcentagem de saponina na pastagem, entretanto este comportamento não se repetiu nos meses de outubro e dezembro, onde a precipitação pluviométrica também estava alta.

Neste estudo o maior teor de saponina observado foi em pastagem de B. decumbens durante o período de crescimento. BRUM et al., 2004 e BRUM (2006) revelaram que a fase de maior concentração de saponina protodioscina foi a fase final do ciclo de vida de B. brizantha e B. decumbens. Evidenciando, portanto, que os teores de saponinas nas plantas não são constantes.

A menor concentração de saponina ocorreu no mês de outubro (final do período seco e início das chuvas). O estresse hídrico pode ter relação com a redução na produção de saponina pelas gramíneas (OLESZEK, 2002). No momento desta colheita as plantas apresentavam alta quantidade de folhas secas, o que também pode ter contribuído para a diminuição nos teores de saponina. Segundo BARBOSA-FERREIRA et al. (2009) as folhas secas contêm quatro vezes menos saponinas do que as folhas verdes. A partir dessas observações, pode-se sugerir que a época do ano influenciou significativamente (P<0,05) a concentração de saponinas nas amostras de plantas avaliadas.

Considerando que a maior concentração das saponinas nas pastagens foi encontrada durante a fase inicial do ciclo de vida da planta, esse resultado foi corroborado por SEN et al. (1998) que encontraram maior conteúdo de saponinas nas plantas de Medicago lupulina imaturas do que nas maduras.

A maior quantidade de saponina foi observada neste estudo foi na primeira colheita, onde predominava maior número de folhas jovens. BARBOSA-FERREIRA et al. (2009) estudando a concentração de saponina protodioscina em folhas de B. brizantha encontraram que folhas jovens apresentaram maior teor de saponinas do que as maduras, tornando-se condizente com este trabalho. No entanto, os autores correlacionaram positivamente a concentração de saponina em folhas jovens com a insolação e nas folhas maduras com a temperatura. No presente estudo não houve relação entre concentração de saponina e insolação ou temperatura.

 

CONCLUSÕES

       A quantidade de saponina observada na B. decumbens é maior do que na B. brizantha. As quantidades de saponina são maiores durante a fase de crescimento das braquiárias e variam ao longo do ano. O nível de adubação nitrogenada não interfere na quantidade de saponina da Brachiaria spp.

 

AGRADECIMENTOS

            Ao CNPq pelo auxílio financeiro e a CAPES pela concessão da bolsa.

 

REFERÊNCIAS

BARBOSA-FERREIRA, M., BRUM, K. B., FERNANDES, C., E., MARTINS, C., F., PINTO, G., S., CASTRO, V., S., REZENDE, K., G., RIET-CORREA, F., HARAGUCHI, M., JUNIOR, H., L., W., LEMOS, R., A., A. Variations of saponin level X maturation in Brachiaria brizantha leaves: Preliminary data. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON POISONOUS PLANTS, 8., 2009, João Pessoa. Anais... João Pessoa: ISOPP, 2009. P.13.

BRUM, K. B. Papel das saponinas e do Pithomyces chartarum como agentes hepatotóxicos para ruminantes em sistema de pastejo. 2006. 93f. Tese (Doutorado em Ciência Animal) – Escola de Veterinária, Universidade Federal de Goiás, Goiânia.

BRUM, K. B.; HARAGUCHI, M.; LEMOS, R. A. A.; FIORAVANTI, M. C. S. 2004, Colangiopatia associada a cristais em ovinos mantidos em pastagem de Brachiaria decumbens. In: SIMPÓSIO LATINO-AMERICANO DE PLANTAS TÓXICAS, 1., 2004, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Pesquisa Veterinária Brasileira, 2004. 24 (supl): 14.

FLAØYEN, A.; WILKINS, A. L.; Di MENNA, M. E.; SANDVIK, M. The concentration of steroidal sapogenins in the degree of fungal infeccion on Narthecium ossifragum plants in Møre and Romsdal Country, Norway. In ACAMOVIC, T.; STEWART, C. S.; PENNYCOTT, T. Poisonous plants and related toxins. Wallingford, Oxon: CABI Publishing, 2004. 608p.

GJULEMETOWA, R.; TOMOWA, M.; SIMOWA, M.; PANGAROWA, T.; PEEWA, S. Über die bestimmung von furostanolsaponinen im präparat tribestan. Die Pharmazie, Eschborng, v. 37, p. 296, 1982.

MEAGHER, L. P.; MILES, C. O.; FAGLIARI, J. J. Hepatogenous photosensitization of ruminants by Brachiaria decumbens and Panicum dichotomiflorum in the absence of sporidesmin: lithogenic saponins may be responsible. Veterinary and Human Toxicology, Manhattan, v.38, n.4, p.271-274, 1996.

OLESZEK, W. A. Chromatographic determination of plant saponins. Journal of Chromatografhy A, Amsterdam, v. 967, p. 147-162, 2002.

PERES, L. P. Metabolismo secundário. [online], 2004. Disponível em: http://www.ciagri.usp.br/~lazaropp/FisioVegGradBio/MetSec.pdf#search=%22SAPONINA%20diosgenina%22. Acesso em: 20 de agosto de 2006.

PIRES, V. S.; TAKETA, A. T. C.; GOSMANN, G.; SCHENKEL, E. P. Saponins and sapogenins from Brachiaria decumbens Stapf. Journal of the Brazilian Chemical Society, São Paulo, v.13, n.2, p.135-139, 2002.

SEN, S.; MAKKAR, H. P. S.; BECKERPLANT, K., Alfalfa saponins and their implication in animal nutrition. Journal of Agricultural and Food Chemistry, Easton, v. 46, n. 1, p. 131–140, 1998.

WINA, E.; MUETZEL, S.; BECKER, K. The Impact of saponins or saponin-containing plant materials on ruminant productions: A review. Journal of Agricultural and Food Chemistry, Washington, v.53, p.8093-8105, 2005.