FOTOSSENSIBILIZAÇÃO HEPATÓGENA EM CAPRINOS
ASSOCIADA À INGESTÃO DE Brachiaria
brizantha NO ESTADO DO PARÁ
José Alcides Sarmento da Silveira1,
Tatiane Teles Albernaz1, Natália da Silva e Silva2,
Cinthia Távora de Albuquerque Lopes3, Valíria Duarte Cerqueira4,
Carlos Magno Chaves Oliveira4, Marcos Dutra Duarte1, José
Diomedes Barbosa5
1. Médico Veterinário, MSc, Faculdade de Medicina Veterinária da
Universidade Federal do Pará (UFPA)
2. Aluna de mestrado do Programa de Pós-Graduação Saúde Animal na
Amazônia, Faculdade de Medicina Veterinária (UFPA)
3. Acadêmica da Faculdade de Medicina Veterinária (UFPA)
4. Médico Veterinário, MSc, professor da Faculdade de Medicina
Veterinária (UFPA)
5. Médico Veterinário, doutor, professor da Faculdade de Medicina
Veterinária (UFPA)
Central de Diagnóstico Veterinário (CEDIVET), Faculdade de Medicina
Veterinária, Universidade Federal do Pará, Campus Castanhal, Rua Maximino
Porpino da Silva, nº 1000, 68740-080, Castanhal - PA, Brasil.
E-mail: jalcides@ufpa.br (autor correspondente)
PALAVRAS – CHAVE: Brachiaria spp., caprinocultura, epidemiologia, saponinas.
ABSTRACT
HEPATOGENOUS PHOTOSENSITIZATION IN GOATS
ASSOCIATED WITH BRACHIARIA BRIZANTHA INGESTION IN PARÁ
This study investigates two isolated cases of
photosensitization in goats in Pará. Goat number 1 was kept in a confined
system in a suspended wooden stall, and was exclusively fed breast milk, salt
and mineral water ad libitum up to 30
days of age. Then, it was introduced in Brachiaria brizantha pastures, and after 15 days, it showed clinical
signs of photosensitization. Goat number 2 was originally kept in B. brizantha pastures. Five months after
arriving at another farm, which also presented pastures of the same type, the
animal fell ill. Clinical signs included apathy, anorexia, ear edema, icterus,
restlessness, seeks shade, and shedding of skin followed by crust formation in
some areas of the body. Furthermore, increased levels of GGT, AST and bilirubin
were observed. Analysis of B. brizantha
samples revealed protodioscin isomers. Necropsy findings reported subcutaneous
edema, jaundice, and orange color liver. Histological examination detected
liver damage due to hepatocellular swelling and cholestasis with foam cell and
crystal formation. It also evidenced dark brown renal tubules, tubular
degeneration, and the presence of crystals.
KEYWORDS: Brachiaria spp.; caprinoculture; epidemiology; saponins.
INTRODUÇÃO
O Brasil possui um rebanho caprino de
aproximadamente 10 milhões de animais (MAPA, 2007). No período de
No Pará, o rebanho efetivo está em torno
de 65.800 animais (ADEPARÁ 2008, dados não publicados); e os fatores
responsáveis por perdas econômicas na caprinocultura estão relacionados à
hemoncose, mastite, linfadenite caseosa e footrot.
Além dessas enfermidades, outras vêm sendo diagnosticadas, como a
fotossensibilização hepatógena associada à ingestão de Brachiaria brizantha.
A fotossensibilização
caracteriza-se por uma sensibilidade exagerada dos animais aos raios solares e
pode ser classificada como primária ou secundária (hepatógena), ambas relacionadas
à presença do agente fotossensibilizador na corrente sanguínea (TOKARNIA et
al., 2000). Atualmente, a fotossensibilização hepatógena, em animais que pastam
Brachiaria spp., é atribuída à presença de saponinas esteroidais
litogênicas na própria gramínea (LEMOS et al., 1997).
No estado do Pará, casos de fotossensibilização associada à ingestão de B. brizantha têm sido observados de
forma isolada em bovinos (BARBOSA 2007, dados não publicados) e em surtos na espécie
ovina (ALBERNAZ et al., 2008). Nas espécies eqüina (BARBOSA et al., 2006) e
bubalina (BARBOSA 2007, dados não publicados) foram observados surtos de
fotossensibilização associados à ingestão de B. humidicola.
O objetivo deste trabalho é descrever dois casos de fotossensibilização associada à ingestão de B. brizantha em caprinos no Estado do Pará.
MATERIAL
E MÉTODOS
Foram estudados dois casos isolados de
fotossensibilização em caprinos pertencentes a duas propriedades localizadas
nos municípios de Castanhal e Santa Luzia do Pará, onde os dados epidemiológicos
foram obtidos. Na propriedade de Castanhal, foi coletada amostra da pastagem,
que foi seca à sombra, para determinação qualitativa e quantitativa de
saponinas, pelo método de cromatografia de camada delgada (GJULEMETOWA et al.,
1982) e por HPLC, utilizando o detector de evaporação por dispersão de luz
(WANG et al., 2004). Esta análise foi realizada no Instituto Biológico de São
Paulo.
O exame clínico dos animais foi feito de acordo com DIFFAY
(2004). E amostras de sangue foram coletadas para determinação dos níveis séricos de gama glutamiltransferase
(GGT), asparto aminotransferase (AST), bilirrubina direta, bilirrubina indireta
e bilirrubina total, por meio de espectrofotômetro (BioPlus - Bio - 2000).
Essas análises foram realizadas no laboratório de Patologia Clínica da Central
de Diagnóstico Veterinário (CEDIVET) da Universidade Federal do Pará (UFPA).
À necropsia foram coletados fragmentos de diversos órgãos e fixados em formol
a 10%, para realização de exames histopatológicos, realizados no Setor de
Patologia Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
RESULTADOS
Em
novembro de 2007, foi atendido, em uma propriedade do município de Santa Luzia
do Pará, o caprino 1, macho, mestiço de Boer e Saanen, de três meses de idade,
pertencente a um lote de 140 animais. Este animal, até os 30 dias de idade foi
mantido confinado em baia suspensa e alimentado exclusivamente com leite
materno, sal mineral e água ad libitum.
Após esse período, foi introduzido em piquete de Brachiaria brizantha, apresentando sinais clínicos de
fotossensibilização 15 dias depois.
Em
setembro de 2008, foi atendido, em uma propriedade no município de Castanhal, o
caprino 2, fêmea, mestiça de Boer e Saanen, com aproximadamente três anos de
idade, pertencente a um lote de 10 animais. Esta fêmea apresentou sinais
clínicos de fotossensibilização cinco meses após sua chegada a esse local, onde
era mantida em pastagem de B. brizantha e
recebia sal mineral e água ad libitum,
pois pertencia a outra propriedade do estado do Pará, cuja pastagem também era
de B. brizantha.
Ambos os casos ocorreram durante a época seca, na
qual a pastagem de B. brizantha se
encontrava com massa residual reduzida e senescente. Na amostra de B. brizantha, coletada onde pastava o
caprino 2, foram determinadas níveis de 1,54% de isômeros de protodioscina.
Os
sinais clínicos apresentados pelo caprino 1 foram apatia, anorexia, edema nas
orelhas, mucosas amareladas e desidratação, vindo a óbito cinco dias após o
início desses sinais. Além desses sinais, o caprino 2 apresentou inquietação, procura por sombra, edema na vulva, desprendimento da pele seguido por formação
de crostas em algumas áreas do corpo e morte 22 dias após o início dos sinais
clínicos.
Os achados laboratoriais
revelaram aumento, nos dois animais, dos níveis séricos de gama glutamiltransferase
(GGT), aspartato aminotransferase (AST) e bilirrubina.
Os
achados de necropsia consistiam em edema subcutâneo, fígado alaranjado,
icterícia e vesícula biliar distendida com bile escura e espessa.
Histologicamente, o fígado apresentava tumefação hepatocelular acentuada,
colestase, com cristais e macrófagos espumosos; o rim apresentava pigmento
marrom escuro nos túbulos, degeneração tubular e presença de cristais.
DISCUSSÃO
O
diagnóstico de fotossensibilização hepatógena associada à ingestão de B. brizantha, neste estudo, baseou-se
nos achados epidemiológicos, clínicos e patológicos, como aqueles descritos por
outros autores (LEMOS et al., 1996).
Em
diversas regiões do Brasil, as pastagens de Brachiaria
spp. são responsáveis por surtos de fotossensibilização hepatógena, causados
por saponinas esteroidais litogênicas (LEMOS et al., 1996). Segundo esse autor,
os animais jovens são mais suscetíveis à intoxicação, o que foi observado neste
trabalho, visto que o caprino 1, foi o único animal que adoeceu em um lote de
animais de diferentes faixas etárias; e apresentou sinais clínicos mais severos
em relação ao caprino 2. Isso ocorreu, provavelmente, pelo fato do mesmo ter
sido mantido em baia desde o nascimento até os 30 dias de idade e,
posteriormente, ser introduzido na pastagem de B. brizantha, o que possivelmente não possibilitou uma adaptação
prévia; fato semelhante ao relatado por ALBERNAZ et al. (2008) em um surto de
fotossensibilização hepatógena em ovinos no estado do Pará.
Os isômeros de protodioscina, determinados na amostra de B.
brizantha neste estudo, também foram observados em outros estudos com B.
brizantha (BRUM et al., 2009).
A quantidade de saponina pode variar em pastagens
com forragens de mesma espécie cultivadas em locais diferentes (MEAGHER et al.,
1996) devido a fatores como o estresse ambiental, idade da planta e sua fase de
desenvolvimento (OLESZEK, 2002). Isso explica, possivelmente, o fato do caprino
2 adoecer após mudança de propriedade, mesmo sendo mantido no mesmo tipo de
pastagem da propriedade de origem.
A característica da pastagem, com massa residual
reduzida e senescente, em ambos os casos, neste estudo, constitui aspecto digno
de nota, uma vez que esta característica epidemiológica é semelhante à descrita
em ovinos por ALBERNAZ et al. (2008) também no Pará.
A elevação
dos níveis sanguíneos de AST, GGT e bilirrubina, indicam lesão hepática, o que justifica
o quadro clínico observado e confirma fotossensibilização hepatógena.
Os
mesmos achados de necropsia observados, também foram relatados em surtos de
fotossensibilização hepatógena associada à pastagens de Brachiaria spp., em outras espécies (ALBERNAZ et al., 2008; LEMOS et al., 1997).
A presença
de cristais nos hepatócitos também é descrita por LEMOS et al. (1996) em ovinos
e em bovinos, nos relatos de fotossensibilização hepatógena associada à
ingestão de B. decumbens (LEMOS et
al., 1997). A tumefação hepatocelular também foi um achado predominante
descrito por DRIEMEIER et al. (2002)
em ovinos com fotossensibilização.
No presente estudo foi verificada uma maior toxidade da B. brizantha
no período seco e com o capim em fase de maturação, estando de acordo com o
observado por BRUM et al. (2009). Nessa época, o capim se encontrava com poucos
centímetros de altura, o pastejo era intensivo e foi observada alta toxidade.
CONCLUSÃO
Baseado nos
resultados apresentados, concluiu-se que a fotossensibilização hepatógena, nos
caprinos do presente estudo, foi causada pela ação tóxica de B. brizantha.
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