CALCINOSE ENZOÓTICA EM BUBALUS BUBALIS NO PANTANAL NORTE MATOGROSSENSE, BRASIL

 

Carlos Eduardo Pereira dos Santos¹, Luiz Carlos Marques², Celso Figueiredo3, Daniele Costa Borges3, Nilton Ferreira Borges3 e Cláudio José de Assis3

 

  1. Programa de pós-graduação em Clínica Médica Veterinária da UNESP campus de Jaboticabal.

São Paulo. Brasil. E-mail: cep.vet@ig.com.br (autor correspondente)

  1. Professor titular da Universidade Estadual de São Paulo “Júlio de Mesquita Filho” campus de Jaboticabal. Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias. Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária. São Paulo. Brasil.
  2. Médicos Veterinários autônomos

 

PALAVRAS-CHAVE: Bubalino, calcinogênica, Solanum malacoxylon.

 

ABSTRACT

 

ENZOOTIC CALCINOSIS IN BUBALUS BUBALIS IN NORTHERN PANTANAL, MATO GROSSO, BRAZIL

This study reports the epidemiological, clinical and biochemical analysis as well as postmortem and histological changes observed in buffaloes with weight loss, which were raised in a farm in northern Pantanal region, in Mato Grosso State, Brazil. These results were consistent with the diagnosis of enzootic calcinosis. Solanum malacoxylon was found in the pastures. During rainy seasons, female buffaloes developed locomotion abnormalities and reduced milk production. Other evidence included arched backs and difficulty as regards rising, kneeling while rising, and feeding. Two out of four female buffaloes revealed high serum concentrations of phosphorus. Severe changes were observed, such as poor body condition and large rigid arteries with irregular intimal surface. Histological exams detected extensive chondroid metaplasia and discreet signs of calcification along the aorta.

 

KEYWORDS: Bubaline, calcinosis, Solanum malacoxylon.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

Diversas plantas com atividade calcinogênica são descritas em todo o mundo, sendo que no Brasil a enfermidade assume importância econômica em grandes ruminantes na região do Pantanal de Mato Grosso, e tem como etiologia a ingestão de Solanum malacoxylon com quadro clínico denominado regionalmente como “espichamento” (TOKARNIA & DÖBEREINER, 1974). Na região Sul quadros de calcinose acometem pequenos ruminantes e relaciona-se ao consumo de Nierembergia veitchii (BARROS et al. 1992; RISSI et al. 2007).            Síndromes envolvendo quadros de calcinose tem sido relatadas no Centro Oeste em áreas de cerrado, acometendo tanto pequenos quanto grandes ruminantes porém de etiologia ainda incerta, considerando que não existiam espécies botânicas com atividade calcinogênica conhecida nas investigações das ocorrências (BOABAID et al. 2003; SANTOS et al. 2005).        Segundo MELLO (2003), a maioria do princípio ativo presente em plantas calcinogênicas, derivado glicosídico do 1,25 (OH)2D3 (calcitriol), é hidrolisado no intestino, rúmen e outros tecidos, ou pela flora bacterinana. O excesso de vitamina D estimula absorção de cálcio e fósforo, produzindo hipercalcemia e/ou hiperfosfatemia. Os minerais absorvidos excessivamente não podem ser acomodados fisiologicamente e a deposição em tecidos moles resulta em calcinose.

Quadros espontâneos de calcinose enzoótica são descritos somente em bovinos, ovinos e caprinos. O objetivo deste trabalho é descrever os aspectos clínicos, bioquímicos e patológicos de bubalinos desenvolvendo naturalmente calcinose enzoótica relacionado ao consumo de S. malacoxylon no Pantanal Norte de Mato Grosso.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Os dados epidemiológicos e clínicos foram subsidiados por visitas em conjunto com proprietários e Médicos Veterinários em estrato rural no município de Poconé – Mato Grosso. Realizou-se necropsia em um dos animais e coletaram-se alíquotas de sangue de quatro sintomáticos para análise bioquímica. Fragmentos de vísceras do búfalo necropsiado foram acondicionados em formalina a 10%, sendo rotineiramente processados para exame histológico, corados pela técnica de hematoxilina e eosina e observados em microscopia óptica.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nas diligências a campo observou-se que nos piquetes onde os búfalos eram criados, havia quantidades variadas de Solanum malacoxylon, ressaltando-se maior densidade nos locais que permaneciam alagados na maior parte do ano, locais preferidos pelos animais, onde o rebanho ficava a maior parte do tempo ora ociosos, ora pastando. A morbidade foi em torno de 10%. Observou-se ocorrência de sinais clínicos em diferentes graus e por dois anos consecutivos de dezembro a fevereiro, correspondendo ao período chuvoso, diferentemente dos bovinos, que normalmente apresentam sinais durante o período de estiagem por consumirem planta desfolheada em meio a pastagem (TOKARNIA et al. 2000). Esta particularidade pode relacionar-se ao hábito do bubalino em pastar plantas em áreas semi ou completamente submersas (FORD, 1992).

Animais afetados tratavam-se de bubalinos, fêmeas, paridas, sem raça definida, com idades variando entre 3 e 6 anos. Os sinais precoces verificados eram caquexia progressiva, com diminuição ou supressão da produção láctea. Marcada redução na produção de leite já foi observada em casos naturais oriundos da ação de outras plantas calcinogênicas em cabras (BRAUN et al. 2000). Vale relatar que ocorreram dois óbitos em bezerros bubalinos de um mês de idade e restrita a progênie de mães sintomáticas com sinais mais acentuados, sendo consistente a hipótese de que as mortes tiveram relação com baixo aporte alimentar aos lactentes, embora não seja possível descartar outras causas, em face de não avaliação dos neonatos mortos. Em casos mais avançados, além da acentuada perda de peso os animais apresentavam cifose, dificuldade para se deitar e levantar, permanecendo pastando apoiando-se na articulação cárpica. Quando em estação permaneciam com membros anteriores ligeiramente fletidos e apoiando-se sobre as pinças, com rigidez a marcha. Estes sinais são semelhantes aos descritos por outros autores em animais com calcinose enzoótica (TOKARNIA et al. 2000; RIET-CORREA et al. 2007).

Os constituintes sanguíneos de quatro animais sintomáticos envolvendo dosagem de cálcio variaram entre 8,6 e 10,3 mg/dl, fósforo entre 6,5 e 8,6 mg/dl e fosfatase alcalina entre 65 e 107 UI. Ressalta-se que os animais com sinais mais acentuados e irreversíveis de calcinose apresentaram os níveis de cálcio próximo aos limites superiores relativos a padrões de normalidade e fósforo além dos limites normais para espécie, de acordo com padrões elencados por FAGLIARI et al. (1998). Este estudo indica que o nível sorológico de fósforo pode ser um importante marcador para se determinar prognóstico, embora existam poucos estudos em bubalinos neste contexto, de modo a permitir comparações.

Os principais achados de necropsia foram espessamentos das cordas tendíneas, calcificação e espessamento da cúspide atrioventricular esquerda, espessamento e presença de placas brancacentas das cúspides de valva aórtica e aorta ascendente. De modo geral grandes e pequenas artérias apresentavam rigidez e superfície interna irregular, por vezes com placas brancacentas e opacas. A microscopia, o achado mais representativo foi metaplasia condróide focalmente extensa com áreas discretas de calcificação. Estes achados são comuns em quadros de calcinose e relatados por diversos autores (TOKARNIA et al. 2000; RIET-CORREA et al. 2007; RISSI et al. 2007).

Apesar da maioria dos animais afetados não morrerem, as perdas econômicas nas propriedades são expressivas pela acentuada caquexia nos búfalos sintomáticos, pela diminuição ou supressão láctea das fêmeas recém paridas e por incrementos acerca das mortes em bezerros bubalinos jovens, provavelmente relacionados a baixa produção de leite das parturientes.

 

CONCLUSÕES

O conjunto de dados epidemiológicos, clínicos, patológicos e laboratoriais caracteriza quadro de calcinose enzoótica natural em bubalinos devido ingestão de Solanum malacoxylon. O hábito da espécie animal, em conjunto ao habitat palustre da espécie botânica, incrementou a emergência de calcinose no rebanho. Uma vez que não há tratamento efetivo para esta intoxicação fitógena, adequações nas práticas de manejo devem direcionadas a minimizar ingestão das folhas, sejam estas dessecadas ou verdes, alocando animais em áreas alagadas distribuídas em solo arenoso, considerando-se grande dimensionamento das propriedades rurais na região e distribuição da planta limitando-se a solos argilosos.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos a CAPES pela concessão da bolsa de estudos Programa PRODOUTORAL e a André von Thuronyi pela cessão dos bubalinos.

 

REFERÊNCIAS

BARROS, S. S. et al. Evolução clínica e reversibilidade das lesões da calcinose enzoótica dos ovinos induzida por Nierembergia veitchii. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1/2, p. 5-10, 1992.

BOABAID, F. M.; ANTONIASSI, N. A. B.; BOURSCHEID, D.; SOARES, L. C. M.; SANTOS, C. E. P.; NAKASATO, L.; COLODEL, E. M. Aspectos clínicos e patológicos da calcinose enzoótica de etiologia desconhecida em rebanhos de ovinos do estado de Mato Grosso. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MEDICINA VETERINÁRIA, 23, 2006, Cuiabá. Anais… Cuiabá, 2006.

BRAUN, U.; DIENER, M.; CAMENZIND, D.; FLÜCKIGER, M.; THOMA, R. Enzootic calcinosis in goats caused by golden oat grass (Trisetum flavescens). Veterinary Record, London, v. 146, p. 161-162, 2000.

FAGLIARI, J. J.; SANTANA, A. E.; LUCAS, F. A.; CAMPOS FILHO, E.; CURI, P. R. Constituintes sanguineos de bovinos lactantes, desmamados e adultos das raças Nelore (Bos indicus) e de bubalinos (Bubalus bubalis) da raça Murrah. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, Belo Horizonte, v. 50, n. 3, p. 263-271, 1998.

FORD, B. D. Swamp buffaloes in large scale ranching systens. In: TULLOH, N. M.; HOLMES, J. H. G. Buffalo production. Amsterdan: Elsevier. p. 465-481. 1992.

MELLO, J. R. B. Calcinosis – calcinogenic plants. Toxicon, Elmsford, v. 41, n. 1, p. 1-12, 2003.

RIET-CORREA, F.; SCHILD, A. L.; LEMOS, R. A. A.; BORGES, J. R. J. Intoxicação por plantas e micotoxinas. In: Doença de ruminantes e eqüídeos. 3.ed. Santa Maria: Pallotti, 2007.v.2. p. 182.

RISSI, D. R.; RECH, R. R.; PIEREZAN, F.; KOMMERS, G. D.; BARROS, C. S. L. Intoxicação em ovinos por Nierembergia veitchii: observações em quatro surtos. Ciência Rural, Santa Maria, v. 37, n. 5, p. 1393-1398, 2007.

SANTOS, A. S. et al. Calcinose em ruminantes de etiologia desconhecida no Estado de Goiás – GO. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, Belo Horizonte, v. 57, supl. 1, p. 76, 2005.

TOKARNIA, C. H.; DÖBEREINER, J. “Espichamento”, intoxicação de bovinos por Solanum malacoxylon, no Pantanal de Mato Grosso. II. Estudos complementares. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Série Veterinária, Rio de Janeiro, v. 9, p. 53-62, 1974.

TOKARNIA, C. H.; DÖBEREINER, J.; PEIXOTO, P. V. Plantas que causam calcificação sistêmica (calcinose). In: Plantas tóxicas do Brasil. Rio de Janeiro: Helianthus. 2000. p. 189-199.