MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE VARREDURA DE ERITRÓCITOS DE OVINOS SUBMETIDOS A INTOXICAÇÃO CÚPRICA ACUMULATIVA

 

Wanderson Adriano Biscola Pereira1, Mário Roberto Hatayde2, Joice Lara Maia Faria3

 

1 Médico Veterinário. Doutor. Professor do curso de Medicina Veterinária da Universidade de Uberaba, CEP: 38055-460, Uberaba – MG, Brasil. E-mail:wabpereira@yahoo.com.br (autor correspondente)

2 Médico Veterinário. Doutor. Professor do departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP – Campus de Jaboticabal.

3 Médica Veterinária. Mestre. Professora do curso de Medicina Veterinária da Universidade de Uberaba.

 

PALAVRAS – CHAVES: Acantócitos, corpúsculos de Heinz, fase hemolítica.

 

 

ABSTRACT

 

SCANNING ELECTRON MICROSCOPY STUDY OF ERYTHROCYTES IN CUMULATIVE COPPER POISONING IN SHEEP

Chronic copper poisoning is rather common in sheep and has three phases: pre-hemolytic, hemolytic, and post-hemolytic. Therefore, this study investigates abnormalities in red blood cell (RBC) morphology by using electron microscopy during pre-hemolytic and hemolytic intoxication periods. A total of 6 sheep were divided into two groups: control group (GI); and experimental group (GII). EDTA blood samples were collected weekly and prepared for observation with the scanning electron microscope. During the pre-hemolytic period, the intoxicated group showed a predominance of discocytes, although an increase in the proportion of macrocytes, knizocytes and dacryocytes was evidenced between weeks 11 and 17 of poisoning trials. These changes were similar to those found in the control group. However, hemolytic findings revealed a decrease in the number of discocytes and predominance of acanthocytes, as well as the presence of codocytes, keratocytes and Heinz bodies. Therefore, RBC morphological changes were limited to the hemolytic phase of intoxication.

 

KEYWORDS: Acanthocytes; heinz bodies; hemolytic phase.

 

 

INTRODUÇÃO

O microelemento cobre (Cu) é um importante componente de algumas metaloproteínas, muitas das quais são enzimas vitais, quase todas participando de reações de óxido-redução. (McDOWELL, 1992; UNDERWOOD & SUTTLE, 2001).

O cobre solúvel disponível é absorvido principalmente no intestino delgado. No organismo o cobre se liga a albumina e é carreado para o fígado, que é o principal órgão de estoque. De acordo com as necessidades orgânicas, o cobre é incorporado a ceruloplasmina, sendo distribuído para toda economia animal (ORTOLANI, 2002).

A deficiência e toxicidade do Cu em ruminantes ocorrem freqüentemente em muitas partes do mundo (MILTIMORE & MASON, 1971).

Entre as espécies de animais, os ovinos são os mais sujeitos a apresentarem tanto quadros de deficiência quanto de intoxicação pelo cobre (ORTOLANI, 1996; GOONERATNE et al., 1989). A intoxicação cúprica deve-se a uma menor capacidade de conjugação entre o cobre e a metalotioneína, diminuindo a excreção deste elemento no organismo, pela via biliar, e permitindo que o mesmo acumule-se no fígado (SOARES, 2004).

A intoxicação cúprica pode ser dividida em duas formas: intoxicação aguda, decorrente da ingestão abrupta de grandes quantidades de cobre, em um curto espaço de tempo; e intoxicação cúprica acumulativa, onde o acúmulo de cobre hepático é progressivo, podendo durar de meses a anos, até o desencadeamento da fase hemolítica (ORTOLANI, 2003 apud SOARES, 2004).

A intoxicação crônica por cobre pode ser dividida em três fases distintas: a pré-hemolítica, a hemolítica e a pós-hemolítica. Durante a fase pré-hemolítica, ocorre o acúmulo de cobre no fígado, sem aparecimento de sinais clínicos. O cobre se acumula inicialmente nos hepatócitos periféricos às células da veia central e posteriormente em outras áreas do fígado. Durante o acúmulo, os hepatócitos aumentam consideravelmente seu número de lisossomos, organela na qual também se acumula o cobre. Atingindo o limiar máximo de acúmulo de cobre nos hepatócitos, ocorre a morte celular difusa, promovendo a liberação maciça de cobre e de lisosimas com grande poder de destruição. O cobre livre se desloca para a corrente circulatória, onde após entrar nas hemácias oxida a glutationa, substância responsável pela integridade destas células, culminando com a hemólise, cerca de 24 horas após (ORTOLANI, 1996).

Durante a crise hemolítica observa-se neutrofilia e anemia. Há aumento dos níveis sanguíneos de cobre e dos níveis séricos de sorbitol desidrogenase (SDH), arginase, aspartato amino transferase (AST), glutamato desidrogenase (GD), ceruloplasmina, uréia e bilirrubina (MÉNDEZ, 2001). Uma crise hemolítica aguda com hemoglobinemia e hemoglobinúria são achados importantes. Corpúsculos de Heinz podem ser encontrados nas hemácias através de esfregaços sangüíneos (INABA, 2000).

O mecanismo da hemólise promovida pela intoxicação cúprica não está bem elucidado. Segundo JAIN (1993) e INABA (2000) os efeitos citotóxicos ocorrem devido à interação do cobre com uma série de compostos presentes nas membranas dos eritrócitos gerando neste processo a formação de agentes oxidantes, além da inibição de enzimas importantes para os eritrócitos como a glutationa redutase e a piruvato quinase, levando ao aumento na formação de metahemoglobina. A ação direta dos ânions superóxido e peróxido de hidrogênio no interior das hemácias culmina na formação dos corpúsculos de Heinz.

Conhecendo-se a importância do microelemento cobre e embora vários trabalhos tenham indicado o comprometimento hepático (LEMOS et al., 1997; AUZA et al., 1999; MÉNDEZ, 2001; SOARES, 2004) e alterações nas células sanguíneas, faltam estudos que demonstrem a relação entre a intoxicação cúprica crônica e as anormalidades morfológicas que ocorrem nas membranas dos eritrócitos, quando vistas à microscopia eletrônica de varredura (MEV).

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizados 06 ovinos, adultos, castrados, sem raça definida, alojados individualmente em gaiolas metabólicas, equipadas com comedouros e bebedouros plásticos, situados em área coberta, junto ao Laboratório de Pesquisa do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, UNESP/ Jaboticabal.

Os animais receberam uma dieta composta de 700g de matéria seca de feno de tifton 85 (Cynodon spp), água ad libitum e 200g da ração comercial (Nutriovinos – Purina). Os alimentos foram submetidos à análise bromatológica antes do início do experimento, verificando-se principalmente as concentrações de cobre, molibdênio, zinco, enxofre e ferro para que não houvesse interferência na absorção de cobre .

Os animais foram divididos aleatoriamente em dois grupos, G-I e G-II, contendo três animais em cada um. O grupo G-I, representou o grupo controle recebendo apenas a alimentação diária. O grupo G-II além da alimentação diária recebeu uma dose inicial de 3mg/ kg PV dia de CuSO4. 5H2O (VETEC) em solução a 5%, pela via oral, com auxílio de uma seringa, na primeira semana, e semanalmente aumentando 3mg/kg do agente toxicante na dose diária seguindo as recomendações de SOARES (2004) até o aparecimento de hemoglobinúria macroscópica.

Foram colhidas semanalmente, amostras de sangue da veia jugular de cada um dos ovinos, utilizando-se EDTA, como anticoagulante. Para realização da MEV 100 ml de sangue foram colocados em glutaraldeído 1,5% em tampão fosfato 0,1M, pH 7,4. Após a fixação por uma hora a 4°C, as células foram lavadas três vezes com tampão fosfato (0,1M e pH 7,4), desidratadas em uma série ascendente de acetona (25% a 100%), permanecendo 15 minutos em cada solução e com duas passagens na acetona absoluta. Posteriormente as células foram suspendidas com 100 µl de acetona absoluta e duas gotas desta suspensão foram colocadas sobre lamínulas de vidro e secas rapidamente por evaporação. As lamínulas foram cobertas com fina camada de ouro (15nm) e examinas no microscópio eletrônico de varredura em uma angulação de 33 a 45 graus negativos e voltagem de 15 kV, sendo os melhores campos fotografados.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante a fase pré-hemolítica da intoxicação cúprica verificou-se que 85% das hemácias visualizadas através da MEV apresentavam-se com o padrão normal, também denominado discóide. Entretanto entre a 11°. e a 17°. semana desta fase o padrão morfológico dos eritrócitos começou a se alterar e outros formatos de hemácias, como macrócitos, kinizócitos e dacriócitos passaram a ser visualizados em maiores proporções.

Segundo JAIN (1993) e FELDMAN (2000) a presença de dacriócitos deve-se a alterações no citoesqueleto protéico das hemácias, associadas a eventos deformantes. Estas alterações são observadas principalmente nas anemias associadas com a presença de corpúsculos de Heinz, talassemias e mielofibrose. Cabritos normais também podem apresentar células com este padrão. Os macrócitos representam eritrócitos morfologicamente normais possuindo apenas um volume corpuscular médio (VCM) acima do normal, enquanto os kinizócitos compreendem eritrócitos com uma faixa central de hemoglobina formando dois ou mais espaços livres na superfície das hemácias, dando um aspecto de uma célula tricôncava, e, têm sido relatados como achados comuns em quadros anêmicos em humanos e cães.

Entretanto essas variações na morfologia das hemácias mantiveram-se presentes tanto nas hemácias dos animais do grupo controle e dos animais experimentalmente intoxicados, sugerindo que as alterações morfológicas durante a fase pré-hemolítica da intoxicação estão associadas ao processo de metabolismo e constante renovação de células eritrocitárias.

            No momento em que foi desencadeada a crise hemolítica pode-se através da MEV evidenciar alterações marcantes e persistentes na morfologia das hemácias, como a presença de acantócitos, estomatócitos, codócitos e keratócitos. Dentre estes os acantócitos predominaram, representando cerca de 70% das células avaliadas. Os acantócitos são eritrócitos espiculados, com várias projeções em sua superfície, devido às alterações nos fosfolipídeos de membrana dos eritrócitos, e geralmente estão associados à presença de doenças hepáticas difusas, e dietas com altos níveis de colesterol. Os estomatócitos são evidenciados nos casos de doença hepática obstrutiva e nas anemias crônicas em cães. Os codócitos, comumente chamados de células alvo (target cells) são eritrócitos com uma área central densa de hemoglobina, devido a alterações da membrana celular ou pelo decréscimo dos níveis de hemoglobina celular ou ambas, e são encontrados nas anemias hipocrômicas e em doenças hepáticas colestáticas. Além destes, evidenciou-se keratócitos, que são eritrócitos irregulares com espículas, e estão relacionados à coagulação intravascular disseminada, anemia hemolítica microangiohepática e falência renal com congestão.

A visualização de hemoglobina precipitada na membrana dos eritrócitos, assim como a presença de corpúsculos de Heinz foi possível apenas durante a fase hemolítica da intoxicação, mostrando que o cobre apresenta um efeito citotóxico sobre as hemácias, seja por ação direta, pela formação de agentes oxidantes ou simplesmente pela inibição do metabolismo oxidativo celular, lesionando a membrana eritrocitária, e alterando sua morfologia e gerando assim um quadro hemolítico (JAIN, 1993; ORTOLANI, 1996, INABA, 2000 e MÉNDEZ, 2001).

 

CONCLUSÃO

            Com esse estudo pode-se concluir que durante a fase pré-hemolítica da intoxicação não ocorrem alterações marcantes na morfologia eritrocitária, e que após a liberação de cobre os eritrócitos sofrem sérios danos em suas membranas permitindo predomínio de acantócitos como padrão celular durante esta fase.

 

REFERÊNCIAS

 

AUZA, N. J.; OLSON, W. G.; MURPHY, M. J.; LINN, J. G. Diagnosis and treatment of copper toxicosis in ruminants. Journal of the American Veterinary Medical Association, Schaumburg, v. 214, n. 11, p. 1624-1628, 1999.

GOONERATNE, S. R., BUCKLEY, W. T., CHRISTENSEN, D. A. Rewiew of copper deficiency and metabolism in ruminats. Canadian Journal of Animal Science, Ottawa, v.69, p.819-845, 1989.

INABA, M. Red blood cell membrane defects. In: FELDMAN, B. F.; JOSEPH, G. Z.; JAIN, N. C. Schalm’s veterinary hematology, 5.ed., Canada: Lippincot Williams & Wilkins, 2000. p. 1012 – 1020.

JAIN, N. C. Essentials of veterinary hematology. Philadelphia: Lea & Febiger, 1993. 417p.

MCDOWELL, L. R. Minerals in animal and human nutrition. San Diego: Academic Press, 1992. 524p.

MÉNDEZ, M. C. Intoxicação crônica por cobre. In: RIET-CORREA, F.; SCHILD, A. L.; MENDEZ, M. C.; LEMOS, R. A. A. Doenças de ruminantes e eqüinos. São Paulo: Livraria Varela, 2001, p. 181-186.

MILTIMORE, J. E., MASON, J. L. Cooper to molybdenun ratio and molybdenun and copper concentration in ruminan feeds. Canadian Journal of Animal Science, Ottawa, v. 51, p. 193–200, 1971.

ORTOLANI, E. L. Intoxicações e doenças metabólicas em ovinos: intoxicação cúprica, urolitíase e toxemia da prenhez. In: SOBRINHO, A. G. S. et al. Nutrição de ovinos. Jaboticabal: Funep, 1996. p. 241–258.

ORTOLANI, E. L. Macro e microelementos. In: SPINOSA, H. S.; GORNIAK, S. L.; BERNADI, M. M. Farmacologia aplicada à medicina veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. p. 641-651.

SOARES, P. C. Efeitos da intoxicação cúprica e do tratamento com tetratiomolibdato sobre a função renal e o metabolismo oxidativo de ovinos. São Paulo, 2004, 117.f. (Doutorado em Clínica Veterinária) Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. São Paulo.

UNDERWOOD, E. J.; SUTTLE, N. F. The mineral nutrition of livestock. 3.ed., Wallingford: Cabi Publishing, 2001. 614 p.